terça-feira, 22 de maio de 2018

O FANTÁSTICO E O MARAVILHOSO



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        No âmbito do universo fascinante, misterioso e complexo do redentor imaginário infantil, que a literatura especializada acicata, cultiva, expande e faz frutificar, deparámo-nos, desde sempre, com a aparente (?!) e indefinida sobreposição dos conceitos de fantástico e de maravilhoso, como se ambos se recompletassem, de forma simbiótica, numa dependência mútua de saudável compromisso comum. Mas precisemos um e outro, recorrendo a quem sabe.

            Segundo Tzevtan Todorov (1939-2017), transcrito por António Martins (2008: 50), a partir da citação de Henriqueta Gonçalves (1995), “o fantástico divide-se em estranho-puro, fantástico-estranho, fantástico-maravilhoso e maravilhoso puro.” “(...) No estranho-puro são situados os acontecimentos inacreditáveis, extraordinários, chocantes e insólitos, que podem perfeitamente explicar-se pelas leis do racional, provocando, na personagem e no leitor, uma reacção inicial de hesitação, semelhante à dos textos fantásticos. No fantástico-estranho situam-se os acontecimentos que parecem sobrenaturais, pois levam a personagem e o leitor a pensar que se trata da intervenção sobrenatural, tal é o insólito que condensam, mas recebendo no fim uma explicação racional.

            O fantástico-maravilhoso abarca narrativas que se apresentam como fantásticas e que terminam por uma aceitação do sobrenatural (...). O maravilhoso puro provoca uma atitude na personagem e no leitor implícito semelhante à provocada pelo fantástico puro. Os acontecimentos sobrenaturais não provocam nenhuma reacção especial nem no leitor nem na personagem; o que está em causa é a própria natureza do acontecimento. Todorov delineia quatro tipos dentro deste sub-género: o maravilhoso hiperbólico, o maravilhoso exótico, o maravilhoso instrumental e o maravilhoso científico (Gonçalves 1995: 10-11).

            É este o espaço difuso do imaginário simbólico que os contos penetram, transfigurando a aprendizagem das crianças, alicerçando valores, fundamentando vivências, amaciando dificuldades, através de uma dinâmica puramente lúdica, criativa e intemporal de evasão pelo sonho que se mescla entre a realidade e a maravilha, a maldade e a virtude, a falácia e a verdade. Sublinhe-se, ainda, que o conto se redimensiona pela palavra e pela magia que a mesma encerra, levando a criança a viajar entre a realidade e a fantasia, em busca da rêverie compensatória das agruras do dia-a-dia, atenuando a incompreensão e o gigantismo do quotidiano.

            Estas escapadelas gratificantes, proporcionadas pela magia dos contos, conseguem dotar ao mais novos de competências cognitivas, afectivas e emocionais, tendentes a melhor interiorizar a rudeza da interacção social na busca de defesas propícias a um crescimento, paulatinamente, maturado, o que significa o abandono, sem dramas, da fantasia inconsciente, quantas vezes recorrente nas crianças, do ansioso retorno ao útero materno.

             Em conclusão, acrescentaremos que, se no maravilhoso se vestem de realidade todos os objectos não percepcionados (imaginados) no cômputo do cortejo, das figuras e das peripécias de determinada história, ainda que em contradição com as leis naturais da vida, já no fantástico o sobrenatural assume uma expressão capaz de lidar com a hesitação entre o real e o irreal, ressaltando a tónica da ambiguidade e da falsidade plausível (o faz-de-conta infantil, o animismo e o mimetismo tão ligados ao simbólico) capazes de diluir e impedir conclusões exactas (conscientes) sobre o assunto. É que o homem será sempre espanto e procura da verdade, mas só assim será capaz de se reinventar.

            NOTA: Com a devida vénia a António Martins e à sua obra – O Fantástico nos Contos de Mia Couto – Potencialidades de Leitura em Alunos do Ensino Básico, Papiro Editora, Porto, 2008.

           

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