segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

CINCO SENTIDOS



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Vê que sem tom nem som não faz sentido
se lutas ocultando cais e bares
na vaga do bramido dos teus mares
sabendo que naufragas num gemido

Escuta do teu corpo soerguido
a soturna razão dos lupanares
na fatal relação dos falsos pares
onde vibram sussurros num rugido

Inala desses fragrantes excessos
o Norte que sobeja lá no fundo
e pensa no melhor que tem o mundo

quando face à verdade destes versos
sentires o palato mais rotundo
a valer pelo melhor dos regressos

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

O DOMÍNIO DA LINGUAGEM



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    É sabido que os animais comunicam entre si – os da mesma espécie taxionómica, bem entendido, mas, muito embora possuam as suas vozes características, interessantes, curiosas e diferenciadas, não o fazem com aquela acuidade cognitiva e conceptual que é apenas apanágio do Homem. Este é dotado de consciência alargada, memória e inteligência superior, com tudo o que isso representa; aqueles dispõem apenas de consciência nuclear, memória residual e inteligência reduzida e variável.

    A espécie humana é composta por criaturas que integram, cada uma delas, matéria e espírito. Em sânscrito, homem significa mediador, isto é, a mente que tudo mede, tudo pondera e decide, ou não, para o Bem e para o Mal. Por isso, os homens não se medem aos palmos, o que significa ainda que a sua força interior é mil vezes superior à sua massa corpórea. Nesta conformidade, cada ser humano encerra em si próprio, no tesouro da sua mente, a extraordinária capacidade de pensar, de sentir, de se emocionar, de sonhar e imaginar, de alimentar expectativas e afectos, sejam eles de aversão ou de atracção, de cultivar desejos, anseios ou decepções.

    Esta determinação superior (filosoficamente, entendida como tal), colocada à disposição do Homem, consubstancia-se através do domínio da linguagem, em interacção com o outro, depois de ter entrado na ordem da linguagem que o precede e lhe baliza os desejos primários, transformando-o em ser social. Se este processo de aprendizagem e crescimento mental não for bem sucedido, gerar-se-ão, ao nível do subconsciente, emoções degenerativas (somatopsícóticas), manifestamente tóxicas para o indivíduo e para quem o rodeia. Assim, é importante o discernimento entre o Bem e o Mal, para sermos capazes de criar e de construir, através do raciocínio emocional positivo, tudo quanto acreditarmos, in-ti-ma-men-te, com fé e esperança, invertendo e inviabilizando todo o sofrimento desnecessário.

    Já aqui reflectimos sobre o inconsciente colectivo-transgeracional, enquanto fenómeno psicossocial-transversal (Jung), portanto, algo a que todos estamos sujeitos. Trata-se de uma espécie de reservatório mental inconsciente que vai acumulando todo o tipo de lixo tóxico, em quantidade e rapidez, tanto mais perigosamente (para além do nosso passado colectivo), quanto mais omnipotente, omnisciente e omnipresente se têm tornado (no momento actual) as novas tecnologias e a voracidade dos mercados, o despudor dos interesses instalados, a desfaçatez dos políticos, o açaime dos imperialismos.

    Agora, que vai ter início o ano de 2019 fica esta nossa despretensiosa mensagem de Ano Novo: saibamos seleccionar os objectos de eleição, mantendo uma mente limpa e activa em um corpo vigoroso e saudável (mens sana in corpore sano -- Juvenal), e, como defendia Platão, citado por Mark Vernon (1966-....): através do domínio da linguagem e com amizade, “as pessoas podem explorar abertamente as complexidades das suas vidas e como se relacionam com as suas convicções, os seus sentimentos, as suas esperanças e o seu carácter”, surgindo, assim, “novas maneiras de compreender e avaliar o mundo” (Vernon, 2011, p. 41).




segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

NATAL 2018


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I
Saiam todos a cantar
De dentro de cada um
Por mais que custe lembrar
O passado incomum

II
O Natal é uma roda
Que volta sempre até nós
Não deixem que seja moda
Muda medida de cós

III
Partilhemos comunhões
Noções de Bem e de Mal
Desprezem suposições
Vivam um Santo Natal

NOTA: A todos os leitores do presente Blogue - Angulus Ridet -desejamos Boas-Festas, em Paz e Harmonia.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

O CIRCO DA POLÍTICA




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     Com o 25 de Abril ocorrido há já pouco menos de meio século, achamos por bem redigir algo sobre os políticos e a habilidosa arte de fazer política, tal e qual se passa, as mais das vezes, no circo da vida, no circo dos nossos convencimentos pessoais, no circo, enfim, das mais elementares relações que levam cada um de nós a manter com o outro determinado tipo de contacto, dependência ou ascendência.

     Sempre se urdiu, a este nível, uma complexa teia de relações, mais ou menos profundas, entre a arte e a política, e vice-versa, sendo mesmo de considerar, a política em si, como uma manifesta exibição artística que aprimora o convencimento e a condução das massas, antes mesmo da prática performante da governação dos estados. É que sem aquela não se chega a esta.

     A política, no entanto, tem sido já vista também como a precipitada consumação de um conjunto de atitudes de lesa-arte, tendo em conta a inconsequente imprevisibilidade da sua acção no terreno, como nos testemunham, a título de exemplo, muito recentemente, as ocorrências verificadas no museu de Bagdad. Tal facto, está bem de ver, legitima a pertinência do debate sobre a presença da política na arte.

