Por estes dias, tivemos ocasião de ler o livro de poesia – “Grinalda de Flores de Estevas”, assinado pela poetisa Otília de Azevedo. Está(va)mos na última semana do mês de Setembro de 2021.
A obra foi dada à estampa nesse mesmo ano, e preenche 119 páginas de pura inspiração, pautada, esta, pelas reminiscências matriciais primevas, indelevelmente ligadas às origens da autora – a terra (Pinhão) e a mãe... E aqui recordámos a extraordinária pintura de Gustave Courbert, de 1866, “A Origem do Mundo”: a terra-mãe e a mãe-terra-semeada, capaz de passar o testemunho no âmbito da maratona da vida, pelo que a “daughter” de Otília é também, nestas páginas, evocação sentida.
Em poesia, não importa o sentido das palavras, mas antes o sentido das coisas. Por isso, o conceito se torna abstracção e o signo é arbítrio, distendendo-se a sua virtual ligação entre significante e significado. Assiste-se à flutuação dos referenciais conceptualizados em representações mentais furtivas, mas prenhes de contingência significativa, onde a coisa é transcendência, na apreensão da coisa mesma.
Nesta sua “Grinalda...”, Otília de Azevedo patenteia o seu realismo sofrido, bem longe de formalismos factuais, porque perora no sentido semiológico que busca assumir-se enquanto sistema essencial. E é neste quadro que a poetisa consegue ver metamorfoseada e renovada a possibilidade de elaboração do desejo inconsciente, onde o seu mito individual é passível de harmonização com o regresso ao mecanismo repetitivo dos lugares inelutavelmente desfigurados de ausência, mas de memória (nostálgica) intocável; aqui, o desejo desliza metonímico, condensando em metáfora o sintoma.
Contudo, não se iluda o leitor: a desordem dos signos é meramente aparente, porque reflecte a já aludida ordem essencial, ainda que a tentativa de se acomodar a uma infra-significação, a um estado pré-semiológico possa “subverter” a própria linguagem, remetendo a poesia para o equivalente fluido (Pink Floyd ou o aprisionado Augural*) do silêncio, sensível, sem limites nem barreiras. É assim a aparente liberdade poética, sempre consubstanciada ao universo inconsciente, imaginário e simbólico de cada autor.
Gostámos muito desta “Grinalda de Flores de Estevas”, de Otília de Azevedo, e por isso cumprimentamos a autora, brindando-a com esta apreciação que acabámos de publicar no nosso Blogue.
Nota: *Ousámos rebaptizar o Douro lodacento – rio de todos os augúrios, arremedos e pantominas.
Em Setembro de 2021 – (MBS)
Imagem do Google
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