segunda-feira, 1 de abril de 2019

UNILATERALIDADE OBSTINADA



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     Depois das recentes medidas que precarizaram ainda mais certas classes laborais (professores e enfermeiros, entre muitas outras, claro), deparamo-nos agora com o actual governo, de maioria artificialmente consertada, a impôr a estas mesmas classes uma unilateralidade obstinada sempre que com as mesmas reúne.

     Recuando ao tempo de Lurdes Rodrigues, recordamos a ameaça, intenção ou o que quer que tenha sido, de colocar os pais a avaliar os professores, como se os cadáveres avaliassem os óbitos ou os clínicos tivessem que responder pelos diagnósticos de doenças incuráveis, crónicas ou renitentes; como se os automobilistas avaliassem o Instituto das Estradas de Portugal; como se os clientes que sustentam os chorudos lucros da banca, tivessem uma palavra a dizer na avaliação da mesma; como se o cidadão comum pudesse avaliar engenheiros e arquitectos e empreiteiros, depois de atrasos de anos e derrapagens de milhões de euros nas obras públicas, tudo por conta do erário público; como se um crítico de cinema pudesse fazer a avaliação de determinado filme, sem nunca o ter apreciado, do princípio ao fim; como se um árbitro de futebol pudesse ser o juiz de um desafio, de olhos vendados, ou ausente do relvado; como se, como salta à vista até dos mais incautos, distraídos e desinteressados, não fosse urgente e primordial avaliar a classe discente na sua desamparada queda no actual abismo de displicência, desleixo e má criação que qualquer pessoa de boa-fé, maturidade intelectual, bom-senso e diligente interesse por assuntos desta natureza, naturalmente constata, desde que passe a dedicar um pouco do seu tempo à análise de tão candente problemática.

     Como se... Como se... Como se... E podíamos estar aqui a desfiar um infindável rosário de exemplos deste género, para concluir a anacrónica impertinência que a eventual implementação de uma medida desse tipo, no fundo, acabaria por, em si mesma, configurar.

     Ademais, temos percepcionado nas palavras proferidas no âmbito de certos sectores ligados aos “pais” (são raros, felizmente), uma certa hostilidade difusa, dirigida aos docentes, que sempre confunde a verdade dos factos e permite interpretações desviantes, da parte de quem ouve e não sabe, em termos objectivos, aquilo que efectivamente se passa. Por outro lado, conforme temos tantas vezes alertado os leitores, é sempre fácil atirar pedras ao telhado do vizinho, na presunção ingénua e umbilical de que no nosso não existem telhas de vidro.

    Um dos aspectos fundamentais de toda esta problemática, ao qual temos feito também referência por mais do que uma vez, tem que ver com a indissociabilidade da relação ensino/aprendizagem, cujos actores no terreno são, a saber os alunos e os docentes. Nas décadas mais recentes os professores têm vindo a “coleccionar” formação contínua, para além da inicial, têm vindo a acumular competências aos vários níveis necessários, têm vindo a somar paciência, têm feito das tripas coração, têm comido o pão que o diabo amassou, ou seja, em conclusão, têm cabalmente desempenhado a sua “missão”, ensinando, ensinando, ensinando. É esse o seu papel.

      Já do lado dos alunos, tendo em conta, primeiro que tudo, a já doentia permissividade dos paizinhos, o esfumar dos valores, a decadência da sociedade, a loucura do consumo (a pós-modernidade é desconcertante), a generalizada lei do menor esforço, o laxismo dos políticos e a inadequação das políticas (como é o caso demolidor das turmas com vários anos de escolaridade e múltiplas disfuncionalidades) – em Setembro de 2006 os apoios especiais a estas e outras turmas foram reduzidos em cerca de 80% (?!!) --, tudo isto por razões nunca declaradas de economicismo selvagem, o papel da aprendizagem não trilha a indispensável interactividade, no âmbito da tal indissociabilidade indispensável da relação ensino/aprendizagem, furtando-se os meninos a colaborar com o docente ou, pior do que isso, boicotando sistematicamente todas as iniciativas consertadas, que as planificações elaboradas com religiosa dedicação à causa da educação, acabam por redundar em total fracasso escolar e profunda frustração pessoal e profissional.

     Enfim, não pode nem deve um governo democrático, mesmo quando possui maioria absoluta (consertada), fazer o que muito bem entende, numa linha de unilateralidade insuportável, para lá de todos os limites da legitimidade, do bom senso e do conhecimento real das situações de facto, daquilo que é o “terreno”. A Democracia implica a discussão participada dos problemas e a resolução dos mesmos, sem atropelos à dignidade pessoal, profissional e social dos cidadãos.



1 comentário:

  1. Sem estar completamente de acordo tenho a referir que todo o funcionalismo público deve ser igualmente valorizado. Beijinho e boa semana.

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