   Se quisermos, não há quem nos possa impedir de olharmos a natureza virgem como um imenso painel artístico que, despudoradamente, os políticos, por incompetência, ligeireza ou fraqueza mental, não têm sido capazes de preservar, em prol do interesse dos países.

     Contemporaneamente, tanto a história da arte como a história da cultura perpassam face à nossa inteligibilidade como fazendo parte do devir civilizacional, consideradas no quadro das suas diversas nuances. De acordo com Wolfflin (1864-1945), habituámo-nos a fazer do passado uma leitura que empresta supremacia à evolução da forma na arte, em detrimento da época histórica. Constata-se hoje, porque disso nos damos conta, a par e passo, que “quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto”, conforme acautela o anexim popular, por isso, e porque dos fracos – leia-se – dos vencidos não reza a história, importa sobretudo perceber a contextualização dos factos, para que os mesmos se tornem história, enquanto relato criteriosamente decalcado da realidade factual. Assim, a integração social da obra de arte, ainda que considerando o período romântico como que imbuído de um claro clima de fuga, de “exclusão”, de grito de “liberdade artística”, não passa, quer se queira quer não, de uma independência politicamente moldada pelas alterações sociais e tecnológicas a que o artista estava irremediavelmente sujeito.

     Embora Mikel Dufrenne (1910-1995) tivesse vaticinado o “fim da arte” e tenham surgido “outras artes radicalmente diferentes”, muito se escreveu, debateu e especulou sobre questões ligadas à “arte pela arte” em contraponto com a “arte com mensagem”... crítica. Não raro, os escritos comportam conteúdos que não são maniqueístas e, tanto faz que nos coloquemos face aos formalistas, à frente dos quais se apresenta Clement Greenberg (1909-1994), como sigamos atentamente a filosofia em que assenta a estética marxista e a sua “arte para todos”, para rapidamente concluirmos que a arte se mescla com a política, tanto quanto com o poder eclesiástico ou com o poder governativo em geral, sendo mesmo ténue ou até imperceptível a fronteira que se esboça, ou não, entre uns e outros.

     Exemplos eloquentes desta indissociável sobreposição, quantas vezes estratégica, contam-se nos inúmeros símbolos artísticos, quantas vezes monumentais, postados na frente dos edifícios institucionais; recordam-se os quadros e os retratos dos reis, dos chefes, dos presidentes, imperadores e governantes, nos quatro cantos dos seus respectivos domínios; passam-nos pela mãos, diariamente, as moedas com as suas caras... ontem como hoje, desde a Roma imperial até aos regimes totalitários que fizeram vergar a Europa durante a primeira metade do século vinte.

     A arte, ao ligar-se de forma tão estreita com a política, bifurca-se entre o serviço que pode prestar ao poder e a sombra que lhe pode fazer, seja qual for o regime que tomemos como exemplo – democrático ou totalitário. Estamos perante uma forma de expressão artística reactiva, com intenção social, que opera numa base de desconstrução e radicalização de conceitos do “mundo da arte” especialmente, e da sociedade em geral, quando se decide pela contestação. Esta, “critica autocriticando o sistema no qual se integra, metamorfoseando-se com outros sistemas exteriores ao artístico”.

     O circo da política reveste uma multiplicidade de nuances artísticas, através do desfile colorido do cortejo reactivo de analogias que adquirem formas bizarras, nas atitudes e comportamentos dos seus protagonistas ou, tão-só, devido à subtil arte de passar despercebido, quanto tal se impõe, de se omitir, quando tal é “necessário”, de recriar Pilatos, mesmo quando, manifestamente, lavar as mãos não chega.



quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

NOVOS RUMOS E METAS PARA A EDUCAÇÃO


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     O Século XXI começou já ontem e muitas das realizações, ao nível da educação, que se esperava fossem concretizadas para essa altura, tardam em ser sucedidas. O tempo continua a ser de grandes expectativas e torna-se urgente não contemporizar com contratempos que a destempo do próprio tempo de acção útil e necessária, venham a sacrificar a capacidade de resposta do próprio sistema educativo, nomeadamente no que diz respeito, num âmbito político alargado, a aspectos, não só de feição económica e social, mas também de cariz cultural e ético.

     Quem espera desespera... Quem espera sempre alcança... Conforme rezam os ditados populares; no caso da educação existem demasiados sectores da vida nacional, senão mesmo quase todos, a desesperar e a alimentar, paralelamente, esperanças em demasia, sem que existam contrapartidas palpáveis, no sentido de dotar o sistema educativo das tais defesas vitaminadas que o tornariam forte e bem vivo.

       Embora legítimas, as expectativas das populações, cada vez mais exigentes, podem esbarrar contra a dureza da realidade imposta pela ginástica, também necessária e urgente, das opções económicas e financeiras de um país que tem obrigatoriamente de cumprir um determinado nível de défice e que deve, portanto, definir políticas educativas reformistas, por um lado, mas, por outro lado, ser capaz de estabelecer prioridades, de forma a garantir a estabilidade do sistema e o seu normal funcionamento, alicerçando principalmente a sua base, ao nível da Educação Pré-Escolar e dos primeiros anos de escolaridade fundamental.

      A partir de 1976, a Constituição da República Portuguesa aludia à igualdade de direitos e oportunidades educativas para todos sem excepção, mas, hoje em dia, com o agravamento de dificuldades de todo o tipo e à consequente escassez de recursos, a sociedade tem de, primeiro, se autodisciplinar e, depois, tentar fazer uma reflexão profunda sobre as medidas mais sensatas a tomar, no campo educativo, de forma a permitir o progresso económico, social e cultural sustentado e previsível.

