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No
campo respira-se o ar lavado dos grandes espaços abertos;
escuta-se a imperceptível musicalidade do vento, o som
melódico dos regatos, o coro dos passarinhos, a subtil leveza
das colinas; no campo sente-se a envolvência aveludada dos
prados e o sedoso toque da brisa
No
campo ainda há quem fale com a terra e oiça, com
espanto, o silêncio dos frutos. No campo vive Laurinda, a
rapariga de todos os encantos e desejos. Ela viaja pelo sonho, sob o sol do seu coração ardente, como
fazem os rios sem margens
Toda
a aldeia está lá, no prado das cerejeiras vergadas pelo ímpeto dos frutos carnudos e vermelhos. A colheita é
sôfrega, sensual, extenuante. Os gigos enchem-se em torno dos
troncos. Laurinda já não sonha, e refugia-se no
silêncio, respondendo, triste, magoada mas decidida, pela
incumbência da natureza. Vai dividindo a atenção,
também, com um outro gigo colocado muito próximo de si.
No seu interior, embrulhada numa manta fresca e limpa, dorme,
inocente, a filha
Desde
a última colheita que Martinho não mais procurou
Laurinda. Esta, vive de coração apertado e chora às
escondidas. Contudo, não dá a face, enfrenta a
adversidade. Doce, bela e jovem, só através dos seus
grandes olhos verdes deixa transparecer a angústia que lhe
dilacera a alma. Faz hoje dezoito anos, mas ninguém se lembra
do seu aniversário
Pelo
lusco-fusco, são estendidas séries de lâmpadas
entre as cerejeiras e a ramada lateral; não faltam os petiscos
habituais e o vinho regional... e a música tocada de
improviso. No centro, sob o brilho prateado das estrelas, os pares
rodopiam ao som da concertina; no círculo dos mais velhos as
crianças buscam o aconchego das mães
De
repente, Laurinda ergue-se com o bebé ao colo; discreta, entra na roda, e ensaia uns passos de dança. Todos lhe sorriem e
lançam gracinhas à criança. Agora, a concertina rasga a noite com o seu gemido pungente e nostálgico
Martinho,
então, aproxima-se resoluto, entra na roda, envolve a rapariga
e a filha num abraço largo e sentido, beijando a jovem com
carinho.
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Olá, meu amigo (a sua irmã, a Beatriz, trata-o por Zé, que é o diminutivo de José, nome próprio bem mais leve e intimista que Humberto. Se me der licença, fá-lo-ei, também. Depois, diga-me, por favor)!
ResponderEliminarGosto muito da sua prosa, embora escreva bem, muito bem, tal como já lhe disse, ambas as formas literárias: prosa e poesia, mas conheci o seu blogue com prosa, talvez daí a minha predileção por esta.
Este seu texto tem sabor, muito sabor, muita cor e também muito amor. A adjetivação usada torna-o tão doce e realista.
Adorei a descrição do campo, da aldeia, do som da concertina, da movimentação dos protagonistas/personagens principais e sobretudo a colheita das cerejeiras como ato sôfrego, como que querendo atingir um orgasmo.
Laurinda é uma moça bonita, de olhos verdes, como diz, a quem a maternidade deu ainda mais valor, suponho, e Martinho, embora se mostrasse afastado dela, acabou por fazer a "teia" com que abraçou e beijou mãe e filho ao compasso da dança. Que bonita e meiga atitude! "Os cavalos também se abatem", não é?
Adorei a imagem, que colocou no final do texto. Que vontade de comer umas tantas!
Muito grata pelo seu comentário no meu blogue. Lá se vai escrevendo e sempre tentando melhorar e agradar.
Um beijinho e bom resto de semana.
Poema infinitamente belo...onde o poeta busca a essência da natureza entre ciclos... palavras, musicalidade; onde há saudade, amor, sonhos... e eu o acariciei.
ResponderEliminarÉ a magia da natureza que dá cor aos frutos...doces e belos.
Gostei e vou guardar. Beijinho, Poeta.
Olá, Manel, eu de novo!
ResponderEliminarGrata por ter acedido ao meu pedido e ter-me clarificado.
Obrigada e até breve!