Sem
entrar em grande minúcia conceptual, começamos por
referir, em termos gerais, que a noção de
transcendência nos leva a reflectir em algo que se encontra num
nível superior a tudo quanto é imanente. Nesta medida,
Deus é apontado como transcendência, devido às
qualidades que lhe são atribuídas: omnipresença,
omnisciência e omnipotência. Ele está acima de
todas as coisas vivas e não-vivas, sendo de capital
importância para os crentes.
Entretanto,
aluda-se a outro tipo de transcendências face à visão
do mundo: uns dizem não haver um grande fosso entre ambos os
pressupostos, porque este se orienta para aquelas, perseguindo a
perfeição; outros, como Benedito
Espinosa (1632-1677),
de origem portuguesa, afirmam que Deus não transcende o mundo,
dado ser “a causa imanente de todas as coisas”, tal como é
postulado pelo panteísmo.
Sem
mais delongas, recordemos, agora, a afirmação de Martin
Heidegger (1889-1976):
“a existência é essencialmente transcendência”,
por ser superação, sem que o sujeito se desligue dela,
porque a mesma faz parte da sua constituição e define a
essência da sua própria subjectividade. Ao transcender
para o mundo, enquanto fim, essa transcendência
consubstancia-se, segundo Heidegger,
como um “estar-no-mundo” e configura a estrutura
relacional, enquanto transcendência.
Desta
maneira, o mundo torna-se o projecto da actividade e do comportamento
atitudinal do homem, espartilhando este numa clausura de
condicionalismos e limitações. O mundo, sendo embora
objecto da acção transcendente do homem, precede este,
comamdando-o não apenas, inelutavelmente, mas modelando-o
também. Assim, a transcendência, sem deixar de ser
liberdade, revela-se, a um tempo, sujeição e imposição.
A liberdade de planear o mundo, verga o homem acicatando a ambição,
o que fomenta a dependência.
Uma
última ideia, ainda, deveras curiosa, que nos lega Heidegger,
sobre a transcendência. Diz o filósofo que, a
apropriação
das coisas se equipara a um tomar
conta dos outros, sendo ambos os
fenómenos do tipo relacional. No que toca aos homens, ou se
lhes tira os seus problemas, o que significa que tal dinâmica não denota grande preocupação com eles, ou se trabalha no sentido de os
ajudar a serem livres e capazes de assumirem os problemas, o que abre
caminho à sua consciencialização pessoal e
social, tornando-os capazes de se realizarem em plenitude. A
primeira atitude é uma maneira inautêntica da
coexistência. Já a segunda constitui um modo genuíno,
enquanto verdadeiro coexistir.
NOTA
PESSOAL
Sem
nenhum tipo de transcendência, nem
mais-valias
benéficas, as Novas Tecnologias têm vindo a somar e a
ampliar os
problemas do homem,
e tendem a provocar, em crescendo, a dessimbolização e
a consequente dor mental, potenciando o vazio e a angústia
existenciais, a reificação e os recalcamentos,
contribuindo para o redimensionamento do inconsciente pessoal e
colectivo-transgeracional, enquanto fenómeno
psicossocial-transversal (Jung),
portanto, algo a que todos estamos sujeitos.
Trata-se
de uma espécie de reservatório mental inconsciente que
vai acumulando todo o tipo de lixo tóxico, em quantidade e
rapidez, tanto mais perigosamente, quanto mais omnipotente,
omnisciente e omnipresente se têm tornado as novas tecnologias
e a voracidade dos mercados, o despudor dos interesses instalados, a
desfaçatez dos políticos, o açaime dos
imperialismos (M.B.S., 2019).
Imagem de Martin Heidegger (do Google)
Um belo e interessante texto:))
ResponderEliminarBjos
Votos de uma óptima Quarta - Feira
E serão as novas tecnologias uma espécie de novo Deus?
ResponderEliminarA verdade é que elas respondem melhor e mais rápido às nossas interrogações terrenas, dado que Deus, se existe, mantém-se calado...
Gostei do texto, para reflectir.
Caro Humberto, tenha um bom fim de semana.
Abraço.
Sou ateia. Na realidade para mim as religiões não passam de um amontoado de ideias que ao longo da história da humanidade só têm gerado guerras, tragédias e manipulação de crentes, isto para não falar dos benefícios financeiros e enriquecimento destas. Portanto, não me revejo na crença de um Deus, o melhor mesmo é viver de acordo com a minha consciência e ser responsável pelos meus próprios actos, sem claro, desrespeitar quem opta por acreditar ou até mesmo venerar quem quer ( Deus) que seja.
ResponderEliminarA transcendência é sempre relativa e é aquilo que no momento actual não podemos alcançar.
Um tema bastante interessante e polémico.