segunda-feira, 2 de março de 2020

ANSIEDADE E DESCRENÇA


     A propósito de um conteúdo fílmico de 2017, apresentado ontem (01 de Março de 2020), em horário tardio, pelo canal televisivo que a população do rectângulo financia coercivamente, diremos apenas que desligámos o receptor, não só profundamente decepcionados, mas também incontornavelmente incomodados. Perante algo tão sórdido, não conseguimos perceber de que serviço público fala o tal canal.

     O título da projecção aludia a “O Fim da Inocência” e apresentava um grupo de adolescentes, pertencente à classe abastada, em contexto do mais completo desnorte, vítimas do império dos sentidos, no âmbito da já estafada e degenerada triologia – sexo, drogas e rock`n`roll, tornada moda pela decadente sociedade do espectáculo, e, modernamente, a funcionar pela acção tenebrosa da omnipresente globalização.

     A globalização, ao contrário do que se possa pensar, significa isolamento multitudinário, porque anula a subjectitividade relacional de cada um; a globalização, por ser omnipresente, destrói também o tempo de estruturação e maturação dos corpos e das almas; a globalização, por se apresentar como a mensageira do pensamento único, impede a reflexibilidade e a consciência moral dos indivíduos, agora formatados pelo panegírico do colectivo.

     Cada vez mais, face ao descalabro social, político e económico do Ocidente, o fim da inocência voltou, porque não se aprendeu nada com os miseráveis factos ocorridos ao longo da Segunda Guerra Mundial; porque os governos escamoteiam deliberadamente o papel da Educação; o papel da família; a necessidade do Homem se transcender, já que não é um simples bicho que se rege tão-só pelos instintos.

     Vergadas sob o peso da ansiedade, as crianças são separadas prematuramente das mães, em nome do falso progresso, onde se confundem identidades, estatutos e papéis, com perdas regressivas e de dependência comportamental dos recém-nascidos, cada vez mais próximos do cão e do gato. As exigências laborais tornam as mães ainda mais ansiosas – omissas ou hiperprotectoras, remetendo os filhos para o fosso da carência emocional. A aversão, a fobia ou a inadaptação à escola vão fazendo escola.


     Está aberto, desde o berço, o caminho para a ansiedade neurótica na adolescência e na adultícia; está trabalhado o chão dos vários trantornos de personalidade psicotizada, marcados por inevitáveis surtos limítrofes de descrença pessoal, que a organização mental compensatória procurará suprir, de forma desviante e heterodoxa, como no enredo do deplorável filme a que (não) assistímos, em horário tardio, no canal oficial do rectângulo.

Nota: Sobre o mesmo filme, aceder à crónica:
https://maranduvaline.blogspot.com/2017/12/subsidios-para-debater-adolescencia.html

6 comentários:

  1. Perfeito teu texto, Humberto! Penso eu que a mudança forte na sociedade começou com os Hippies, onde a conhecida e degenerada triologia sexo, drogas e Rock and Roll se juntaram. E daí pra frente... deu no que deu até hoje. Nesse período havia respeito e ordem nas salas de aula. Os professores eram os mestres! Não havia Internet, mas os jovens eram felizes e menos encucados. Tinham tempo para viverem a época. Hoje, por vários fatores temos muitos jovens e adultos extremamente carentes e doentes. Ainda essa semana escutei de uma jovem que gostaria de ter ido, quando criancinha ainda, para uma creche - para se sociabilizar, acha que é muito tímida. Que loucura, mas tem disso. Os valores mudaram muito. Os sentimentos mudaram. E depois veio o feminismo cuja mãe era ausente, trabalhava o dia inteiro e os filhos nas creches. Alguma coisa tinha de decair nessa educação. E patologias estão por aí espalhadas. Não mando contra nada, a evolução dos tempos temos de aceitar, mas se fosse tudo com tempo e mais moderação nas ligações, o mundo globalizado não estaria tão carente e com populações tão doentes.
    Beijo, uma boa semana, Humberto!

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  2. Estamos em sintonia, Taís. E então, o seu comentário, denota uma capacidade discernente ímpar. Apreciei, sobremaneira, a referência à revolução dos costumes, encetada nos anos de 19(60) pelo movimento Hippy.
    Um beijo.

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  3. He leído a medias la nota sobre la película "El fin de la inocencia"

    Te sugiero que pongas en tu blog el traductor de Bloger, ya que muchos de tus términos no los lograba entender. Dentro de lo que leí, estoy de acuerdo que en el cine, muchas veces, se muestra lo peor del ser humano.

    Saludos.

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  4. Sé poco sobre computadoras; Solo lo básico. Para traducir, le sugiero que haga lo que yo hago, use el "Traductor de Google". Besos
    Agradezco la visita a mis escritos.

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  5. Não vi o filme, mas concordo em absoluto com o que diz no seu excelente texto. Aquilo que era negativo na sociedade em meados do século passado tem sido sucessivamente ampliado.
    Um bom fim de semana, caro Humberto.
    Abraço.

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    1. Com efeito, amigo Jaime. Só não vê quem não quer. Bom fim-de-semana.
      Abraço.

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