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Nos tempos que vão
correndo, e ao contrário do que se possa levianamente pensar,
as sociedades ditas civilizadas, globais, vão alimentando, de
forma automatizada, robótica, mimética e seguidista,
anestesiada e dormente, uma espécie de cultura hipnóide,
que tem petrificado as relações sociais, no âmbito
de uma intersubjectidade cada vez mais descaracterizada e autofágica.
Por cultura, entendemos
o enriquecimento cognitivo, logo, intelectual, e a consequente,
pertinente e legítima prática social das competências
adquiridas através desse processo; por cultura percepcionamos
ainda a genuína autenticidade dos valores, costumes e
património artístico que as comunidades do passado nos
legaram; a nossa sensibilidade cultural abarca também os
vários códigos, padrões, crenças,
assunções, institutos e criações de
pertença, identidade e afirmação da nossa vida
pessoal e social no seio do tecido comunitário.
Por hipnóide,
julgamos tratar-se de um estado de dormência que afrouxa,
diminui ou elimina a capacidade cenestésica do indivíduo,
obscurece o ritmo dos processos intelectuais e obnubila a
consciência. A cultura, portanto, implica uma prática
quotidiana absolutamente esclarecida e cristalina, muito longe de
qualquer influência hipnóide. No entanto, o que se passa
é precisamente o contrário.
Fernando
Pessoa (1888-1935), nos seus escritos filosóficos, escreveu que (citação
de memória) foi a dinâmica da colectividade a recorrer,
através da democracia, à coesão social pelo voto
maioritário, depois de ter sido gorada a coesão por
instinto; ou seja, a democracia surge então como uma espécie
de artifício, de habilidade, de combinação sagaz
para fazer face à iminente barbárie. Mas não
chega. A democracia tem de se reinventar, para que o Estado deixe de
ser paternalista e narcotizante, a reboque da espectacularidade-
circular-autofágica da estafada sociedade de consumo, “passiva
e pardacenta” – na
terminologia de Pessoa.
Com a globalização,
a ditadura dos mercados, a uniformização dos
comportamentos atitudinais, a padronização das
tendências, os esteriótipos, as necessidades
artificializadas, as novas tecnologias de informação e
comunicação, geradoras, estas, dos mais terríveis
delírios alucinatórios, pacificamente aceites e cada
vez mais potenciados, através da ilusão
descontextualizada, mas, em tempo-real, da ubiquidade, da
omnipotência e da omnisciência, a cultura hipnóide
e, quiçá, paranóide, geradora do pensamento
único e formatado, tem vindo a avançar, de forma viral,
tudo minando e contaminando, ante a impotência do próprio
estado que, contra todas as expectativas e probabilidades se declara
seu adepto.
Encontramo-nos perante
um desolador quadro de dessimbolização, o que configura
um evidente retrocesso civilizacional, de clara alienação,
já que os indivíduos cada vez escrevem pior, vão
lendo menos ou mesmo nada (literatura consensual), comunicam de forma
pobremente sígnica e interjeccional, isto é, afastam-se
cada vez mais do outro, isolam-se sem se darem conta, deixando assim
de viver, de compreender o seu papel existencial e de perceber o que
querem para a sua própria vida.
Resta-nos, ainda assim,
lutar contra a cultura hipnóide e apostar nos núcleos
de cultura-genuína-resistente, existentes em certos nichos
regeneradores-sustentáveis, por enquanto latentes mas
promissores, restauradores da nossa identidade cultural, a vários
níveis, aguardando apenas quem os manuseie e promova com
verdade e honestidade, como forma de contrariar a desagregação
e o caos social, quer em Portugal, quer no resto do mundo.
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