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A primeira parte do presente escrito leva-nos a reflectir sobre o
terrível fenómeno que afecta as famílias em processo de divórcio, quando se
trata de decidir, por quem de direito, a custódia dos filhos menores.
Posteriormente, os envolvidos não conseguem furtar-se aos atritos e traumas que
se geram, na tentativa (consciente ou inconsciente) de dificultar ao outro progenitor a
observância dos seus direitos parentais, através da manipulação abusiva das
crianças. Os especialistas atribuíram a toda esta problemática (de contornos
tão candentes quanto doentios) a designação de “Síndroma de Alienação
Parental”. Vamos, então, enquadrar o conceito!
Nos dias de hoje, e na
sociedade ocidental, mesmo tendo em conta o facto de a família já não ser o que
era, devido à descaracterização e alteração das formas tradicionais de vida
(onde se inclui a desfiguração do mercado de trabalho, a alteração das crenças
e dos valores, e o esvaziamento do sentido relacional profundo e genuíno), que
têm determinado uma diversificada e diferenciada arquitectura dos afectos,
sexualizados ou não, as crianças continuam a nascer, maioritariamente, através
do processo procriativo e natural de sempre. Melhor ou pior preparada, mais ou
menos amadurecida, segura ou insegura, livre ou condicionada, autónoma ou
tutelada, há muito boa gente que continua a se casar, porque ama ou julga ter
encontrado o amor, porque acha que pode criar um ou dois filhos, porque, enfim,
continua a alimentar a evidência da vida e a acreditar na realidade da mesma.
As dificuldades, no
entanto, multiplicam-se, não só pelo que atrás fica dito, mas também devido à
diminuição da resistência à assunção da palavra dada, que o espírito de
sacrifício de outros tempos temperava; ou tendo em conta ainda a reacção
saudável dos casais de hoje, ao invés dos de ontem, a um certo tipo de
conjugalidade patogénica e estratificadora, onde quer que possa imperar o
sado-masoquismo mais desconcertante e aviltante; também porque as novas
tecnologias de informação e comunicação, a omnipresente “aldeia global”,
como lhe chamou Marshall McLuhan, o acicate esplendoroso da sociedade do
espectáculo, tal como a define Guy Debord, têm conseguido desvirtuar o
papel de autencidade actuante, afectiva, solidária, social e altruísta das
pessoas, levando-as a egoísmos narcisistas e redutores que vão engrossando a
bola de neve do descalabro e da alienação sociais. Contudo, é necessário que
haja coerência!
É que a teia familiar
e social deve ser urdida paulatinamente por meio de dependências consentidas,
mas saudáveis e apropriadas. R. A. Spitz (1965) designa de “sorriso
inicial”, essa extraordinária forma de comunicação que o bebé opera
mesmo antes dos três meses – ele que ainda é apenas, nesta fase da sua vida, o
corpo da mãe. Trata-se de um convite dirigido ao outro e que visa a criação de
laços afectivos, absolutamente índispensáveis à elaboração dos processos
cognitivo-afectivos que estão na base dos processos simbólicos, da
auto-consciência (proto-consciência) e da socialização primária.
E por aí adiante,
sempre tendo em conta o superior interesse da criança, para que esta se possa
desenvolver sem grandes precalços nem sobressaltos, através da construção de
uma personalidade de pertença, afirmação e inserção na família e no seio da
comunidade dos homens de boa vontade. Para que seja possível responder aos
desafios e contratempos da vida, progressivamente, recorrendo às competências
adquiridas a tempo e horas, em meio familiar, escolar e social, a par da
construção de uma identidade coesa, alicerçada na individuação e na
diferenciação, pedras basilares de uma
autonomia saudável, livre, madura, equilibrada, emancipada e independente.
Mas, eis que a família
se estilhaça (e é aí que começa o desconchavo). No horizonte das soluções surge
o divórcio, ao qual se atrela todo um cortejo de disfunções comportamentais por
parte dos cônjuges desavindos; antes, durante e depois do processo verificam-se
transmutações da carga energética pulsional (prazer ou desprazer) ligadas às
representações de cada um dos membros em litígio, sobrevindo então atitudes
patéticas e projectivas (evacuativas), recusa de diálogo, vinganças
inconfessáveis, histerias indizíveis, manipulações deploráveis, acusações
cobardes, difamações, injúrias e calúnias, a tingir de tragédia o que poderia
ser uma simples separação por comum-acordo, mas, pior do que isso, a toldar de
drama de consequências imprevisíveis para as crianças ou adolescentes em
“disputa” (quando os há), todo o quadro que envolve o concomitante processo de
atribuição da custódia do(s) filho(s), e todo o inferno subsequente.
A situação a que se
acaba de aludir aponta para uma nova dimensão afectiva da vida familiar,
caracterizada, ao nível do funcionamento psíquico, pela necessidade
subjectivada de agredir o outro ignorando os filhos ou, até mesmo, recorrendo à
sua instrumentalização como arma de arremeço, moldando, formatando, modelando,
chantageando, manipulando a sua personalidade para que abominem o outro progenitor,
para que o vínculo afectivo seja quebrado. Mais do que um desconhecido, a breve
trecho, o pai ou a mãe que perde a custódia do filho em disputa, passa a ser
visto(a) como uma criatura perigosa, pela força coerciva da mentalização
doentia, delirante do outro.
Em acção encontram-se os afectos de aversão
(Adler); o ódio e a agressão [(“O Reverso do Princípio do
Prazer”), de Freud (1920)] e, de J. Breuer e S. Freud
[(“Estudos sobre a Histeria”), (1893)]. Entre 1969 e 1980, John
Bowlby debruçar-se-ia também sobre a temática dos afectos, tendo concluído
que as crianças se ligam emocionalmente aos seus progenitores ou cuidadores (“the attachment theory”); esta visão do problema é corroborada
também por Carlos Amaral Dias (1988), considerando ambos que, uma vez
quebrados os vínculos, por afastamento das crianças, precoce,
acidental ou abruptamente, as mesmas são invadidas pela angústia e pela
ansiedade. Por sua vez, J. Simpson (1990) refere estes acidentes de
percurso, este tipo de afecção de afectos, como nós lhe chamámos, como
potenciais causadores de menor esperança de vida e de comprometimento
reprodutivo. Mas há mais, muito mais, por isso voltaremos ao assunto.
Em
conclusão, importa deixar bem claro a importância imprescindível de dotar os
tribunais de família de equipas multidisciplinares (psicanalistas,
pedopsiquiatras, assistentes sociais, psicólogos e terapeutas), para que evitem
que os juízes laborem em erro, problematizando ainda mais, através das suas
decisões pouco avisadas (quando tal, alegadamente acontece), a situação e a
vida, quer das crianças, quer dos progenitores atingidos, vitimizados,
destroçados pela alienação parental.
Nota: Artigo reeditado, a pedido.
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