segunda-feira, 29 de junho de 2020

A COEXISTÊNCIA PACÍFICA






      O ser humano – qualquer ser humano – tem necessidade absoluta de sentir que vive uma existência pautada pela autenticidade, a saber, quando esta diz respeito ao próprio, sem desvios nem distorções, e, portanto, eivada de verdade e sinceridade autoral. Contudo, o quadro não estaria completo se, por acaso, faltasse uma outra componente indispensável ao comportamento humano saudável: trata-se da espontaneidade – qualidade que leva o sujeito a agir de forma natural e voluntária, isto é, de moto-próprio, em função dos seus interesses pessoais, mas sem prejuízo de ninguém. Por último, e para que a vida não deixe nunca de fazer sentido, importa que o indivíduo – que é um ser social – saiba assumir o seu papel criativo face aos demais, privilegiando atitudes, interacções, idiomatizações construtivas, edificantes, convenientemente diferenciadas e originais, sempre que se lhe deparem situações novas no devir do quotidiano.

            Não obstante tudo isto, é precisamente no dia-a-dia das comunidades que mais se constatam atropelos à liberdade do outro, devido à complexa teia de interesses em confronto, à total ignorância de referências éticas e morais, à recusa de reflexão sobre a realidade histórico-filosófica que constitui o entorno onde se plasmam tais sistemas de intersubjectividade relacional. Ora, a percepção que temos do outro é-nos dada não só pelas sensações imediatas, mas também pelo capital de aprendizagem que vamos acumulando ao longo da existência, sabendo ser e estar através dum constructo com referências atinentes ao espaço e ao tempo, onde caiba o sujeito (soma e espírito), capaz de se afirmar livremente, sem prescindir da legitimidade do seu próprio projecto de vida.

            Contra tudo e contra todos, cada vez mais difícil tem sido suportar os cantos de sereia que vão ecoando por todo o lado, a torto e a direito, sem dó nem piedade, e que vão transtornando as cabecinhas de quem dá mais importância  à alienação digital e às dependências várias, em detrimento dos livros, da leitura, da Escola – isso, com “E” maiúsculo –, do desporto, recorrente e racional quanto baste para ser salutar, das conversas mental e afectivamente revitalizadores, claro, frente-a frente, face-a-face (vade retro, on-line), dos serões em família, para que os filhos possam ser merecidos e saibam aprender a merecer os pais.

            Claro, tudo isto tem a ver com as relações humanas, mas não caiam no absurdo e no ridículo de esgrimirem lutas balofas, espectacularmente decadentes, esquizofrénicas, onde tudo se confunde para melhor confundir os incautos, utilizando a lixiviação da palavra escrita, banindo-a, simplesmente, abastardando-a, mutilando-a ou negando-lhe a sua própria história, a sua etimologia, como se tudo fosse à vontade do freguês bacoco e ignorantão. Sim, a referência é, também, àquela empresa francesa que deixou de escrever nos seus produtos de limpeza a palavra “branquear”, para não ser vista como racista (?!!!). Acham que deva eliminar a palavra “claro”, no início deste parágrafo?!


Imagem do Google

3 comentários:

  1. Desconhecia o facto dessa empresa francesa.
    Ridiculo
    Boa semana

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  2. Clarear, branquear, o céu está escurecendo...pois é, Humberto, tenho visto tantos absurdos, coisas tão bobas em que uma parte da sociedade sem nada para fazer de verdadeiro, de palpável começam ver coisas onde não existem. Colocam preconceito em tudo, e onde não existe. Há milhões de pessoas que não dizem uma palavra e seus corações estão cheios de negativismo e sentimentos racistas. Tá difícil de entender isso. A palavra claro não incomoda ninguém e nem coisa nenhuma. O que incomoda são as atitudes e as intenções, não dá para colocar tudo no mesmo saco.
    Gostei de ler!
    Uma ótima semana
    bjus

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  3. A qualidade das relações humanas são, afinal, um dos bons indicadores que definem a sociedade. E espontaneidade é coisa que não abunda no comportamento humano, a qual quase só se manifesta nas crianças.
    Cá para mim, a empresa francesa retirou a palavra "branquear" com medo que alguém utilizasse o seu produto nos capitais... eheheh... que é crime...
    Excelente crónica, gostei muito da abordagem.
    Bom fim de semana, caro Humberto.
    Abraço.

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