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Depois de trinta anos de trabalho
docente, somados aos trinta e sete meses de serviço militar, dos
quais vinte e sete foram cumpridos na então designada Região
Militar de Angola, mais propriamente na explosiva região Norte, 100% operacional (Dembos), é dose... como dizem os nossos
amigos brasileiros. Ah, não, não vamos carpir o esforço
de todos estes anos ao serviço da República Portuguesa,
de uma maneira ou de outra, quer se queira, quer não; vamos,
antes, falar-lhes de Psicologia Infantil, da mais pura e dura, que a
longa experiência por nós vivida, tanto com todo o tipo
de homens, pertencentes às várias classes sociais,
durante a guerra, como a nossa vivência com todo o tipo de
crianças, também das mais diversas proveniências
socioculturais e económicas, ao longo de três décadas
de ensino, nos habilitaram a observar, com aquela curiosidade
indispensável a uma percepção cabalmente
inteligível, dotando-nos de competências minimamente
suficientes, no sentido de criarmos defesas para uma correcta leitura interpretativa (hermenêutica), face à imaginação
infantil, sempre desenfreada, animista, fantasiosa, mimética, lúdica, simbólica, fluída, sem
deixar de ser cruel e, até, em certas circunstâncias,
deveras perigosa.
Vamos, então, aos factos:
decorria o ano de 1983, quando aconteceu termos sido colocados numa
escolinha isolada no meio de um monte onde proliferavam imensos
pinheiros; leccionávamos um quarto ano de escolaridade de
crianças como todas as outras; lá em casa, o patriarca
tinha acabado de mandar construir um fogão de sala imponente,
que o frio era muito. Lenha não faltava, mas a dificuldade
residia sempre na ocasião de iniciar a necessária
combustão que rapidamente despertaria o braseiro e
desencadearia o tão desejada temperatura ambiente.
Lembrámo-nos então do terreno circundante da escola
onde, durante a semana, trabalhávamos e, como se encontrasse
juncado de pinhas caídas dos pinheiros em redor, tivemos a
ideia de falar com a Senhora Zulmira, a servente escolar, hoje com o
epíteto de auxiliar da acção educativa ou
assistente operacional, enfim...
-- Dona Zulmira – chamei eu –,
aquelas pinhas, ali fora, faziam-me cá um jeitão, que a
senhora nem imagina... para acender a minha lareira nova!
-- Que não seja por
isso, senhor professor – respondeu-me a mulher, cheia de energia e
boa vontade – até calha bem, que amanhã é
sábado e eu encho-lhe, logo de manhã, dois ou três
sacos delas. O senhor, lá para o meio da tarde... pois, pois,
é mais certo lá para o meio da tarde; passe aqui pela
escola, que os sacos ficam guardados na arrecadação, ao
lado dos sanitários.
Assim fizemos. Por volta
das cinco da tarde, estacionámos o nosso pequeno utilitário
junto à porta principal da escola e transportámos os
três pequenos sacos de pinhas para o automóvel. Tudo
estava calmo, não vimos ninguém, e iniciamos a viagem
de volta, satisfeitos, não só com a maneira como tudo
se tinha passado, mas também porque sabíamos que íamos
fazer uma agradável e útil surpresa ao pai.
Aqui não interessam,
propriamente, as cenas dos episódios seguintes, mormente em
nossa casa mas, isso sim, é de toda a importância tudo
aquilo que se viria a verificar, na segunda feira seguinte, na nossa
sala de aula, com o quarto ano de escolaridade.
-- Senhor professor, a escola, no
sábado, foi assaltada!!
-- Não me digam uma coisa
dessas! Olhem, vocês vão contar tudo o que sabem sobre
esse tal assalto, através de uma pequena composição
e de um desenho ilustrativo da mesma.
Ficaram delirantes e começaram
imediatamente a escrever composições, curiosamente
coincidentes, e desenhos, mais ou menos parecidos. Na altura concluí
que tivessem já, entre eles, ventilado o assunto, fruto de um
qualquer boato lançado ao ar por alguém que,
eventualmente, terá presenciado ao vivo o simples desenrolar
da história das pinhas. O melhor, no entanto, ainda os
leitores não sabem.
Tanto as composições
como os desenhos falavam e mostravam um camião enorme, parado
à porta da escola; do camião tinham saído seis
homens encarapuçados e de armas aperradas, tinham rebentado
com granadas a porta da escola e tinham carregado tudo o que era de
valor. Depois arrancaram a grande velocidade sem terem deixado
qualquer rasto.
No intervalo da manhã rimo-nos
todos com o que se tinha passado, mas não pudemos deixar de
comentar a perigosidade de nos deixarmos levar pelos contos e ditos
da criançada ou até de adultos sem maturidade,
equilíbrio e carácter.
Obs.: A propósito da presente "estória", espreitem, neste blogue, o texto intitulado - "Da Mentira, Na Infância".
Obs.: A propósito da presente "estória", espreitem, neste blogue, o texto intitulado - "Da Mentira, Na Infância".
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