Concluí
a leitura do primeiro romance, escrito por Sandra Neves – Homicídio
na Câmara Municipal. A obra, de trezentas e poucas páginas,
consegue prender o leitor, através da narrativa cuidada,
dinâmica, assertiva. O texto referencial, cuja temporalidade
representada aponta para a engenhosa definição
significativa da personagem Gérard Dépard, enquanto
suporte de todo o desenrolar da intriga, numa organização
literária com carácter transformador, impõe-se
pela articulação comedida entre os aspectos descritivos
e narrativos.
Sandra
Neves consegue aportar-nos, na agitação útil do
sintagma, o prazer do seu próprio discurso, na “inteligência,
mental e cúmplice, da sintaxe”, recordando, aqui e agora,
Roland Barthes. E chama-nos à razão, no âmbito da
sua explanação teórica e conceptual, para as
representações mentais inerentes a um certo contexto
histórico e ideológico situado entre os anos de 2034 e
2038, numa habilidosa antevisão (prolepse) dos factos
ficcionados.
Em
toda a obra perpassa um discurso trepidante, agradável, cuja
narrativa, por isso mesmo, se encontra imbuída do ritmo
necessário, indispensável à arte de contar. No
caso concreto do “Homicídio” que tenho em mãos,
esse ritmo chega, por vezes, a expressar uma notável
intensidade dramática, plasmada no enunciado discursivo, como
o são os exemplos das passagens relativas ao assassinato de
Alexandre Sem-Medo, às conversas com Gérard, ao gáudio
psicopata de André, ou aos homicídios deliberados
ocorridos no Aeroporto Francisco Sá Carneiro.
Este
primeiro livro de Sandra Neves tem o mérito duplo de, por um
lado, ser o primeiro e, por outro lado, ter conseguido veicular uma
mensagem urgente de alerta, face à corrupção que
grassa no rectângulo e que, infelizmente, poderá estar
para durar; paralelamente, a história e a narração
da mesma, só nos chegam por meio da narrativa da autora, uma
vez que só é possível que tal aconteça no
âmbito da transmissão dessa mesma mensagem. É que
o discurso só é narrativo se viver de uma espécie
de interacção com a história que conta,
obviamente, sem esquecer as nuances entre o tempo da história
e o do discurso; a forma como o narrador interpreta a história
e, por último, o tipo de discurso a que lança mão
o narrador.
Neste
livro, chamo uma vez mais a atenção para a
temporalidade da narrativa. Desta feita, depois de Gérard ter
sido “convidado” a partir para Angola: ela é,
sequencialmente, dual, isto é, a um tempo, significado e
significante, emergindo daí realidades diferidas que
transmigram um tempo num outro tempo, numa elaboração
estética refrescante. Evidentemente que a história
apresenta, logo de início, uma antecipação
histórica, bem fundamentada (analepse), estruturando-se em
várias relações temporais dinâmicas, de
cariz possível, ao longo de toda a diegese. Analepses e
prolepses são, como é sabido, contrabalançadas
pela anacronia que se lhes interpõe...
Um
outro aspecto curioso, prende-se com a postura omnisciente da autora,
enquanto narradora ausente como personagem da acção,
não deixando de ser analítica do ponto de vista
interior e, de uma perspectiva meramente exterior, assume-se como uma
muito atenta observadora, na óptica da sua exegese.
E,
como este olhar já vai longo, direi apenas, para terminar, que
Leonor apura, no final da história, o comportamento ancestral
da mulher/mãe (matriarca), de que nos fala Jung, assumindo,
por força da sua dignidade de género, o tabu da
sua gravidez – e, aqui, reporto-me, também, ao conceito
Junguiano de tabu – ,
quando ele refere o segredo incondicional, enquanto meio primitivo de
fuga ao perigo... do psiquismo colectivo.
Parabéns,
Sandra! Um abraço do Manuel Bragança dos Santos.
Sem dúvida que por tudo o que descreve será um livro a não perder. Tudo o que nos transporte para uma ficção o mais possível "verosímil", possível cativa mais facilmente o leitor pela mera possibilidade "de".
ResponderEliminarAbraço Maranduva
Abraço, Túlia! Agradeço o comentário.
ResponderEliminarMeu querido
ResponderEliminarEsta tua apresentação,dá vontade de ler o livro.(A intenção deve ser essa!)
Não conheço a autora,mas há um outro detalhe que me desperta a curiosidade: o facto de a acção se passar daqui a 20 e tal anos.Será uma espécie de «policial»,de que tanto gosto? Mas há ainda um outro elemento com interesse: é a chamada de atenção para a corrupção.Quando acabará?!
Fico com a impressão de que dava para fazer um filme, a partir desta obra.
Espero que tenhas vivido um ótimo fim de semana,apesar do calor tórrido.
Beijinhos da
Mana