      Não gostaríamos de falar aqui de uma qualquer crise das muitas que, na verdade, afectam o país, mas não podemos deixar de constatar a tão grande contradição que se verifica entre o conjunto diversificado de cursos em que se diplomam os nossos jovens e o número ínfimo de indivíduos realmente preparados para ocupar os empregos que a sociedade hoje (não) tem para oferecer a quem sai das universidades.

     A qualidade e o nível de desenvolvimento intelectual, aliados a uma cuidada preparação das competências profissionais dos recém-diplomados, podem servir as empresas de bens e serviços, o comércio e a indústria, mas não respondem cabalmente às exigências de uma carreira de investigação universitária; da mesma forma, enquanto que ao nível das artes em geral: som e imagem, por exemplo, são exigidos meios muito específicos e dispendiosos, para a aquisição de competências especialíssimas e muito trabalhosas, no que toca à preparação e escolarização das crianças e da sua formação geral, devem ser equacionadas medidas de carácter particular, completamente diferentes daquelas, mas sempre suportadas por verbas que não são nunca suficientes, se quisermos dotar o ensino obrigatório de mais e melhores professores, de mais e melhores instalações e espaços verdes, de mais e melhores recursos, materiais e humanos, de apoio, enfim...

     Nesta medida, e tendo em conta as finalidades da educação, importa repensar a nossa sociedade e até que ponto ela pode ser ou não apelidada de educativa; quais os limites e interdições a que essa mesma sociedade deve estar sujeita, por força dos descalabros que certas franjas de que se reveste têm protagonizado em prejuízo da maioria daqueles que efectivamente trabalham e produzem.

     Vivemos, ainda assim, num estado de direito democrático e, por isso mesmo, pensamos que se impõe, no interesse de todos nós e do desenvolvimento integrado do nosso pequeno rectângulo lusitano, um debate sério sobre esta matéria, no qual participem os mais habilitados e honestamente interessados, depois de arrumadas as ideias e estabelecidos os novos rumos e metas da educação, no nosso país.


terça-feira, 18 de dezembro de 2018

NO LIMIAR DA ESCOLA INCLUSIVA (?!)



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    Há muito quem fale da escola inclusiva como algo de inevitável, por considerarem, imagine-se, de efeitos milagrosos; a exemplo, aliás, daquilo que se tinha antes verificado com a flexibilidade curricular, depois de testadas muitas outras receitas de jaez meramente teórico-livresco, afanosamente propaladas por quem nunca leccionou e também pelo grupo daqueles que, embora tivessem começado no terreno duro e difícil de “contexto de sala de aula”, rapidamente fugiram para o lúdico coleccionismo de cursos e mais cursos, perderam rapidamente a noção da realidade ensino/aprendizagem, mas, conseguem ter o desplante de, em prédicas, palestras e “formações” (?!), nos apontarem os mais absurdos e descontextualizados caminhos de orientação lectiva.

    A este propósito, vamos recordar aqui um caso, do qual nos deram parte, de uma criança em idade escolar, adoptada , sofrendo de comportamentos acentuadamente disruptivos, caracterizados por acções e reacções inopinadamente violentas, agressivas, destruidoras, caóticas.

    Estranhamente, a mãe adoptiva não encara a dura e notoriamente visível realidade protagonizada pela própria criança e, não só nega tudo aquilo que se vai passando com o menino, mas também, depois de testemunhar as insólitas atitudes e “loucuras” do Abel, assobia para o ar, como se nada fosse.

    Avancemos, no entanto, mais alguns dados sobre a questão vertente: o Abel, ao longo deste último ano, depois de vezes sem conta ter desempenhado, na sala de aula de uma turma do ensino regular, o papel de terramoto e furacão e tanque bélico, virando carteiras de pernas para o ar, arrancando, sem mais nem menos, das paredes os expositores com os trabalhos dos colegas, puxando cabelos, desferindo caneladas, arranhando, cuspindo, mordendo, a torto e a direito, os outros meninos e a professora... bem, ao abrigo do Dec.Lei nº 319/91, passou a integrar, contra a vontade da senhora que detém a sua custódia legal, a turma do ensino especial.

    Agora, nesta turma, com professores superiormente habilitados para o efeito, nada se alterou em relação ao Abel. Modificou-se, isso sim, relativamente ao sossego e à tranquilidade dos outros meninos, alguns deles com deficiências profundas, impossibilitados de se defenderem das agressões repentinas do Abel. Tornaram-se inquietos, nervosos, ansiosos, sofrendo desnecessariamente por causa de uma outra criança que se encontra, declaradamente, no limiar da Escola Inclusiva. Este problema tem de ser solucionado, valha-nos Deus!

    A mãe, entretanto, não consegue adquirir consciência da verdadeira dimensão do problema e denuncia o caso, através da sua versão muito subjectivamente particular, aos responsáveis regionais, pelo que estes lhe garantem que o menino deverá ser reintegrado na turma do ensino regular que tinha frequentado antes.

   Em nossa opinião, todo este caso, a provocar já demasiado rebuliço, deve ser analisado com cuidado, atenção, ponderação, profissionalismo e sentido clínico-pedagógico, pois trata-se de uma criança especialíssima a requerer cuidados também especiais e acompanhamento especializado e permanente, numa instituição vocacionada para o efeito.

    Imaginem, por hipótese, que na nossa sociedade , que é inclusiva, se não dava destino específico, terapêutico, pedagógico, profiláctico, diferenciado, conforme os casos, a doentes do foro psiquiátrico, a assassinos, a violadores, a traficantes e ladrões, e se deixava tudo “à balda”, então onde é que íamos parar todos?


