quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O CIRCO DA POLÍTICA




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     Com o 25 de Abril ocorrido há já pouco menos de meio século, achamos por bem redigir algo sobre os políticos e a habilidosa arte de fazer política, tal e qual se passa, as mais das vezes, no circo da vida, no circo dos nossos convencimentos pessoais, no circo, enfim, das mais elementares relações que levam cada um de nós a manter com o outro determinado tipo de contacto, dependência ou ascendência.

     Sempre se urdiu, a este nível, uma complexa teia de relações, mais ou menos profundas, entre a arte e a política, e vice-versa, sendo mesmo de considerar, a política em si, como uma manifesta exibição artística que aprimora o convencimento e a condução das massas, antes mesmo da prática performante da governação dos estados. É que sem aquela não se chega a esta.

     A política, no entanto, tem sido já vista também como a precipitada consumação de um conjunto de atitudes de lesa-arte, tendo em conta a inconsequente imprevisibilidade da sua acção no terreno, como nos testemunham, a título de exemplo, muito recentemente, as ocorrências verificadas no museu de Bagdad. Tal facto, está bem de ver, legitima a pertinência do debate sobre a presença da política na arte.

   Se quisermos, não há quem nos possa impedir de olharmos a natureza virgem como um imenso painel artístico que, despudoradamente, os políticos, por incompetência, ligeireza ou fraqueza mental, não têm sido capazes de preservar, em prol do interesse dos países.

     Contemporaneamente, tanto a história da arte como a história da cultura perpassam face à nossa inteligibilidade como fazendo parte do devir civilizacional, consideradas no quadro das suas diversas nuances. De acordo com Wolfflin (1864-1945), habituámo-nos a fazer do passado uma leitura que empresta supremacia à evolução da forma na arte, em detrimento da época histórica. Constata-se hoje, porque disso nos damos conta, a par e passo, que “quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto”, conforme acautela o anexim popular, por isso, e porque dos fracos – leia-se – dos vencidos não reza a história, importa sobretudo perceber a contextualização dos factos, para que os mesmos se tornem história, enquanto relato criteriosamente decalcado da realidade factual. Assim, a integração social da obra de arte, ainda que considerando o período romântico como que imbuído de um claro clima de fuga, de “exclusão”, de grito de “liberdade artística”, não passa, quer se queira quer não, de uma independência politicamente moldada pelas alterações sociais e tecnológicas a que o artista estava irremediavelmente sujeito.

     Embora Mikel Dufrenne (1910-1995) tivesse vaticinado o “fim da arte” e tenham surgido “outras artes radicalmente diferentes”, muito se escreveu, debateu e especulou sobre questões ligadas à “arte pela arte” em contraponto com a “arte com mensagem”... crítica. Não raro, os escritos comportam conteúdos que não são maniqueístas e, tanto faz que nos coloquemos face aos formalistas, à frente dos quais se apresenta Clement Greenberg (1909-1994), como sigamos atentamente a filosofia em que assenta a estética marxista e a sua “arte para todos”, para rapidamente concluirmos que a arte se mescla com a política, tanto quanto com o poder eclesiástico ou com o poder governativo em geral, sendo mesmo ténue ou até imperceptível a fronteira que se esboça, ou não, entre uns e outros.

     Exemplos eloquentes desta indissociável sobreposição, quantas vezes estratégica, contam-se nos inúmeros símbolos artísticos, quantas vezes monumentais, postados na frente dos edifícios institucionais; recordam-se os quadros e os retratos dos reis, dos chefes, dos presidentes, imperadores e governantes, nos quatro cantos dos seus respectivos domínios; passam-nos pela mãos, diariamente, as moedas com as suas caras... ontem como hoje, desde a Roma imperial até aos regimes totalitários que fizeram vergar a Europa durante a primeira metade do século vinte.

     A arte, ao ligar-se de forma tão estreita com a política, bifurca-se entre o serviço que pode prestar ao poder e a sombra que lhe pode fazer, seja qual for o regime que tomemos como exemplo – democrático ou totalitário. Estamos perante uma forma de expressão artística reactiva, com intenção social, que opera numa base de desconstrução e radicalização de conceitos do “mundo da arte” especialmente, e da sociedade em geral, quando se decide pela contestação. Esta, “critica autocriticando o sistema no qual se integra, metamorfoseando-se com outros sistemas exteriores ao artístico”.

     O circo da política reveste uma multiplicidade de nuances artísticas, através do desfile colorido do cortejo reactivo de analogias que adquirem formas bizarras, nas atitudes e comportamentos dos seus protagonistas ou, tão-só, devido à subtil arte de passar despercebido, quanto tal se impõe, de se omitir, quando tal é “necessário”, de recriar Pilatos, mesmo quando, manifestamente, lavar as mãos não chega.



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