"(...) Uma
hora depois, o pai, a um tempo irritado, intrigado e preocupado,
meteu pés ao caminho na direcção da casa da irmã
Albertina. Estupefacto, avistou a filha junto do pequeno ribeiro da aldeia, com
os pés metidos na água:
--
Estás maluca, rapariga?! O que é que estás aí
a fazer?! Então, os ovos?!
Agripina
estremeceu, mas não perdeu a face:
--
Estou a lavar os pés, meu pai; calquei merda de cão!
--
Essa agora, e então não sujaste as sandálias?!!!
--
Não, senhor, porque já as trazia na mão;
estavam-me a apertar nos calcanhares.
--
Vamos aos ovos, rápido. Estás cada vez pior. No próximo
Domingo vamos ter de conversar com o Padre Alípio... os dois,
ouviste?
Já
com os ovos comprados, pai e filha voltam para casa e, devido ao
adiantado da hora, limitam-se a comer uma sanduíche de presunto e a
beber um copo de maduro branco. Aquilo não tinha jeito nenhum
de almoço de Domingo, mas foi o castigo da menina, por andar
com a cabeça no ar. E que fosse rapidamente para a cozinha,
acender o forno, que o pão-de-ló tinha de ser feito. Na
alma de Agripina, no âmbito deste terrível conflito
familiar, agravava-se o mal-estar interior, a tensão nervosa e
a ansiedade.
Para
o ignorantão do pai, toda esta instabilidade, esta
sensibilidade exagerada de que a filha parecia enfermar,
resolver-se-ia com a simples bênção do Padre Alípio.
Ainda para mais agora, que a catraia tinha dado um salto brusco no
seu crescimento e começava a ficar redondita de formas como a
falecida Alzira. “Que Deus
nos valha e guarde”! “E
tenho de falar com a minha irmã também; às
tantas o Padre não entende nada destas trapalhadas da vida;
mas que grande porra!...” (...)"
In "As Cores da Alma", 2014, Manuel Bragança dos Santos. https://www.amazon.com/Cores-Portuguese-Manuel-Bragan%C3%A7a-Santos-ebook/dp/B07D9515RC
Nota: Imagem do Google
Lindo demais e fica como aperitivo para mais e mais ler! abraços, ótimo dia! chica
ResponderEliminarMuito bom, este texto. Obrigada ela partilha :))
ResponderEliminarHoje:- Sinto que nas nuvens estão ausentes |Poetizando e Encantando|
Bjos
Votos dum óptimo Domingo.
Lindo texto! E o ribeiro
ResponderEliminarTem a água limpa - divina!
Os pezinhos da menina
Transforma o rio em luzeiro
Qual farol ao marinheiro
Perdido em plena neblina.
É que Deus deu a ela a sina
De ensinar o pai, de inteiro
Alheamento à ciência
Do que seja adolescência
Quando a alma cede à chama
Do amor que tem ardência
Que só água é inclemência
Ao fogo, para quem ama!
Grande abraço! Laerte.
rss bem assim antigamente no interior, os padres, que nada sabiam de família, de adolescentes, de vida matrimonial, de educação de filhos eram, no entanto, o 'diretor espiritual das famílias'. Nas cidades grandes também eram meio metidos. Refleti esse belo texto por esse lado. Coisa que chamava muito a atenção.
ResponderEliminarUma ótima semana,
bjs
Gosto da sua forma de narrar. Fica-se com vontade de ler mais…
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
É realmente um prazer ler o que escreve, seja qual for o tema , agarra-nos e queremos ler mais.
ResponderEliminarTem uma sensibilidade incomum que me toca e não me canso de agradecer a forma subtil como interpreta o que escrevo.
Um abraço.
Se assim pretenderem, podem clicar em https://www.amazon.com/Cores-Portuguese-Manuel-Bragan%C3%A7a-Santos-ebook/dp/B07D9515RC
ResponderEliminare terão oportunidade de ler "As Notas Conceptuais Prévias e o 1.º Capítulo deste romance, sem nenhum dispêndio.
Algumas palavras se assemelham ao nosso portugues.
ResponderEliminarhttp://juliamodelodemodelo.blogspot.com
Gosto da forma como escreve e descreve os acontecimentos. Não se escreve assim por acaso, acrescentarei. Tem o autor, o Manuel, uma elevada cultura académica, aliada às vivências, suas ou de outros da sua geração, mas que deixaram, inevitavelmente, marcas na sua escrita e talvez, arrisco-me a dizer, no seu caráter.
ResponderEliminarA crendice gerava e ainda hoje gera ignorância, tacanhez e obsessão ("a religião é o ópio do povo", afirmou Marx com toda a propriedade, em minha opinião), mas espero que atualmente já não existam pais tão rudes, nem Agripinas, tão dóceis e "obedientes", como as k referiu no seu texto, ah, e padres tão "santos"-rs.
Beijo e boa semana.
Olá
ResponderEliminarQue belo «aperitivo»! Obrigada.
Assim que acabar de ler «O sortilégio da vida», quero comprar este livro. Fiquei curiosa!
Um beijinho
Mana