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Há tempos (meses, talvez),
redigímos, neste mesmo espaço, um texto, cujo foco principal procurou fazer
regressar à luz os tenebrosos e negros idos dos séculos XIX e XX, em
Inglaterra. Vivia-se em plena era industrial e, nessa altura, as crianças
trabalhavam como gente grande e desamparada. Ao tempo, foi produzida alguma
legislação que, pretensamente, visava proteger as crianças, embora estas, na
letra da lei, continuassem a ser simples propriedade dos pais. Por tudo isto, a
mortalidade infantil constituía mais um dos inumeráveis crimes hediondos da
sociedade britânica.
Contudo, em meados do século XX,
nomeadamente durante a Segunda Guerra Mundial, as crianças passaram a ser
olhadas de uma outra perspectiva. Procuraram, então, quer os pediatras
ingleses, quer os americanos, refrear o autoritarismo que pendia sobre seres
tão frágeis e indefesos, alertando as respectivas sociedades e todos quantos os
quisessem escutar, para a necessidade imperiosa de tratar os infantes, nos seus
anos mais tenros, com o devido carinho, ternura e amor. Tanto Bakwin
como René Spitz constataram rapidamente a enorme diminuição do
apagamento e da mortalidade infantil (até aí entre os 70 e os 100%), nos dois
primeiros anos de vida, logo que a presença das mães, junto dos filhos
hospitalizados, se tornou efectiva.
Donald Woods Winnicott
(1896-1971) mostrou-se incansável também, na forma como, via rádio, se
dirigiu às mães, apelando ao fim do autoritarismo ao mesmo tempo que as
exortava ao amor, à ternura afectiva, não só no momento da amamentação ou da
papa, mas também nas ocasiões de limpeza e higiene. Winnicott sublinhou
que nenhuma dessas interacções pode ou deve ser obrigação ou rotina, mas, no
âmbito do amor de mãe, constituirá uma gratificante recompensa. E foi mais
longe: este elo afectivo edificante que é o amor materno, em cada uma destas
situações, será o alicerce das relações sociais futuras da criança. Também Alfred
Adler (1870-1937) o afirmara antes.
Refira-se, a título de curiosidade,
e pelo facto ter ocorrido ainda em 1946, o lançamento do livro Pocket
Book of Baby and Child Care, assinado por Benjamin Spock. Esta
obra viria reforçar a tónica do amor, naturalmente sensato e saudavelmente
descontraído, sem necessidade de recurso a fórmulas científicas; cuidado, no
entanto, com o “excesso de liberalismo”, alertaria Spock, em 1957, uma
vez que quem educa não pode demonstrar nunca falta de firmeza nem sequer
manifestar indecisão.
Todas estas notáveis
transformações progressivas, estas evoluções positivas, na forma de encarar,
dialecticamente, os filhos dos homens, apontam para o conceito de
transicionalidade. Ora, Winnicott, enquanto profissional conhecedor,
dedicado, empenhado e atento, no que toca à problemática infantil, para além de
todo o seu protagonismo, criou e desenvolveu o conceito de “espaço
transicional”, como sendo a distância potencial verificada entre a mãe e o
bebé, na medida da aquisição consciente da integridade corporal deste e da
consequente escolha objectal tranquila; a criança deixou de integrar o objecto
materno, mas este deve estar sempre presente vinculativamente.
Crescer é difícil e doloroso, logo a
manutenção desse “espaço transicional” permite ao bebé, aliada a outros
recursos ou “objectos transicionais”, como a fralda, a ponta do lençol
ou a chupeta, vivências criativas saudáveis em extensão transformadora com
interacções intersubjectivas conseguidas, a caminho da construção do seu
universo simbólico. Se, pelo contrário, a criança sentir dificuldades na gestão
vivencial criativa desse espaço virtual, ficará comprometido o seu crescimento
mental, a liberdade e a autonomia, sobrevindo a estagnação, a fixação, devido à
insuportável ausência do objecto... É que só o culto do amor comedido, atento e
criativo, entre a mãe e o bebé, tem o dom de curar e fazer desabrochar.
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