Ter
a certeza de algo, de acordo com o senso-comum, não é
mais do que alimentar a opinião de que se está na posse
da verdade, demonstrando firmeza e assertividade nesta ou naquela
afirmação, perante o outro ou os outros, nos mais
variegados contextos interaccionais. Psicológica e
filosoficamente, a certeza encerra sempre em si cambiantes de cariz,
quer subjectivo quer objectivo; logo, não é nunca uma
evidência nem pode ser confundida com as caleidoscópicas
acepções da crença. Também os
escolásticos,
a partir de S.
Tomás de Aquino (1225-1274),
procuraram harmonizar a razão e a fé, a filosofia e a
teologia, defendendo o equilíbrio sistémico entre os
ensinamentos de Aristóteles e o dogma cristão. Nessa
mesma linha, e sobre a matéria em epígrafe, separaram,
acerrimamente, a certeza em objectiva e subjectiva:
Assim,
a certeza objectiva não pode ligar-se à
sentimentalidade emocional nem tão-pouco ao assentimento da
consciência. Para ser objectiva a certeza tem de tanger as
raias da evidência, ancorando-se na anuência firme e
genuína de um testemunho cuja factualidade não ofereça
dúvidas. De qualquer maneira, não é despiciente
considerar a certeza como uma forma de conhecimento, enquanto unidade
percepcionada entre as formas apriorísticas da sensibilidade
(síntese entre espaço-tempo e matéria), sendo,
portanto, intangíveis e incognoscíveis, ao contrário
das impressões sensíveis, meramente aparentes, estas
(Kant).
Nesta conformidade, torna-se clara a distinção entre a
coisa em si (númeno), e o fenómeno, que significa o que
nos é dado percepcionar. Onde fica a certeza, então?
Quer
as razões, as declarações ou os argumentos
aduzidos em um sentido ou no outro, isto é, afirmar-se que se
tem a certeza de ter a certeza de algo, ou confessar-se a impotência
de defender honestamente a verdade ou a falsidade de alguma coisa
pretensamente objectiva, quer as teses de quem se fica pela
essencialidade das certezas morais, alegando que a certeza se impõe
por si só, apenas por ser evidente a impossibilidade de
afirmar ou demonstrar o contrário, não nos obrigam à
adopção de uma saída para esta dicotomia, apenas
porque se nada fizermos ou decidirmos, tal estado de coisas
deixar-nos-á num beco sem saída. Diga-se o que se
disser, cogite-se o que se cogitar, sejamos íntegros, honestos
e flexíveis e... não tenhamos receio – as certezas
não existem! Ou melhor: existe uma, e essa é a certeza
da morte.
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