    Relativamente ao Abel, será de toda a conveniência e em nome do mais elementar bom senso, reunir todas as partes envolvidas, na tentativa de definição de uma solução útil e de consenso. Não pode ser suficiente a versão solitária e subjectiva desta mãe fragilizada, destroçada pela angustiante dor e sofrimento de uma adopção que a sorte não bafejou.

domingo, 16 de dezembro de 2018

PROBLEMAS NEURO-PEDAGÓGICOS



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   Na generalidade das mais diversas situações, particulares, oficiais, gerais ou de fundo, as coisas são como são, como dizia um famigerado político da nossa praça, e não como a distorção da nossa visão subjectiva as projecta na nossa mente e as veicula aos outros, naquela linha também de quem conta um conta acrescentando-lhe um ponto.

    Nesta conformidade, no âmbito da aprendizagem, devem ser observadas condições mínimas essenciais, para que as coisas funcionem, enquanto atributos fundamentais de cada estudante, ao nível da motricidade, da percepção visual; do esquema corporal, a saber lateralidade, orientação espacial, orientação temporal; acuidade auditiva, vocabulário e facilidade de expressão; memória e motivação intelectual.

     É evidente que sem uma máquina bem oleada, esta emperra e não anda, ou seja, tudo deve estar operacional, para que os desideratos pretendidos possam ser plenamente visados. Verificam-se, por vezes, inúmeros condicionalismos, num quadro de difícil ou até mesmo impossível percepção e abordagem por parte do professor, dado que se inserem no contexto que aqui optamos por, temerariamente, designar de neuro-pedo-problemática.

     Nesta medida, se estivermos em presença de alunos com problemas motores graves, mais sérias serão as hipóteses de se virem a verificar contratempos no normal fluir das aprendizagens.

     Fundamental mesmo é a visão, se perfeita, sentido imprescindível na aprendizagem da leitura, da escrita, do cálculo mental e das situações problemáticas. É óbvio que uma visão deficiente ou deficitária pode impedir a cabal interiorização das letras, dos sinais da pontuação e de todo o código semântico que possibilita a leitura correcta e significativa de um texto.

      Podem ocorrer mesmo disfuncionalidades ao nível da dislexia e da disortografia, por força de uma incorrecta percepção visual. Nestes casos só há uma saída: a entrada do gabinete médico ( de que deveriam estar dotadas todas as escolas), para que se proceda a uma rápida, conveniente e criteriosa despistagem clínica da anomalia.

   Tendo agora, em linha de conta, o esquema corporal, como refere Wallon, 1968: “representação relativamente global, científica e diferenciada que a criança tem do seu próprio corpo”, chegamos ao entendimento da maneira como se vai construindo a personalidade infantil.

      Uma criança perfeitamente integrada face ao seu próprio corpo e respectivos membros, saberá sempre situar-se perante os vário objectos à sua volta, em relação às outras pessoas e, até, conseguirá o registo correcto dos factos ocorridos relativamente à sua pessoa e, ainda, no âmbito da relativização dos factos em si , entre si, enquanto tais.

      Um esquema corporal bem definido e estruturado, dá à criança uma consciência plena do seu eu e do espaço onde se move.

    Com o decorrer do tempo, isto é, com o passar das semanas, dos meses e dos anos, enquanto se processa o normal desenvolvimento (crescimento) de qualquer criança saudável, um dos hemisférios cerebrais irá determinar a chamada dominância lateral, ou seja, um deles impor-se-á mais forte, mais preciso e ágil, em detrimento do seu oponível. Se for o direito, a criança será esquerdina; se for o esquerdo, a criança será dextra. Há assim uma situação que, ao que se julga, será hereditária, não devendo ser contrariada, no caso da criança demonstrar ser esquerdina, quer dizer, se for comandada pelo hemisfério direito do cérebro. Há bem poucas décadas ainda (ou anos), pais e educadores sentiam-se na obrigação, tola, de resto, de reprimir aquela tendência perfeitamente natural e inócua dos seus filhos e educandos.

     No que diz respeito à definição do desenvolvimento de um e de outro hemisfério, existem estudos que garantem que a mesma se começa a verificar em termos de estabilização, entre os seis e os nove anos, podendo mesmo situar-se no âmbito desse espaço temporal a finalização do seu desenvolvimento biológico.

    Sempre que a lateralização se apresenta indefinida ou cruzada, os problemas , aí sim, agravam-se, sendo de consultar o clínico competente para o efeito. E que jeito dava um banho de civilização nas nossas escolas... Referimo-nos aos tão ausentes quanto necessários gabinetes médicos.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A EDUCAÇÃO NACIONAL EM MONÓLOGO



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    Apresentamo-nos aqui: eu sou a Educação Nacional, este é o meu fiel Conselheiro Jericowesky e, na nossa companhia, vão estar também a Educação de Infância, o 1º Ciclo do Ensino Básico, o 2º Ciclo do Ensino Básico, o 3º Ciclo do Ensino Básico e o Ensino Secundário.

    Eu, visto de branco, porque, cada vez mais, nesta matéria, se trata de uma questão de falta de cor, ou de cores, se quiserem; enfermo mesmo de uma triste e depauperante anemia renitente. Senão reparem:

    Estive enfeudada à Igreja até 1772, altura em que o Marquês de Pombal tomou as minhas rédeas e transformou a educação em assunto do Estado e os professores em funcionários públicos, a troco de dez reis de mel coado. Esta situação durou até ao Estado Novo, tendo-nos concedido, embora, algum poder e autoridade.

