segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O DESEJO E A PALAVRA



   No Ocidente, vivemos em sociedades ditas de direito democrático, onde, por norma, literalmente, qualquer tipo de contrato, em enquadramento circunstancial de lugar onde (de direito e de facto), tem de ser lavrado de acordo com a lei, para que ambas as partes signatárias se possam sentir seguras das garantias das cláusulas acordadas. É assim para as transacções empresariais, para os seguros contratados, para as prestações de serviços (água, luz, gás, telefone, entre outras coisas) e, para os casamentos. Para as uniões de facto, a Lei n° 23/2010, de 30 de Agosto baliza os direitos e deveres dos cônjuges, mas, aqui, creio, não há contratos formais nem assinaturas. Convergem desejo e palavra.

   Contudo, quando se trata de pessoas com sérias perturbações mentais – e como é difícil provar, devido ao facto, a (in)imputabilidade ou (in)capacidade das pessoas em causa –, como é que se faz a prova de que, à data do contrato, se verificava o estado demencial de um dos signatários, por um lado, e, por outro, se a outra parte tirou partido disso mesmo, ou não, tendo havido art-i-manha (“técnica e destreza de mãos”), ou só desconhecimento. Aqui, podem divergir o desejo transtornado e a palavra desvirtuada.

   Quando estamos em presença de psicoses tratadas ambulatoriamente ou em internamento, que diz a lei, afinal? Tente o leitor saber, já que ouvimos falar de pessoas com alta, mas em tratamento severo, que continuam a viver o seu quotidiano, conduzindo automóvel, movimentando-se nas ruas, assinando contratos e, até, improvisando certos comportamentos laborais. Manifestamos apenas a nossa inquietação, uma vez que nada sabemos da sagacidade mental de sujeitos nestas condições, do grau de percepção da realidade, da sua consciência, lucidez e memória. E o médico, que conselhos avançou?!

   Por último, caso a demência, a morte ou o suicídio se verifiquem algum tempo depois de um seguro contraído e, caso não haja uma cláusula que acautele estas três eventualidades, a seguradora terá de cumprir o pré-estabelecido. Acontece que, nestas situações, há sempre quem tente artimanhas, embora questionemos se as mesmas valem a pena, depois de feito o balanço entre as despesas suportadas com o corpo jurídico da companhia e o valor da indemnização a pagar ao segurado. Pois, não sabemos!... Como escreveu o filósofo Philippe Julien, A barbárie instaurada pela incompatibilidade entre o desejo e a palavra põe o sujeito a nu diante dos seus próprios fantasmas”.
Nota: Imagem do Google

4 comentários:

  1. Um texto muito delicado:))


    Bjos
    Votos de uma óptima Segunda-Feira.

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  2. Só sei que as seguradoras nunca ficam a perder.

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  3. Um tema interessante e complexo... nunca tinha pensado nisso. Todos os comportamentos e as consequências comportamentais envolvem riscos. Assim é a sociedade em que vivemos. Gostei de ler. Beijinho.

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  4. Querido Zé
    Um texto óptimo para acautelar quem ainda não tinha pensado nas«artes e manhas» utilisadas por quem quer viver sem fazer qualquer esforço. E o que me aflige é saber que há analfabetos a «passarem a perna» a licenciados!!! Pobres dos familiares afectados!
    Um beijinho
    Mana

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