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Vivemos,
hoje, na Europa, em países – uns mais, outros menos – elaboradamente democráticos;
preocupadamente sociais; economicamente racionais e contidos... Enfim,
arduamente civilizados. Mas, como tudo isto contrasta com o resto do mundo,
temos sido, de forma progressiva – ou melhor: galopante –, nos mais recentes
anos, objecto do desejo – não sei se obnubilado, se indefinido; se desesperado,
se de sobrevivência, dos povos e das gentes que, em outras paragens
próximas/distantes se vão agarrando a um certo imaginário simbólico
inconsciente, representado pelo nosso continente, face à rudeza brutal e
sanguinária de facções que nas suas terras os perseguem, torturam, escravizam e
matam. Assim vai o mundo!
Trata-se, portanto, não da cultura
da liberdade e do amor; da tolerância e da fraternidade; da solidariedade e do
altruísmo; mas antes, isso sim: do ódio activamente persecutório; do sadismo
mais abjecto; da intolerância mais sinistramente destruidora. Será que é este o
preço que temos de pagar por, ao contrário dos restantes animais, sermos
capazes de contrariar os instintos e optar pela racionalidade que a linguagem
viria a potenciar ainda mais?! Estranho paradoxo, este, não acham?... ...
Ou talvez não! Freud
(1856-1939),
quando discerne sobre a Metapsicologia,
refere que o ódio, o sadismo e a agressividade estão na
génese do instinto de conservação e afirmação
do ser humano.
Viktor Frankl (1905-1997) é
um conhecido psicanalista que, por ser judeu (austríaco), sofreu na carne, em
1942/43, com a demais família, a violência nazi, em Theresienstadt e, em 1944,
em Auschwitz, tendo sobrevivido ao Holocausto, apenas ele e a irmã Stella.
Retirou daí ilações, e desenvolveu a teoria do impulso vital do indivíduo para
a criação de um sentido para prosseguir a vida, mesmo face à mais negra
adversidade. Curiosamente, experimentámos este mesmo sentimento emocional, nos
idos de 1972 e 1973, na mata cerrada dos recônditos Dembos (Angola), em
contexto de guerrilha.
Concordamos com Viktor Frankl neste
particular, mas não acompanhamos o seu raciocínio quando este cientista afirma
que nos nossos dias a sociedade já não é sexualmente frustrada (afecção
disruptiva de afectos), ao invés do que defendeu Freud (1856-1930); ou
que, conforme sustentava Adler (1870-1937), já não existe o sentimento de
inferioridade, por parte das pessoas... Que bom que seria, se assim fosse! A
que se deve, então, o tráfico humano e a escravatura sexual nos dias que
correm? E as constantes violações? E a violência doméstica? E a alienação
parental? E o “bullying” nas escolas e nas empresas? Em todas estas e
outras situações, em qualquer continente ou sociedade, e, quer por força da
frustração sexual, quer ainda devido ao sentimento de inferioridade (disfunção
identitária que pode promover o abuso de poder, por exemplo), quer tendo em conta
o vazio existencial e a falta de sentido na vida – são tudo realidades
sistémicas e parasitárias –, existem milhões de pessoas que sofrem diariamente.
A neurose atrai a neurose. A psicose pode matar ou suicidar. É que só o amor é
libertador, como pregou São Paulo aos Coríntios.
Todavia, devido à tensão brutal a
que estão sujeitas as pessoas, tendo em conta a organização da sociedade,
nomeadamente no que respeita à indução familiar e educativa e aos posteriores
condicionamentos dos adolescentes e jovens (Robert Ollendorff), leia-se
repressão (sexual), frustração e neurose – estas radicam no borbulhar larval do
desejo recalcado –, continua a fazer sentido a tese de Freud e de Adler
(e a de Frankl, também), uma vez que a estrutura social, política,
económica e empresarial se assemelha a um tenebroso espartilho, redutor e
castrante da energia dos impulsos.
Freud refere esta força, esta
tonacidade anímica genérica, como a “catexe” que ocupa o conteúdo
psíquico, cujo aumento do desejo desencadeia a repressão e a proximidade do
inconsciente; quando esta energia se torna mais forte ainda e incide sobre
certas pessoas ou objectos – “catexe do objecto”, pode determinar identificação
(ambivalente, embora) com aqueles. É curioso notar que Adler tenha
optado por designar o mesmíssimo fenómeno por fixação, e Jung (1875-1961) lhe tenha dado o nome de obsessão. Na prática, trata-se de mecanismos
esquizóides (Melanie Klein [1882-1960]), cuja exacerbação redunda em
anomalias psíquicas, estados obsessivos, caprichos e ideias fixas que
degeneram em psicoses. Infere-se daqui que a força primária do desejo
ignora o tempo e a realidade exterior, porque quanto mais potenciada é, mais
facilmente é captada pelo inconsciente.
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