    Ah!, durante a República, com o Movimento da Educação Nova, foi incrementado o associativismo docente que traria aos professores uma maior dignidade profissional e uma intervenção mais palpável junto do sistema educativo.

    A profissão, então, passou a ser mais valorizada, sendo mais prestigiado o estatuto sócio-profissional docente, de parceria com a criação de melhores condições de formação inicial e contínua e com o reconhecimento de uma maior autonomia na escolha dos conteúdos programáticos e dos métodos pedagógicos.

    Com o Estado Novo, a Educação e os professores ficaram, da noite para o dia, rigorosamente espartilhados, política, ideológica e profissionalmente.

    Reparem só no que aconteceu a 17 de Maio de 1927: o Decreto 13619 fez encolher a escolaridade obrigatória para quatro anos!

    E depois, a 22 de Março de 1930, através do Decreto 18140, a frequência escolar foi reduzida para três anos, ficando concluída no final do exame do 1º grau.

    Um ano depois são chamados ao ensino os regentes escolares, pessoas sem qualquer tipo de preparação didáctico-pedagógica.

    Em 1967 sopram os primeiros ventos da escola de massas com a criação do Ciclo Preparatório (seis anos de escolaridade).

    Em 1976 a nova Constituição refere a igualdade de oportunidades para todos no acesso à Educação (obrigatória e gratuita)... Ah, Ah, Ah!.

   Em 1986, a Lei de Bases do Sistema Educativo implementa nove anos de escolaridade obrigatória.
Em todos estes anos de democracia “sui generis” movimentam-se os sindicatos da Educação, sem que, na prática, tenham conseguido ou querido abalar com as retrógradas estruturas e vícios do sistema.

     Os professores melhoraram a olhos vistos a sua formação inicial e contínua, mas não existe “feed-back” institucional por parte da tutela.

    A Educação de Infância continua a ser uma autêntica farsa, pois não são respeitadas minimamente as reais necessidades e direitos das crianças em instalações condignas (por que razão não dormem as crianças nos jardins-escola?!!!), nem os Educadores nos seus direitos estatutários.

    Continua a dramática situação de falta de condições de trabalho, a ausência gritante de gabinetes para investigação nas escolas, as turmas com vários anos de escolaridade, os mega-agrupamentos, a falta de sensibilidade ou vontade política para os aspectos educacionais que se prendem com as potencialidades relacionais do indivíduo, visando a construção de uma teia vivencial saudável que urge urdir já hoje, na construção da sociedade de todos os dias.


    Eu sou, meus amigos, a Educação Nacional; ou antes, gostaria mesmo de ser... Talvez um dia destes... Quem sabe?!...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

A SENSIBILIDADE DOS PROFESSORES



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      Há dois ou três anos, foi-nos dado conhecer uma jovem estudante da Escola Superior de Educação do Porto, numa altura em que frequentava já o último ano do curso. A Sandra, nos seus poucos tempos livres, frequentava e frequenta o ginásio onde também, sempre que possível, tentámos diluir as nossas tensões laborais e, aí mesmo, costumámos conversar sobre os vários problemas que afectam o sistema educativo nacional e sobre as expectativas da Sandra, face à profissão que começa agora a desempenhar.

      Até aqui, nada de surpreendente afinal, ou não fosse o excepcional entusiasmo, autenticamente cenestésico, que esta nova professora coloca em tudo o que diz quando se refere à sua primeira experiência profissional que ocorreu durante o último ano lectivo, com um primeiro ano de escolaridade, numa escola do Norte de Portugal.

      Não é por acaso que a Sandra rapidamente granjeou a simpatia e amizade dos pais das crianças, a aceitação e carinho dos alunos e a camaradagem dos colegas, depois de um ano de trabalho aturado, repleto de sucesso docente e discente.

      Esta introdução serve apenas para que se não perca a esperança na real dedicação, entrega e empenhamento das novas gerações de professores, a quem cabe hoje o protagonismo do papel dificílimo, mas não impossível, da preparação das crianças que passarão a integrar as novas sociedades em construção. A Sandra é, pudemos constatar, o exemplo vivo disso mesmo.

      Temos, neste mesmo espaço, feito referência à ideia de que hoje, e cada vez mais nos tempos que hão-de vir, as aprendizagens não cessam com o terminus dos cursos que cada um frequenta, nem com a conclusão compartimentada de um qualquer conjunto de saberes, conhecimentos ou competências previstas para uma qualquer acção de formação.

      A educação hoje implica uma permanente actualização de conhecimentos, fundamentais no sentido de levar os professores a adquirir confiança e à-vontade no seu quotidiano lectivo, contribuindo com a sua perseverança e presença avalizada, a sua envolvência educacional (psicológica, pedagógica, sociológica, didáctica), a sua “mestria” formativa e informativa, para a construção de um clima escolar atractivo para as crianças, de forma a prepará-las para o futuro, dotando-as de personalidades responsáveis e actuantes.

      O papel do professor, no fundo, torna-se tanto mais difícil e demolidor, quanto mais aberrante e distorcida se tem tornado a sociedade... as sociedades... e estamos a pensar na força da globalização e na sua inevitável influência. Por esta razão, a tarefa afigura-se-nos hercúlea. No entanto, o professor terá de estar preparado para forçar a mudança, advogando as vantagens da empatia e da tolerância, em contraponto com os complexos étnicos e culturais de alguns, com a intransigência antidemocrática de outros, com a ostentação agressiva de fortunas repentinas e mal explicadas e que constituem, estas, um autêntico atentado à inteligência e às dificuldades dos mais carenciados.

