quinta-feira, 18 de julho de 2013

DA VERDADE E DA MENTIRA

      Relia há dias um pequeno texto da autoria de Frederico Nietzsche (1844-1900), intitulado “Acerca da Verdade e da Mentira (...)”, quando dei por mim a pensar o quão interessante, na verdade, se apresentava o ponto de vista da abordagem da matéria em apreço, por parte do filófofo alemão, quer em termos de forma, quer na sua vertente substancial, mormente no que dizia respeito a todo o conjunto de verdades adquiridas como tal, sem que o homem se interrogue até que ponto tais “verdades”, não serão mais do que outras tantas mentiras.

      O homem, esse ser social, provido de uma complexa rede neuronal onde se operam, através dos neuro-tramsmissores, importantes descargas eléctricas capazes de activar o intelecto, está convencido que é o centro do universo e age a partir de um descabelado narcisismo diletante e presunçoso que o leva a supor que a leitura que faz do real envolvente é a única plausível, até porque lhe convém alimentar o culto de uma espécie de uniformização da apreensão da realidade, no âmbito de um relativo empirismo vivencial, não só de per si, mas também na comunicação de homem para homem em sociedade, em todas as direcções da “verdade”.

      E para que seja possível viver em paz, pensando e comunicando, a comunidade dos homens, no dizer de Nietzsche, para além de muitos outros códigos de referência, adoptou e desenvolveu, ao longo dos milénios, esse código fabuloso da linguagem, ou então de uma mera actividade simbólica (teologia), constituindo a linguagem um imenso e cada vez mais desenvolvido emaranhado de mentiras, inconscientemente usadas como verdades, e aceites (estas) como tal, numa contínua porfia repleta de metáforas, metonímias, hipérboles e outras figuras de estilo, que emprestam brilho, dimensão e sentido à composição sintagmática da frase onde pontificam signos absolutamente arbitrários, de cujos significados se estabeleceu um balanço considerável, em função da imagem objectal variável, passível de encaixar nesse mesmo âmbito significante 1).

      Sendo assim, o signo, que é a essência da mentira, re-presenta apenas o objecto ausente, estabelecendo uma relação convencional, estipulada, configurando um contrato entre o objecto material representado e a forma gráfica ou fónica representante; mas isto varia de língua para língua, como é sabido – a porta portuguesa é a door inglesa, o que torna a verdade de cada escrita e de cada língua absolutamente multiforme, sem deixar de ser ainda tautológica e heteróclita. Nietzsche notou isto de forma clara e disse-o no seu texto filosófico, tendo afirmado ainda que todos laboramos na mentira, embora vivamos a ilusão de uma verdade definida, porque se apresta, sem tibiezas, a verter imagens em conceitos, que interpreta e representa, de forma pacífica e consensual, através dos signos previamente adoptados.

      Vem a propósito recordar aqui e agora, uma afirmação de Karl Jaspers (grande filósofo e pensador do século XX), que diz que ”tudo o que adquire definição e portanto finitude através da linguagem e da objectividade perde o direito exclusivo à realidade e à verdade”. E Jaspers, na sequência do pensamento anterior, fala até no niilismo que representa a perda do absoluto das coisas e a teoria do conhecimento objectivo.

      No entanto, que seria do homem se não comunicasse? Sofreria, por certo, até porque nós só somos alguém com o outro, sozinhos nada somos; logo a comunicação é essencial, de existência para existência e, voltando de novo a Jaspers: “na comunicação se consuma toda a outra verdade, só nela sou eu próprio, não só vivendo, mas cumprindo a vida”.



Nota 1) o signo mesa, por exemplo, exprime uma espécie de síntese conceptual, inerente às característes genéricas do objecto; isto é, quando escutamos a sua imagem acústica, não estamos a pensar se se trata de uma mesa redonda ou quadrada, de pé de galo ou de quatro pernas, e, na nossa mente, ainda assim se faz luz.

1 comentário:

  1. Querido Zé
    Considerações sobre a verdade e a mentira , baseadas em filósofos que se debruçaram , intrigados por este tema.
    Eu, que sou mais terra à terra, diria que mentira é, segundo uns, afirmação contrária à verdade; e verdade,também segundo uns, conformidade entre o pensamento ou a sua expressão e o objecto do pensamento.
    Para Sócrates(filósofo, nada de confusões)a verdade é talvez a sabedoria humana.
    Platão acha que «Verdadeiro é o discurso que diz como as coisas são e falso o que diz como elas não são».E eu acrescento:elementar!
    Já sobre a mentira, os filósofos Immanuel Kant Benjamim Constant e Schopenhauer têm opiniões diferentes quando se trata de ó direito de mentir(!!!!!)
    E, sem pesquisar e reflectir longamente, nada mais direi,pois se acho normal uma criança dizer que chegou atrasada, porque teve de voltar para trás, devido a ter-se esquecido de algo e o faz para «compor a vida» e não se sujeitar a um castigo,já arrogar-se o direito de mentir é algo que me escandaliza.
    Parabéns pelo teu artigo, que me colocou imensas questões, tanto mais que algumas afirmações que me melindraram partiram de pensadores afamados.
    Obrigada por me proporcionares momentos de reflexão.
    Um beijinho
    Mana

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