quarta-feira, 3 de abril de 2013

O LOGRO DOS MEGA-AGRUPAMENTOS




     Permitam-me que comece por referir alguns dados essenciais ao assunto em epígrafe: a 17 de Maio de 1927, a ditadura militar, (instaurada em Portugal desde o dia 28 de Maio de 1926), através do Decreto 13619, encolhe a escolaridade obrigatória de seis para quatro anos; com o Decreto 18140, de 22 de Março de 1930, já com Salazar de pedra e cal no executivo, aquela é reduzida para três anos, ficando concluída no final do 1.º grau. Depois as regentes escolares passariam a leccionar desde que possuíssem “idoneidade comprovada”... e a 4.ª classe.

      Em 1955, o ministro Leite Pinto é autorizado a impôr que os rapazes cumpram quatro anos de escolaridade, disposição que só viria a vigorar para as meninas a partir de 1961. Em 31 de Dezembro de 1964, Galvão Teles, através do Decreto-Lei n.º 46136, consegue prever a implementação de seis anos de frequência escolar (quatro de ensino primário e mais dois no âmbito do 1.º Ciclo dos Liceus), configurando o inovador e refrescante Curso Unificado da Telescola, que iria para o ar no ano lectivo de 1965/66. Este curso atribuía o diploma da 6.ª classe. Em 1967, o 1.º Ciclo dos Liceus é fundido com o Ensino Técnico Elementar, que dá origem ao Ciclo Preparatório. E como “a experiência colhida aconselha a proceder a novas alterações”, em 7 de Abril de 1969, o Decreto-Lei n.º 48963 impõe a reorganização da Telescola.

    Escassos anos depois da morte de Salazar, em 1973, no “reinado” irritantemente indefinido e anémico de Marcello Caetano, o ministro da Educação, Veiga Simão, tentou implementar, no sistema educativo, uma reformazinha mais ou menos arejada, tendo em conta a mentalidade profundamente tacanha e quadrada dos políticos de então – os de hoje pedem meças -, construindo novos liceus, amplos, modernos e funcionais (no Porto – Garcia de Orta e António Nobre), no centro de áreas imensas com jardins lindíssimos, para frequência de turmas mistas (revolução “sexual” surpreendente), tendo previsto alargar a escolaridade para os oito anos de frequência obrigatória, numa tentativa preventiva de corporização da primeira fase daquilo que viria a constituir, alguns meses depois, a incontornável massificação do ensino.

        De boas intenções está o inferno cheio. Com o 25 de Abril, a reforma de Veiga Simão cairia por terra. Até ao Dec. Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), tudo permaneceu na mesma. Este alargaria a escolaridade para os nove anos e empurraria o legislador para a redacção cuidada do Decreto-Lei n.º 139-A/90 de 28 de Abril (Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário). Este instrumento legislativo integrava artigos fulcrais para o sucesso da vida docente e da prática pedagógica, que nunca viriam a ser regulamentados, devido à tacanhez economicista e à anémica lassidão anímica dos governantes. Foi antes revogado e, em Janeiro de 2007, substituído por um diploma diferente, intragável e arrepiante, da responsabilidade da desfasada tecnocrata de má memória, Lurdes Rodrigues, de resto, afastada no fim da primeira legislatura de Sócrates. O documento, esse, prevalece. Ah! O ministro chama-se, actualmente, Nuno Crato, o que vale por dizer que é outro, assim como o governo, mas tudo continua a caminhar de mal a pior. Antes, a ministra dava pelo nome de I. Alçada... I. de inenarrável. Adiante! Em 22 de Abril de 2009, Sócrates publicita a intenção de cobrir 12 anos de frequência escolar obrigatória que, ao que parece, teria a sua estreia, no ano lectivo de 2010/2011. E o rei sempre despudoradamente nu... Será que alguém o divisa?!

      Evidentemente que, logo após a revolução dos cravos, o castigador reflexo de todas as asneiras e arbítrios protagonizados por aqueles que, sem nenhum tipo de experiência governativa ou mesmo de vida, nem nenhuma espécie de capacidade político-estratégica, foram tomando conta das rédeas do poder em Portugal, só porque integravam os quadros partidários, viria a causar um incomensurável rol de estragos, a todos os níveis, mormente no que diz respeito à Educação Nacional. Legislação a rodos; muita conversa fiada; ignorância, incompetência e mediocridade gritantes.