      O professor tem de apostar, por conseguinte, na sua capacidade permanentemente progressiva de inculcar, nos homens e nas mulheres de amanhã, o sentido da responsabilidade e do trabalho honesto, formando personalidades impregnadas de valores morais que possam nortear as suas vidas, sem nunca perderem de vista as vantagens de uma sociedade alicerçada na paz e na democracia solidária e tolerante.

      Evidentemente que depois de todo este conjunto de exigências, não seria humanamente racional, pertinente, plausível que não fossem concedidas ao professor garantias das mais diversificadas, que visem o fomento da qualidade do ensino e do desempenho profissional docente.


       Não é possível pedir tudo de uma só vez e, nada facultar em troca. Aliás, não é normal esperar que um professor aja como se de um “robot” se tratasse. As contrapartidas são deveras importantes, senão mesmo imprescindíveis e, por isso, torna-se urgente rever as condições de trabalho, as remunerações e o estatuto; com vontade política e sentido factual.

PENSAR O INCOGNOSCÍVEL




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      De acordo com as teses de Wilfred Rupert Bion (1897-1979) – profundas, complexas e geniais – a teoria do conhecimento parte do pressuposto de que conhecer tem a sua génese na emocionalidade que envolve as experiências primitivas, desde que ligadas à ausência do objecto. Desta forma, “pensar” enquadra-se numa abstracção que parte de uma realização (esquematização). Pensar os pensamentos, portanto, radica na singularidade das impressões sensoriais e no primitivismo da emocionalidade empírica primordial, enquanto fenómenos aliados à realidade protomental do indivíduo.

      Estes conceitos revolucionários desenvolvidos por Bion, extremamente úteis e fecundos para a psicologia do desenvolvimento e para a psicanálise, encontram-se ancorados na filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), nomeadamente em certos aspectos da Crítica da Razão Pura, como aquele que diz respeito à coisa em si; Kant considerou incognoscíveis as realidades que se situam fora dos limites da experiência possível, isto é, aquelas que transcendem as meras possibilidades do conhecimento, enquanto concepções espirituais (númenos) situadas para lá dos fenómenos que nos são dados percepcionar.

      Estas coisas em si podem ser pensadas (é possível fazê-lo), desde que não envolvam contradição, sem nunca iluminarem (feno) o nosso conhecimento, até porque pensar um conceito não significa atribuir-lhe validade objectiva. Não nos é dado conhecer a realidade absoluta, a coisa em si, pois desta não temos qualquer tipo de experiência nem entendimento; aquela opõe-se às aparências, de algum modo ligadas, estas, ao espaço e ao tempo, depois de materializadas através da percepção subjectivada pela nossa síntese unificadora.

      Pensar o incognoscível (a verdade absoluta) é possível, seguindo os ensinamentos de Kant e de Bion, já que os conceitos do entendimento da realidade transcendental podem ser pensados para que possamos esboçar (aflorar) os dados da experiência, sem nunca sermos capazes de ultrapassar as possibilidades da mesma... Diz-nos Bion, sobre o nosso psiquismo, onde se internalizam as pré-concepções ou conhecimentos a priori, que aquele se configura admissível como “coisa em si” ; esta área, embora inacessível, é passível de ser imaginada, e, sendo pensados os seus elementos é porque se operou a função-alfa (depressiva e integradora), dando sentido à realidade, e fundamental em toda a sua capacidade transformadora das impressões sensoriais e das experiências emocionais, formando conceitos e gerando conhecimento, e ainda para que os elementos-beta (dispersivo-esquizo-paranóides), avessos à frustração e incapazes de tolerância, não sejam destruídos do pensamento – por evacuação (identificação projectiva), onde impera (apenas) a arrogância, a estupidez e a curiosidade.

      Nesta conformidade, a oscilação entre as posições Esquizo-paranóide e De pressiva, aliada à interacção vinculativa continente-conteúdo (mãe-bebé), permite ao sujeito, não só tolerar a frustração, aceitando conceber abstracções, realizações exactas e performances técnicas, mas também o abandono pacífico das perspectivas passageiras das coisas sensíveis ou sensitivas, através da função-alfa. Ou melhor: na posição depressiva gera-se a experiência de conhecimento e os elementos-beta (neste transe) podem ser pensados, depois da experiência do conhecimento ao qual se alia o facto seleccionado (o seio) – no caso da relação primária mãe-bebé, enquanto modelo prototípico humano.

NOTA: Pela sua importância e flagrante actualidade (ignoradas), voltaremos ao assunto.



quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O HIPOCONDRÍACO




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      Por norma melancólico, condicionado por uma tristeza profunda, o doente hipocondríaco permanece, invariavelmente, refém de uma teia terrível de doenças imaginárias que, por isso mesmo, só ele consegue congeminar. Ser hipocondríaco acaba por encerrar o indivíduo no temor inconsciente de si próprio e da sua saúde, ou antes, da ausência desta, levando-o a comportamentos de auto-observação minuciosa, exagerada e sistemática, mesmo quando não suspeita nem acredita que se encontra efectivamente enfermo; a hipocondria perturba também o doente que acha que pode, eventualmente, sentir algo de errado consigo, mas, nestes casos, as análises apresentam resultados negativos e os diagnósticos médicos nada despistam. Enfim, perante tal quadro, mostram-se insatisfeitos! Há ainda quem se queixe amiúde de uma infinidade de disfunções físicas sem nenhum tipo de disrupção orgânica medicamente constatado.

