segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O ALUNO "X"

Imagem do Google


        Devemos a Jean Piaget (1896-1980) muito do que hoje conhecemos sobre o desenvolvimento mental da criança: na sua actividade própria de sujeito, a criança vai incorporando as pessoas e as coisas em seu redor. Até aos dois anos, e através dos reflexos, da organização das percepções e hábitos e da inteligência sensório-motora, a criança estrutura e aperfeiçoa a sua mente; constrói ainda as categorias de objecto e de espaço, causalidade e tempo; do pensamento sensório-motor ao lógico, do jogo simbólico à interiorização da reversibilidade e da reciprocidade, estas depois dos sete anos, a criança cresce, desenvolve-se, caso exista amadurecimento e consolidação de cada uma das fases anteriormente vivenciadas.

        Piaget refere três, por excelência: a fase da actividade sensório-motora, a da actividade representativa egocêntrica e a da actividade operacional. É tempo, agora, de recordar o aluno X e um relatório que elaborámos para o mesmo, para efeitos de acompanhamento especial que não lhe seria concedido. Contradições da massificação do ensino. Rezava assim o documento:

      O aluno “X” enferma de um acentuado défice cognitivo, que radica na débil e apagada ambiência domiciliária, onde pontifica, apenas, de forma esbatida e penúmbrica, a figura parental do avô reformado, e da avó analfabeta.Tal como nos contos tradicionais infantis, dos pais ninguém fala. O suporte económico da família é a magra reforma do avô. Avolumam-se as carências e são escassos os estímulos.

     O aluno X ficou já retido no 2.º ano de escolaridade, uma vez. Transitou no ano anterior, em nome de uma estratégia pedagógica de incentivo, que visou envolver a criança num clima de confiança e de total aceitação, sem estigmas nem preconceitos.

     As dificuldades, no entanto, são de tal ordem, numa linha de incapacidade de racionalização (memorização, relativização e inferição) das matérias mais elementares ministradas que, chegamos a suspeitar de problemas muito mais sérios… obviamente, não vamos aqui defini-los.

   O aluno X lê com alguma desenvoltura, mas fá-lo mecanicamente. Não interpreta, ou fá-lo deficiente e incompletamente. Não redige; copia com inúmeros erros e, gramaticalmente, não aferiu nada.

      O aluno X regista alguns rudimentos de Matemática ao nível do 2.º ano de escolaridade, mas esquece com o passar do tempo. O mesmo se verifica com o Estudo do Meio.


   Nesta conformidade, torna-se urgente garantir a esta criança apoio especializado e, conforme temos vindo a aconselhar desde o 1.º ano de escolaridade, o aluno X deverá ser objecto de acompanhamento neuro-pedopsiquiátrico. Tal não aconteceu... Contradições da massificação do ensino.

1 comentário:

  1. Meu querido
    A tutela não imagina o que se passa e julga tudo pela sua vivência, que não tem nada a ver com o comum dia a dia de Portugal.
    Esperemos dias melhores.
    Talvez o teu artigo seja lido por alguém influente que, pelo menos, tenha a curiosidade de vir ver o que se passa. Quem sabe?!
    Gostei muito do texto que reflecte uma realidade vivida/sofrida pelos professores há muitos anos.
    Um beijinho
    Mana

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