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1º romance de Helena Osório
O
COMENTÁRIO BREVE de: Manuel Bragança dos Santos
Ocupei a manhã do dia de hoje
(18-03-2015) com a leitura atenta e interessada do primeiro romance – “Voando
nas asas de um pombo verde” –, escrito por Helena Osório
(Angolana, de Benguela). A obra, de trezentas e poucas páginas, agarra o
leitor, através da narrativa cuidada, dinâmica, assertiva, viva e colorida. O
texto referencial aponta para uma temporalidade estendida e distendida (entre 1917
e a actualidade), de forma engenhosa, cuja definição significativa gira em
torno, fundamentalmente, das personagens Cândida, Ângelo e Rosa – sendo esta a
filha de ambos. Os três alicerçam todo o desenrolar da intriga, numa
organização literária com carácter veemente e transformador, onde se impõe a
articulação comedida dos aspectos descritivos e narrativos.
Helena Osório consegue, na agitação
útil do sintagma, o saudável delírio trepidante do seu próprio discurso. E
chama-nos à razão, no âmbito da sua explanação teórica e conceptual, para as
representações mentais inerentes a um certo contexto histórico e ideológico
(1.ª Guerra Mundial; Angola, enquanto realidade sedutoramente redentora e
envolvente, tendente a mitigar o redutor desconchavo da 1.ª República; e... a
barbaridade da “descolonização exemplar”, do pós 25 de Abril de 1974),
balizados pela temporalidade (cronologicamente escalonada no início de cada
capítulo) atrás referida, isto é, de 1917 a 2013.
Em toda a obra perpassa um discurso
fremente, arrebatado, agradavelmente absorvente, cuja narrativa, por isso
mesmo, se encontra imbuída do ritmo, cor e incidência necessários, de resto,
indispensáveis à arte de contar. No caso concreto deste primeiro romance da
escritora, esses ritmo, cor e incidência chegam, por vezes, a expressar uma
notável intensidade dramática, plasmada no enunciado discursivo, através da sua
magoada sensibilidade criativa, tendo em conta os factos e vivências que a
prenderam e inspiraram.
Este livro de Helena Osório insinua-se,
perante o leitor, não só devido à sua subtil tonalidade poética, mas também por
conter o maravilhoso condão de nos aportar uma extraordinária mensagem de amor
e humanismo, arquitectada com mestria na emaranhada tecitura do discurso narrativo; consegue, assim, operar uma
espécie de interacção com a história que conta, obviamente, sem esquecer as
nuances entre o tempo da história e o do discurso; a forma como interpreta a
história e, por último, o tipo de discurso a que lança mão e que resulta nesta
obra extraordinária de denúncia e revolta.
Atentemos, uma vez mais para a
temporalidade da narrativa. Repare-se que a mesma é, sequencialmente, dual, ou
seja, a um tempo, significado e significante, emergindo daí realidades
diferidas que transmigram um tempo num outro tempo, numa elaboração estética
refrescante. A história tem o seu início em 1917, estruturando-se em várias
relações temporais dinâmicas, de cariz possível, ao longo de toda a diegese,
com recurso sistemático a analepses e
prolepses, de resto, muito bem contrabalançadas pela anacronia que se lhes
interpõe, sem que aquelas, no entanto, comprometam a percepção da consciência
temporal, isto é, não precipitando ambiguidades entre o passado, o presente e o
futuro da acção.
Um outro aspecto curioso, prende-se
com a postura omnisciente da autora, enquanto narradora ausente como personagem
da acção, não deixando de ser analítica do ponto de vista interior e, de uma
perspectiva meramente exterior, assume-se como uma muito atenta observadora, na
óptica da sua exegese, mesmo não sendo, como a própria refere na Nota Final: “
(...) o espírito que inicia e encerra a narrativa”.
Por último, achamos oportuno fazer
uma referência à mensagem bíblica inicial a que Helena Osório recorre: “Somos
irmãos”. Carl Gustav Jung alude à reminiscência da primitiva indiscernibilidade
entre o sujeito e o mundo exterior. Aquela encontra-se no âmago da
identificação social à qual se liga, pressupondo que a psicologia de um
indivíduo é igual à do seu irmão, existindo uma validade geral dinâmica, logo,
o que é bom para mim também o é para os outros, e o que é imoral para mim
sê-lo-á para os outros também. Nesta medida, a identificação através da atitude
social consciente reflecte o seu apogeu no ideal cristão do amor ao próximo...
Porque “Somos irmãos”.