      O hipocondríaco tanto pode apresentar tendências caracterológicas, obrigando-se não só a tomas contínuas e indiscriminadas de suplentos vitamínicos, tónicos e mezinhas, tendendo a levar alguns médicos a receitar, visando o efeito placebo (fins sugestivos ou psicológicos), como se pode manifestar a par de uma sintomatologia enquadrada em estados ansiosos ou depressivos, ou, pior, no âmbito da esquizofrenia. A estes três níveis, e por influência psicossocial, podem surgir doenças psicossomáticas debilitantes, entre muitas outras: a gastrite ou a prisão de ventre, as cefaleias ou os tremores, o vaginismo ou a amenorreia, a asma ou a dispneia, a hipertensão ou a taquicardia, a obesidade ou a anorexia/bulimia, a artrite reumática ou as alergias várias.

      A hipocondria onde se encontra ausente a base orgánica, segundo os especialistas, ocorre com mais frequência nas mulheres com graves perturbações de personalidade, sendo também a de mais difícil tratamento e a mais “ardilosa”, isto é, tenta granjear simpatias, benefícios e atenções suficientes para justificar a indolência e a irresponsabilidade pessoal, familiar e social. Na prática, o hipocondríaco enferma de um psiquismo atribulado, mormente quando se conjugam sistomas melancólicos e obsessivos, pautados por delírios de auto-condenação (culpabilidade) e impulsos sádicos.

         Que pode fazer, então, o hipocondríaco para contrariar tão negativo estade de coisas?! Deve deixar de viver tão intensamente o seu narcisismo mórbido, esforçando-se por se descentrar de si enquanto sujeito, e, como propôs Jacques Lacan, ser capaz de “se tornar sujeito” – e não objecto – “do seu desejo ao passar pela ordem da linguagem”; frequentar, diariamente, o ginásio, mostrando-se activo e empenhado no exercício físico, de preferência em grupo; conversar em família, no café ou em outros contextos do seu dia-a-dia, sobre temáticas diversificadas, desviando-se sempre de assuntos que englobem doenças ou fármacos; optar por literatura vária, mas de qualidade (contos, romances, jornais e revistas); seleccionar programas televisivos, escutar música, ir ao cinema, fazer férias, fazer refeições fora, fazer praia; fazer, finalmente, uma auto-avaliação regular de como as coisas vão evoluindo... para não deixar de ser capaz de melhorar. É este o propósito sustentável.


NOTA: Permitam-me que recorde ainda esta notável afirmação de Lacan: “O inconsciente é a primeira parte do discurso concreto, enquanto transindividual, que falta à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade do seu discurso consciente”.




segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A APATIA

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      Em um escrito recente, intitulado Educação XXI, tivemos ocasião de referir, relativamente à apatia escolar infantil, a fórmula nEAS (não-Emotivo-Activo-Secundário), da autoria do médico fisiologista belga Heymans (1892-1968) e do filósofo francês Le Senne (1882-1954), cuja classificação caracterológica aponta para uma redução drástica da actividade física geral e para o empobrecimento das reacções afectivas. Esta ataraxia pode despoletar a baixa auto-estima e precipitar as depressões, levando as pessoas a se abandonarem, perdendo mesmo a noção do espaço e do tempo.

      Tal estado de indiferença, de insensibilidade, de desinteresse, de inércia, de falta de paixão, de frieza, perante tudo e face a todos, começa por radicar em uma falta de entusiasmo pelo próprio indivíduo que enferma desta síndroma. Podendo, eventualmente, ser contornada na infância, esta afecção mental insinua-se de forma mais grave na adolescência, podendo mesmo configurar quadros esquizofrénicos ou hebefrénicos, atingindo também certas pessoas na meia-idade e a partir dos 60 anos de vida.

      Contudo, enquanto na esquizofrenia crónica a dissolução da reactividade emocional, traduzida pela ausência de afectos, é mais vincada, na hebefrenia o doente encontra-se mais condicionado pelos fantasmas do seu universo psicótico interior. Os especialistas apontam ainda a doença de Pick, como sendo responsável pela afecção dos lobos frontais e, por vezes, pela demência, o que leva à perda do contacto com a realidade.

       Como aludimos no primeiro parágrafo, a apatia pode levar à depressão mais ou menos grave; se aquela for intensa, a apatia é explicada pela indolência acentuada e recalcitrante, pela ausência de alegria e pela expectativa dolorosa de que o futuro se apresentará irremediavelmente negro. Não esqueçamos, também, que certas situações circunstanciais desastrosas, que possam ocorrer na vida das pessoas, poderão contribuir para estados apáticos, como acontece nos internamentos hospitalares de longa duração, na permanência nas prisões ou nos lares da terceira idade.

      A perda de contacto destas pessoas com o universo exterior e com as suas vivências dinâmicas, leva, invariavelmente, a estados de apatia de certa maneira graves ou problemáticos; para além de se sentirem entregues a si próprios, as condições de “vida” nesses contextos são sempre tendentes a ignorar os desejos e interesses de quem já nem força tem para reivindicar algum carinho e atenção. Numa época em que tanto se fala em solidariedade e humanitarismo, o mínimo que se exige das famílias e do estado é que cumpram o seu dever moral, cívico e institucional, não ignorando nunca que o ciclo da vida engloba todos e cada um de nós. 

