sexta-feira, 7 de junho de 2019

FILHOS DA MÃE... E DO PAI


Imagem do Google

PARTE I

   Ao longo das várias fases de desenvolvimento do psiquismo infantil, ocorrem choques pulsionais – vida/morte, amor/ódio, geradores de forte angústia. Numa primeira fase, dita “esquizo-paranóide” (Melanie Klein 1882–1960), estes medos (fantasmas) infantis, dirigidos à mãe (objecto), operam na criança, sérios efeitos modeladores.

   Sendo a criança, ainda, o corpo da mãe, e não podendo tolerar a angústia que a tolhe, projecta-a no corpo materno (identificação projectiva), tornado persecutor. Este, é fragmentado em maus ou bons “objectos parciais”, mas, sendo o corpo da criança indistinto do da mãe (objecto), o EU infantil fragmenta-se igualmente.

   Depois, na segunda fase - “depressiva” (Klein), já com o eu a caminho da individuação e o objecto unificado (diferenciação), ambos passam a ser sentidos (re-presentados), a um tempo, bons e maus. Aqui, a angústia de destruição não é dirigida ao objecto, mas gera culpabilidade, passando a estruturar a elaboração edipiana.

  Quando este processo transformador falha, sobrevem a psicose e a fixação regressiva no/ao estádio “esquizo-paranóide”, ainda segundo Melanie Klein. Quando assim é, manifestam-se, simultâneamente, os fantasmas delirantes, os pensamentos perturbados e perturbadores, os choques pulsionais, a desordem entre a elaboração do self da criança e da mãe, a debilidade do Eu.

PARTE II

   Sem a presença do pai (seja esta real, seja imaginária e simbólica) não há triangulação, crescimento mental ou família. Conforme Jacques Lacan (1901-1981), quando a criança entra na ordem da linguagem torna-se, na sua relação objectal, sujeito obstruído do desejo, devido ao interdito do Outro e do seu desejo; esse grande Outro (o-nome-do-pai), o detentor da palavra, do poder, irá conseguir, através da magia da palavra (da simbolização e da metáfora), que o sujeito se situe e seja sujeito de si próprio e do seu desejo.

   Antes da obstrução do desejo, o corpo da mãe (objectos parciais) é o objecto do desejo; imaginário, indeterminado, mas de significância polivalente. Caso o pai esteja, efectivamente, ausente, ou tenha uma presença omissa, inerte, neutra, amorfa, não ocorre o processo de metaforização, não se verifica a inscrição do nome-do-pai no significante – psicose, e, no lugar da significação fálica nada restará, devido ao rombo sofrido pelo significado – psicose). Mas, a mente da criança não vinga sem a magia do simbólico; a criança soçobra sob o peso da realidade pura e dura, isto é a volta do Outro não simbolizado ao real, em toda a sua brutal dimensão delirante e alucinatória, perceptível pelas cisões causadas na cadeia das significações.

   Desta maneira fica comprometido, ou mesmo gorado, o poder abrangente da simbolização e da comunicação intersubjectiva, esvaziando-se de sentido o reconhecimento social do outro e da sua situação circunstancial de lugar. Lacan chamou-lhe a foraclusão do Nome-do-pai, essa falha traduzida pela imperfeição e insuficiência do Outro. O sujeito (psicótico), remetido a si próprio e aos seus fantasmas, não consegue utilizar a ordem da linguagem, ao contrário do neurótico, por ter sido abolido (rejeitado) o primeiro significante (o primordial). Estruturando-se o insconsciente como uma linguagem, a dinâmica da metáfora (condensação) e da metonímia (deslocamento do desejo para dar forma à relação objectal) encontram-se coarctadas, desestruturadas, desordenadas.

   Nos dias que correm, nesta insensata e distorcida paramodernidade, a que se pode agarrar o pré-púbere e o adolescente? Tudo lhes foge, tudo se esfuma. A sociedade e a família sucumbiram. O grande Outro metamorfoseou-se no consumismo e no virtual. Hoje, não regula, instiga; não orienta, aliena; não individua, massifica; não satisfaz, enlouquece; não realiza, angustia; não constrói identidades, mas clivagens; insurge-se ruidosamente, mas não escuta. Insuficiente e deprimido, o sujeito precisa de se reinventar sistematicamente, (re)construindo, permanentemente, a sua identidade, no âmbito de responsabilidades sociais crescentes e de uma sempre renovada criatividade e iniciativa diferenciadora. Mas tudo isto exige um ambiente familiar de eleição e um Sistema Educativo capaz. É a pescadinha-de-rabo-na-boca.




5 comentários:

  1. A figura do pai é sempre primordial na vida dos filhos, uma ausência paterna pode trazer inúmeros danos psicológicos durante a sua formação bem como o aparecimento de comportamentos graves na idade adulta, quer psicológicos e até mesmo físicos. Não se pode esquecer o papel, também fundamental, que a mãe representa desde os primeiros momentos de vida e durante a sua evolução.

    Um tema muito interessante que mostra como a evolução dos tempos interfere no desenvolvimento do ser humano. Bom fim de semana. Beijinho

    ResponderEliminar
  2. Um texto muito interessante.
    Obrigada pela partilha.
    Beijos e abraços
    Marta

    ResponderEliminar
  3. Nesta época quase disfuncional, o que mais existem são crianças que apenas contam com a presença da mãe que se "vira do avesso" para ser pai ao mesmo tempo… Não é nada fácil. Gosto sempre de o ler…
    Uma boa semana.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  4. Mais uma interessante publicação:))

    Peço desculpa pelo atraso mas estive uns dias de folga ;))

    Hoje:-Deambulando pela natureza, sem chão

    Bjos
    Votos de uma óptima Segunda - Feira.

    ResponderEliminar
  5. Olá, Zé
    Tudo muito explicado!
    E fico deveras assustada por ter conhecimento de crianças que sofreram e sofrem estas «ausências»:não merecem.
    Um beijinho
    Mana

    ResponderEliminar