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Por
norma melancólico, condicionado por uma tristeza profunda, o
doente hipocondríaco permanece, invariavelmente, refém
de uma teia terrível de doenças imaginárias que,
por isso mesmo, só ele consegue congeminar. Ser hipocondríaco
acaba por encerrar o indivíduo no temor inconsciente de si
próprio e da sua saúde, ou antes, da ausência
desta, levando-o a comportamentos de auto-observação
minuciosa, exagerada e sistemática, mesmo quando não
suspeita nem acredita que se encontra efectivamente enfermo; a
hipocondria perturba também o doente que acha que pode,
eventualmente, sentir algo de errado consigo, mas, nestes casos, as
análises apresentam resultados negativos e os diagnósticos
médicos nada despistam. Enfim, perante tal quadro, mostram-se
insatisfeitos! Há ainda quem se queixe amiúde de uma
infinidade de disfunções físicas sem nenhum tipo
de disrupção orgânica medicamente constatado.
O
hipocondríaco tanto pode apresentar tendências
caracterológicas, obrigando-se não só a tomas
contínuas e indiscriminadas de suplentos vitamínicos,
tónicos e mezinhas, tendendo a levar alguns médicos a
receitar, visando o efeito placebo (fins sugestivos ou psicológicos),
como se pode manifestar a par de uma sintomatologia enquadrada em
estados ansiosos ou depressivos, ou, pior, no âmbito da
esquizofrenia. A estes três níveis, e por influência
psicossocial, podem surgir doenças psicossomáticas
debilitantes, entre muitas outras: a gastrite ou a prisão de
ventre, as cefaleias ou os tremores, o vaginismo ou a amenorreia, a
asma ou a dispneia, a hipertensão ou a taquicardia, a
obesidade ou a anorexia/bulimia, a artrite reumática ou as
alergias várias.
A
hipocondria onde se encontra ausente a base orgánica, segundo
os especialistas, ocorre com mais frequência nas mulheres com
graves perturbações de personalidade, sendo também
a de mais difícil tratamento e a mais “ardilosa”, isto é,
tenta granjear simpatias, benefícios e atenções
suficientes para justificar a indolência e a irresponsabilidade
pessoal, familiar e social. Na prática, o hipocondríaco
enferma de um psiquismo atribulado, mormente quando se conjugam
sistomas melancólicos e obsessivos, pautados por delírios
de auto-condenação (culpabilidade) e impulsos sádicos.
Que
pode fazer, então, o hipocondríaco para contrariar tão
negativo estade de coisas?! Deve deixar de viver tão
intensamente o seu narcisismo mórbido, esforçando-se
por se descentrar de si enquanto sujeito, e, como propôs
Jacques
Lacan,
ser capaz de “se tornar sujeito” – e não objecto – “do
seu desejo ao passar pela ordem da linguagem”; frequentar,
diariamente, o ginásio, mostrando-se activo e empenhado no
exercício físico, de preferência em grupo;
conversar em família, no café ou em outros contextos do
seu dia-a-dia, sobre temáticas diversificadas, desviando-se
sempre de assuntos que englobem doenças ou fármacos;
optar por literatura vária, mas de qualidade (contos,
romances, jornais e revistas); seleccionar programas televisivos,
escutar música, ir ao cinema, fazer férias, fazer
refeições fora, fazer praia; fazer, finalmente, uma
auto-avaliação regular de como as coisas vão
evoluindo... para não deixar de ser capaz de melhorar. É
este o propósito sustentável.
NOTA:
Permitam-me que recorde ainda esta notável afirmação
de Lacan:
“O inconsciente é a primeira parte do discurso concreto,
enquanto transindividual, que falta à disposição
do sujeito para restabelecer a continuidade do seu discurso
consciente”.
Meu amigo, conheço pessoas hipocondríacas que se tornam por vezes insuportáveis. Eu não sei lidar com elas. O tratamento deve ser mesmo difícil...
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.