quarta-feira, 26 de junho de 2019

TRANSCENDÊNCIA




  Sem entrar em grande minúcia conceptual, começamos por referir, em termos gerais, que a noção de transcendência nos leva a reflectir em algo que se encontra num nível superior a tudo quanto é imanente. Nesta medida, Deus é apontado como transcendência, devido às qualidades que lhe são atribuídas: omnipresença, omnisciência e omnipotência. Ele está acima de todas as coisas vivas e não-vivas, sendo de capital importância para os crentes.

   Entretanto, aluda-se a outro tipo de transcendências face à visão do mundo: uns dizem não haver um grande fosso entre ambos os pressupostos, porque este se orienta para aquelas, perseguindo a perfeição; outros, como Benedito Espinosa (1632-1677), de origem portuguesa, afirmam que Deus não transcende o mundo, dado ser “a causa imanente de todas as coisas”, tal como é postulado pelo panteísmo.

  Sem mais delongas, recordemos, agora, a afirmação de Martin Heidegger (1889-1976): “a existência é essencialmente transcendência”, por ser superação, sem que o sujeito se desligue dela, porque a mesma faz parte da sua constituição e define a essência da sua própria subjectividade. Ao transcender para o mundo, enquanto fim, essa transcendência consubstancia-se, segundo Heidegger, como um “estar-no-mundo” e configura a estrutura relacional, enquanto transcendência.

   Desta maneira, o mundo torna-se o projecto da actividade e do comportamento atitudinal do homem, espartilhando este numa clausura de condicionalismos e limitações. O mundo, sendo embora objecto da acção transcendente do homem, precede este, comamdando-o não apenas, inelutavelmente, mas modelando-o também. Assim, a transcendência, sem deixar de ser liberdade, revela-se, a um tempo, sujeição e imposição. A liberdade de planear o mundo, verga o homem acicatando a ambição, o que fomenta a dependência.

   Uma última ideia, ainda, deveras curiosa, que nos lega Heidegger, sobre a transcendência. Diz o filósofo que, a apropriação das coisas se equipara a um tomar conta dos outros, sendo ambos os fenómenos do tipo relacional. No que toca aos homens, ou se lhes tira os seus problemas, o que significa que tal dinâmica não denota grande preocupação com eles, ou se trabalha no sentido de os ajudar a serem livres e capazes de assumirem os problemas, o que abre caminho à sua consciencialização pessoal e social, tornando-os capazes de se realizarem em plenitude. A primeira atitude é uma maneira inautêntica da coexistência. Já a segunda constitui um modo genuíno, enquanto verdadeiro coexistir.

NOTA PESSOAL

   Sem nenhum tipo de transcendência, nem mais-valias benéficas, as Novas Tecnologias têm vindo a somar e a ampliar os problemas do homem, e tendem a provocar, em crescendo, a dessimbolização e a consequente dor mental, potenciando o vazio e a angústia existenciais, a reificação e os recalcamentos, contribuindo para o redimensionamento do inconsciente pessoal e colectivo-transgeracional, enquanto fenómeno psicossocial-transversal (Jung), portanto, algo a que todos estamos sujeitos.


   Trata-se de uma espécie de reservatório mental inconsciente que vai acumulando todo o tipo de lixo tóxico, em quantidade e rapidez, tanto mais perigosamente, quanto mais omnipotente, omnisciente e omnipresente se têm tornado as novas tecnologias e a voracidade dos mercados, o despudor dos interesses instalados, a desfaçatez dos políticos, o açaime dos imperialismos (M.B.S., 2019).

Imagem de Martin Heidegger (do Google)

3 comentários:

  1. Um belo e interessante texto:))

    Bjos
    Votos de uma óptima Quarta - Feira

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  2. E serão as novas tecnologias uma espécie de novo Deus?
    A verdade é que elas respondem melhor e mais rápido às nossas interrogações terrenas, dado que Deus, se existe, mantém-se calado...
    Gostei do texto, para reflectir.
    Caro Humberto, tenha um bom fim de semana.
    Abraço.

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  3. Sou ateia. Na realidade para mim as religiões não passam de um amontoado de ideias que ao longo da história da humanidade só têm gerado guerras, tragédias e manipulação de crentes, isto para não falar dos benefícios financeiros e enriquecimento destas. Portanto, não me revejo na crença de um Deus, o melhor mesmo é viver de acordo com a minha consciência e ser responsável pelos meus próprios actos, sem claro, desrespeitar quem opta por acreditar ou até mesmo venerar quem quer ( Deus) que seja.

    A transcendência é sempre relativa e é aquilo que no momento actual não podemos alcançar.
    Um tema bastante interessante e polémico.

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