        A este propósito, recordo apenas este mero sinal, que tange as raias do absurdo: sempre que o número de alunos de uma escola aumentava substancialmente, não se procuram novos terrenos para a construção cuidada, racional de um novo estabelecimento de ensino, não. Asfixiava-se a área de recreio dos já existentes, montando aí barracos pré-fabricados, autênticas saunas nos dias quentes e refrigérios nos dias frios, que a escola não é para brincadeiras.

       Tudo isto em nome de um economicismo redutor, primário, irracional mas, aparentemente, irreversível. Não obstante, depois da Segunda Guerra Mundial, a Europa ter estruturado um nível de vida assente em princípios, em normas e em regras, que redundariam na alta ponderada da produção industrial, em paralelo com a regulamentação rigorosa dos mercados, visando garantir o equilíbrio das contas públicas e, aos cidadãos, o emprego e a devida qualidade do tecido social e familiar, por todos há muito ansiada, e que, segundo anunciou Harry Truman, em 1949, viria a incluir também os países subdesenvolvidos!!!

       Para estes, no entanto, tal não aconteceu! O filósofo norte-americano Francis Fukuyama, em 1989, constatou o “fim da história”, e a queda da “modernidade”, por força do avassalador avanço do capitalismo selvagem, propiciado pela desregulamentação dos mercados. É que o rigor, a dura e exigente regulamentação, as tarifas alfandegárias de controlo e a qualidade dos produtos tinham sido acordados pelos grandes países ocidentais, no ano de 1934, apenas por 40 (quarenta) anos, em consequência do “crash” de 1929, da Bolsa de Nova Iorque. Assim, hoje já não importa a expansão e a prosperidade, o investimento e a paz social. Hoje aposta-se, em nome dos senhores do dinheiro, leia-se, dos accionistas e gestores das mega-empresas, no declínio, na destruição ecológica, na degenerescência cultural da vida quotidiana dos cidadãos, no desemprego galopante, desde que isso signifique mais lucros para os accionistas e chorudos prémios para os gestores.

      É neste contexto que surgem os Mega-Agrupamentos. Não é mais necessário construir barracos de curta duração, para tapar o sol com a peneira. No interior do país fecham-se a maior parte das escolas e todas as restantes instituições de apoio aos cidadãos, enquanto se vai dotando esse mesmo interior de inúmeras e caríssimas auto-estradas (?!); amontoam-se as crianças nos mega-agrupamentos, de feição ingenuamente eleitoralista, gera-se a confusão e degenera-se a vida cultural das pessoas, a partir da ausência do fomento de competências compatíveis com as necessidades do dia-a-dia civilizacional. É a política da terra queimada. De resto, Portugal tem estado literalmente a arder. Torna-se cada vez mais fácil manipular a população e, simultaneamente, mantê-la inofensiva, passiva e pacificada através do exercício esmolar dos subsídios sociais, ditos de inserção.

       Por isso, os mega-agrupamentos são um logro. Não formam cidadão capazes, porque os professores não passam de paus-mandados, sem autonomia nem independência docentes; sem personalidade nem dignidade profissionais; sem estatuto sócio-profissional condigno nem estatura individuais. Sem tempo para pensar nem sequer para dormir. Sem nada!

       Por isso os mega-agrupamentos são uma fraude. Não levam em linha de conta as necessidades especialíssimas e específicas dos vários níveis etários dos alunos -- sobre este aspecto particularíssimo discerniremos em um outro artigo – “Atávico Fatalismo”. Ignoram, deliberadamente, a curva de aprendizagem das crianças. Esquecem o coeficiente fanogénico dos estudantes. Atropelam a reestruturação de saberes. Conforme tenho escrito, esta exige, fundamentalmente, tempo de sedimentação. Não levam em linha de conta a extraordinária estratégia que constitui a verificação dessa formidável construção psicopedagógica e didáctica que dá pelo nome de ponte conceptual.

       Por isso os mega-agrupamentos são uma cilada. É impossível pactuar com os inconfessáveis desígnios neo-liberais do actual polvo da globalização, a um tempo, sufocador e suicida.

Nota: net pic