Numa
época em que cada vez mais, a vida pessoal, comunitária e social tende a ser
vista através do filtro da psicologia, da sociologia e da pedagogia, da
História e da cultura, fundamentalmente, para além de outro tipo de
metodologias processuais com carácter mais sofisticadamente tecnico-analítico,
que não vem agora ao caso referir, também a criatividade artística, mormente a
literária, é passível de uma leitura, melhor dizendo, de uma abordagem, de uma
apreciação de feição, a um tempo crítica e analítica, a partir da sua mensagem
discursiva, metalinguística (formal e substancial).
Alguém terá dito que nenhum escritor escreve mais do que um só livro; o mesmo vale por dizer, que todos os outros não passam de novas versões do primeiro, ou seja, em todos eles se entrecruzam sempre a mesma temática e idêntica motivação que redundam, as mais das vezes, de forma progressiva ou regressiva, na eclosão do inconsciente a caminho do sentido da narrativa (forma progressiva) ou inversamente (forma regressiva).
Evidentemente que me refiro aos ensinamentos de Freud e Jacques Lacan (o imaginário tece-se pelas palavras, mas radica no inconsciente), e, a este respeito, recordo que quanto à crítica psicanalítica, passível de ser gerada a partir da leitura da mensagem literária, ocorre um processo de captação similar ao que se verifica no âmbito da interpretação dos sonhos, que, através da aparente incongruência discursiva onírica, revela impulsos inconscientes camuflados: assim, no texto literário, “os símbolos ou as metáforas, as imagens ou os conflitos dramáticos surgem sobretudo como metamorfoses mais ou menos sofisticadas de sentidos que há que atingir”, conforme (Reis, 1981: 83). E, para que não se pense que as coisas são assim tão lineares e primárias, acrescenta, citando Paul Ricoeur: “(...) a obra de arte não é uma simples projecção de conflitos do artista, mas um esboço das suas soluções (...)” (Reis, 1981: 84).
Se, para Freud, a arte se situa algures entre o princípio da realidade, que tolhe os nossos desejos, e o princípio do prazer, nem sempre tangível, porque sujeito à censura do social, na sequência do devir da própria civilização, a criação artística surge então como contraponto da neurose, sendo o texto literário o terreno propício à sublimação de traumas, mais do que ao espraiar do talento estético do autor.
Já Jung vê o texto como impregnado pelos arquétipos do inconsciente colectivo, onde a imagem primordial da Mãe vai guiando a pena do artista; deste modo, não existiria liberdade criadora, dado que a criatividade surgiria de forma determinada, por via da estrutura hereditária do psíquico, desde os primórdios mais remotos, capaz de fazer despoletar reacções e condutas, indirectamente, por meio de símbolos.
Mas, voltando a Freud, poder-se-á dizer que, no âmbito da sublimação, a criação literária, enquanto dissimulação, é metamorfoseada projectivamente através de imagens, símbolos e metáforas que, de outra maneira, permaneceriam no subconsciente, não se deixando, portanto, captar à flor do texto.
Como se vê, a diferença entre Freud e Jung, reside no facto do primeiro considerar a criatividade como partindo do indivíduo e das suas problemáticas (recalcamentos), isoladamente, e, Jung ser da opinião que essa mesma criatividade radica no colectivo (inconsciente) – arquétipos.
Segundo Charles Mauron, citado por Reis, e por aqui termino, a psicocrítica releva os aspectos estéticos da obra literária; este autor, nessa medida, atribui, na sua obra, grande destaque à metáfora que, de acordo com Reis, “constitui uma das figuras de estilo que, de modo flagrante, apela para a substituição sémica abertamente inovadora, para o desvelar de facetas incógnitas do real, para a consumação do processo de dissimulação que a expressão artística interpreta”. Mauron aponta ainda o “mito pessoal” como sendo a noção fundamental da psicocrítica; deste modo, “abre caminho para a desvalorização do biografismo excessivo (...) e para a denúncia e superação da rigidez da análise temática, obsessivamente preocupada com a ocorrência de episódios infantis”.
Bibliografia: DOUCET, Friedrich
(1975): A Psicanálise – Freud, Adler, Jung. Lisboa, Unibolso
REIS, Carlos (1981): Técnicas de Análise Textual. Coimbra, Livraria
Almedina
Imagem do Google
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Meu querido
ResponderEliminarEu havia de jurar que já tinha comentado esta publicação!
O texto está ótimo, muito bem documentado,mas eu não concordo com quem diz que cada autor só consegue escrever um livro.Será que não leu Eça de Queiroz ou Camilo Castelo Branco ou Machado de Assis?!
Cada cabeça, cada sentença.
Bom fim de semana
Beijinhos da
Mana