terça-feira, 12 de março de 2019

QUE DESEJA...?!



Imagem do Google
(Aleatória)
     Que deseja?!, interrogou-nos, há dias, no interior de uma mercearia tradicional da cidade do Porto, o seu proprietário, quando aí nos dirigimos para comprar amêndoas, nozes e pinhões. De facto, são abomináveis as grandes superfícies comerciais. São frias, humanamente falando; amplas e dispersivas; induzem a compra supérflua, etc., etc., etc..
    Em que lhe posso ser útil...?!, perguntavam-nos, há décadas, nas lojas da baixa portuense. Ah!, o tal merceeiro, ao fazer o troco, subtraiu-nos, ilicitamente: fomos-lhe nós mais úteis, afinal, na satisfação dos seus desejos inconfessados.

    Hoje em dia, ouvimos, nas lojas, amiúde: posso ajudar?!... E nos restaurantes, antes da travessa ser colocada na mesa, por exemplo: 
      – Posso?!
  Pois é! Antes verificava-se uma certa cortesia estaladiça (subtractiva); já hoje regista-se uma boçalidade rude, massificada, que vai da ajuda virtual ao acalentado “poder” (obrigatório)... grosso, descabelado, embora mornamente pragmático. E não é que as grandes superfícies estão já a adoptar o fino-trato, sem derivas nas pesagens nem no acerto de contas? E aceitam devoluções! Sem dramas! E restituem pagamentos! Calculem!... Depois não se queixem! Tudo depende do que, efectivamente, se deseja.

    Afloremos, agora, o conceito de DE-SE-JO. Este, psicologicamente, remete-nos para a nossa ancestral e primitiva ânsia temporária, a que o desejo sexual dá forma e conteúdo, antes que o orgasmo o resolva. Ao longo do continuum desse desejo – que é motor de todos os outros –, “o mundo pula e avança” - António Gedeão (1906-1997), sempre que o mesmo se protagoniza e contextualiza salutar e civilizadamente. Caso contrário, os indivíduos podem enfermar de frigidez ou impotência (anedonia), ou de satiríase (os homens) ou de ninfomania (as mulheres).


    Filosoficamente, Platão (428-348 a. C.) distinguia entre desejo e razão (embora em termos complexos), enquanto Aristóteles (384-322 a. C.) considerava o desejo como uma forma de apetite, nem sempre irracional, já que daria cor, também, a uma deliberação consciente. Modernamente, Sartre (1905-1980) considerou o desejo impossível de satisfazer, por aspirar a possuir a transcendência do outro sem ignorar o seu corpo, reduzindo-o à sua simples facticiedade, sem necessidade e sem razão, incorrendo na artificialidade. Na contemporaneidade, o desejo é cego, também por ser vampiresco, capitalista e selvagem, orientando-se no sentido solidamente material do sangue, do suor e das lágrimas das maiorias mais vulneráveis e fragilizadas do planeta... E vai fazendo história!

11 comentários:

  1. me encanta como escribes como comentas eres increible abrazos desde Miami

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  2. Bom fim de noite amigo.
    Hoje tem escrito por lá inspirado por aqui.
    Que bela relação reflexão sobre o expressar e proceder-se.
    E são os desejos os motores de toda esta coisa que assistimo amigo.
    Muito bom Humberto.
    Abraços

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  3. Humberto,te vi no Toninho e vim te ver.Gostei muito da bela leitura ofertada aqui! abraços, chica

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  4. Muito bom. Adorei lê-lo:))

    Hoje:- Caminhos da ilusão...

    Bjos
    Votos de uma óptima Quarta - Feira.

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  5. Um texto muito bom e reflexivo, Humberto. Vi no Toninho a referência ao seu blog e vim conhecer de perto...
    Você escreve com conteúdo de qualidade, parabéns.
    Abç

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  6. Ah... As tabernas do Porto...
    Umas de meus ancestrais
    Que querendo ganhar mais
    Vieram o Brasil por conforto.

    O clã maior já está morto
    Mas as memórias dos pais
    São minhas e imortais
    "Me guiam" por rumo torto.

    Meu prezado amigo Humberto,
    Tu me pões no rumo certo
    Trazendo a bela lembrança

    Da vendinha onde desperto
    Com o avô ali por perto
    Que uma balinha me alcança!

    Recordar é viver... Belíssima crônica, Humberto! Parabéns! Abraço fraterno! Laerte.

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  7. Respostas
    1. Meu caro amigo, mas que belo entrelaçar de memórias!
      Um abraço.

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  8. É bom ver como encadeia as ideias de forma a tornar a sua leitura tão interessante. Como interessante é analisar o desejo ao longo dos tempos tanto psicológica como materialmente…
    Uma boa semana, meu Amigo.
    Um beijo.

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  9. Olá, Zé
    Esta é já a 3ª vez que tento colocar aqui um comentário!
    Achei interessante esta abordagem ao DESEJO: uma dicotomia ímpar!
    Ainda bem que, agora, podemos estar tranquilos nas grandes superfícies:além de um atendimento personalizado, não somos enganados.
    Texto que li com imenso gosto.
    Um beijinho
    Mana

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  10. Verdade! O comércio tradicional não pode ser trauliteiro nem chico-esperto!
    Beijinho.

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