TER A CERTEZA


      
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      Ter a certeza de algo, de acordo com o senso-comum, não é mais do que alimentar a opinião de que se está na posse da verdade, demonstrando firmeza e assertividade nesta ou naquela afirmação, perante o outro ou os outros, nos mais variegados contextos interaccionais. Psicológica e filosoficamente, a certeza encerra sempre em si cambiantes de cariz, quer subjectivo quer objectivo; logo, não é nunca uma evidência nem pode ser confundida com as caleidoscópicas acepções da crença. Também os escolásticos, a partir de S. Tomás de Aquino (1225-1274), procuraram harmonizar a razão e a fé, a filosofia e a teologia, defendendo o equilíbrio sistémico entre os ensinamentos de Aristóteles e o dogma cristão. Nessa mesma linha, e sobre a matéria em epígrafe, separaram, acerrimamente, a certeza em objectiva e subjectiva:

      Assim, a certeza objectiva não pode ligar-se à sentimentalidade emocional nem tão-pouco ao assentimento da consciência. Para ser objectiva a certeza tem de tanger as raias da evidência, ancorando-se na anuência firme e genuína de um testemunho cuja factualidade não ofereça dúvidas. De qualquer maneira, não é despiciente considerar a certeza como uma forma de conhecimento, enquanto unidade percepcionada entre as formas apriorísticas da sensibilidade (síntese entre espaço-tempo e matéria), sendo, portanto, intangíveis e incognoscíveis, ao contrário das impressões sensíveis, meramente aparentes, estas (Kant). Nesta conformidade, torna-se clara a distinção entre a coisa em si (númeno), e o fenómeno, que significa o que nos é dado percepcionar. Onde fica a certeza, então?

      Quer as razões, as declarações ou os argumentos aduzidos em um sentido ou no outro, isto é, afirmar-se que se tem a certeza de ter a certeza de algo, ou confessar-se a impotência de defender honestamente a verdade ou a falsidade de alguma coisa pretensamente objectiva, quer as teses de quem se fica pela essencialidade das certezas morais, alegando que a certeza se impõe por si só, apenas por ser evidente a impossibilidade de afirmar ou demonstrar o contrário, não nos obrigam à adopção de uma saída para esta dicotomia, apenas porque se nada fizermos ou decidirmos, tal estado de coisas deixar-nos-á num beco sem saída. Diga-se o que se disser, cogite-se o que se cogitar, sejamos íntegros, honestos e flexíveis e... não tenhamos receio – as certezas não existem! Ou melhor: existe uma, e essa é a certeza da morte.



sábado, 1 de dezembro de 2018

IDENTIDADE

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      Na obra intitulada O Desenvolvimento do Ego, publicada no ano de 1976, Jane Loevinger (1918-2008), a sua autora, entende identidade como “um sentido emocional sobre o self, uma percepção de bem-estar e de coerência entre o passado, o presente e o futuro (...)”, aliados à interiorização intelectiva desses constructos, como de resto, nos elucida a investigadora que a cita (Fleming, 2004, p. 84). Confuso?! Provavelmente!, dado que esta espécie de definição se plasma já em um certo nível de elaborada abstracção conceptual, para que seja possível alcançar ganhos de garantida dinâmica referencial, face ao objecto extra-linguístico, sempre que a temática é abordada. Simplificando...

      Se olharmos para a sinonímia da palavra em apreço – iden-tidade –, verificaremos, também aqui, na primeira parte do vocábulo (unidade de sentido), uma relação de similitude semântica que se prende, etimologicamente, com o significado latino de idem, isto é, o mesmo; a mesma coisa. Em termos de taxinomia e sistemática, permitimo-nos a ousadia de dividir o termo em duas unidades convergentes de sentido, tornando-o, na prática, mais uno e provido de significância. Desta maneira, a ideia (representação mental) de igualdade absoluta, de paridade, de inserção e pertença, de essencialidade afirmativa, diferenciadora, distintiva (psicofisiologicamente) emerge mais interiorizada, consciente, pujante e clarificadora. Concretizando...

      Como refere Loevinger, é indispensável a interiorização intelectiva dos constructos enumerados no primeiro parágrafo, para que a identidade do sujeito se manifeste junto de outrem ou dos outros. De resto, todo o processo de construção da mesma decorre de forma inconsciente e a sua elaboração requer tempo e contexto adequados. A criança, em sede de triangulação familiar, introjecta esse mesmo quadro mental, passo a passo, argamassando, modelando, e alterando também, a sua identidade própria, a partir do modelo de interiorização particular de interacção com o progenitor do mesmo género; esta preciosa arquitectura permite-lhe, então, no âmbito social, a exteriorização posterior da sua maneira de estar, de sentir, de pensar, e de agir com autenticidade e segurança alicerçadas. Concluindo...

      A identidade tanto diferencia, separa e decide como colectiviza e amalgama os comportamentos; auxilia a individuação e a estruturação da personalidade de cada um de nós nos diversificados contextos da vida, mas é conveniente que estejamos sempre atentos à influência da psicologia grupal, uma vez que esta obnubila as consciências, primitiviza as intenções e cega as acções. Chamamos a atenção, nomeadamente, para a fase da adolescência, quando a identidade, deveras flexível (periclitante) ainda, fica sujeita a tensões incontroláveis. Aqui, uma vez mais, ocorrem vários conflitos entre o instintivo e o social, desembocando na perda da identidade pessoal, na quebra anímica, no desespero e no ensaio que faz gerar as primeiras manifestações psicóticas. Atenção!