sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A FANTASIA DO ASSALTO À ESCOLA



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     Depois de trinta anos de trabalho docente, somados aos trinta e sete meses de serviço militar, dos quais vinte e sete foram cumpridos na então designada Região Militar de Angola, mais propriamente na explosiva região Norte, 100% operacional (Dembos), é dose... como dizem os nossos amigos brasileiros. Ah, não, não vamos carpir o esforço de todos estes anos ao serviço da República Portuguesa, de uma maneira ou de outra, quer se queira, quer não; vamos, antes, falar-lhes de Psicologia Infantil, da mais pura e dura, que a longa experiência por nós vivida, tanto com todo o tipo de homens, pertencentes às várias classes sociais, durante a guerra, como a nossa vivência com todo o tipo de crianças, também das mais diversas proveniências socioculturais e económicas, ao longo de três décadas de ensino, nos habilitaram a observar, com aquela curiosidade indispensável a uma percepção cabalmente inteligível, dotando-nos de competências minimamente suficientes, no sentido de criarmos defesas para uma correcta leitura interpretativa (hermenêutica), face à imaginação infantil, sempre desenfreada, animista, fantasiosa, mimética, lúdica, simbólica, fluída, sem deixar de ser cruel e, até, em certas circunstâncias, deveras perigosa.

     Vamos, então, aos factos: decorria o ano de 1983, quando aconteceu termos sido colocados numa escolinha isolada no meio de um monte onde proliferavam imensos pinheiros; leccionávamos um quarto ano de escolaridade de crianças como todas as outras; lá em casa, o patriarca tinha acabado de mandar construir um fogão de sala imponente, que o frio era muito. Lenha não faltava, mas a dificuldade residia sempre na ocasião de iniciar a necessária combustão que rapidamente despertaria o braseiro e desencadearia o tão desejada temperatura ambiente. Lembrámo-nos então do terreno circundante da escola onde, durante a semana, trabalhávamos e, como se encontrasse juncado de pinhas caídas dos pinheiros em redor, tivemos a ideia de falar com a Senhora Zulmira, a servente escolar, hoje com o epíteto de auxiliar da acção educativa ou assistente operacional, enfim...

     -- Dona Zulmira – chamei eu –, aquelas pinhas, ali fora, faziam-me cá um jeitão, que a senhora nem imagina... para acender a minha lareira nova!
       -- Que não seja por isso, senhor professor – respondeu-me a mulher, cheia de energia e boa vontade – até calha bem, que amanhã é sábado e eu encho-lhe, logo de manhã, dois ou três sacos delas. O senhor, lá para o meio da tarde... pois, pois, é mais certo lá para o meio da tarde; passe aqui pela escola, que os sacos ficam guardados na arrecadação, ao lado dos sanitários.

    Assim fizemos. Por volta das cinco da tarde, estacionámos o nosso pequeno utilitário junto à porta principal da escola e transportámos os três pequenos sacos de pinhas para o automóvel. Tudo estava calmo, não vimos ninguém, e iniciamos a viagem de volta, satisfeitos, não só com a maneira como tudo se tinha passado, mas também porque sabíamos que íamos fazer uma agradável e útil surpresa ao pai.

     Aqui não interessam, propriamente, as cenas dos episódios seguintes, mormente em nossa casa mas, isso sim, é de toda a importância tudo aquilo que se viria a verificar, na segunda feira seguinte, na nossa sala de aula, com o quarto ano de escolaridade.

      -- Senhor professor, a escola, no sábado, foi assaltada!!
    -- Não me digam uma coisa dessas! Olhem, vocês vão contar tudo o que sabem sobre esse tal assalto, através de uma pequena composição e de um desenho ilustrativo da mesma.
    
    Ficaram delirantes e começaram imediatamente a escrever composições, curiosamente coincidentes, e desenhos, mais ou menos parecidos. Na altura concluí que tivessem já, entre eles, ventilado o assunto, fruto de um qualquer boato lançado ao ar por alguém que, eventualmente, terá presenciado ao vivo o simples desenrolar da história das pinhas. O melhor, no entanto, ainda os leitores não sabem.

     Tanto as composições como os desenhos falavam e mostravam um camião enorme, parado à porta da escola; do camião tinham saído seis homens encarapuçados e de armas aperradas, tinham rebentado com granadas a porta da escola e tinham carregado tudo o que era de valor. Depois arrancaram a grande velocidade sem terem deixado qualquer rasto.

     No intervalo da manhã rimo-nos todos com o que se tinha passado, mas não pudemos deixar de comentar a perigosidade de nos deixarmos levar pelos contos e ditos da criançada ou até de adultos sem maturidade, equilíbrio e carácter.

       Obs.: A propósito da presente "estória", espreitem, neste blogue, o texto intitulado - "Da Mentira, Na Infância".





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