terça-feira, 9 de julho de 2019

O JORNALISMO QUE (NÃO) TEMOS


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   Em termos informativos, leia-se, noticiosos, aos órgão de comunicação social só interessam as notícias candentes, de flagrante actualidade, para que o (i)mediatismo pelo qual se luta no dia-a-dia, não só nas redacções, mas também a partir do exterior, seja efectivado, de preferência em antecipação às estações concorrentes. A notícia de ontem deixou já de ser notícia.

   Às redacções podem chegar notícias em catadupa, passando as mesmas por uma tão necessária quanto útil triagem, rigorosamente selectiva, tendo em conta os mais apurados critérios editoriais, com vista ao alinhamento noticioso de cada dia. Certos conteúdos noticiosos podem mesmo ser objecto de reformulações, em obediência a conceitos como o time slot* e o valor-notícia, em nome do apuro e da noticiabilidade.

   Quando ao lado do pivot surge um convidado especial, o director de informação ou outro entendido em qualquer matéria particular, isso significa que algo inopinado aconteceu, como, por exemplo, um terramoto, um tsunami, uma queda de helicóptero, e importa proceder à alteração do alinhamento, em relação ao qual o convidado se pronunciará. A notícia de última hora reveste sempre alguma espectacularidade e atrai audiências.

    Em se tratando de tempo televisivo, este vale ouro – lembrem-se do preço da publicidade –, pelo que, sempre que surge um contratempo (não aparece o convidado, a tecnologia recusa-se a colaborar, enfim, seja o que for), a imprevisibilidade do recurso a que se lança mão pode constituir uma surpreendente mais-valia para o canal, pelo impacto causado nos tele-expectadores.

    Uma outra prática habitual, mormente em Portugal, nos canais noticiosos, no período pós-vinte e duas horas, é a colocação de dois jornalistas-apresentadores relatando alternadamente ocorrências de há vários dias, ainda não deslindadas (colapso da estrada e queda de várias viaturas com gente, no fosso da pedreira, no Alentejo; impasse do prédio “Coutinho”, em Viana do Castelo, etc..) e que contam ainda com um convidado entendido nas questões também colocadas pelos pivots.

    Mas isto, sendo com conta peso e medida, pode ser bom jornalismo. O que já não nos parece tão sensato é a repetição exaustiva de notícias “vampirescas”, dissecadas milimetricamente, repetidas ad nauseam, ao longo de vários dias, sobre comportamentos de psicopatas, de incendiários, de assassinos, de corrupos e quejandos, que vão proliferando por aí, a esmo, apenas para alimentar nas massas a doméstica e tranquila atracção do abismo.

Nota: Time slot – oportunidade noticiosa relevante.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

SEJA POR NÃO SABER


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Seja por não saber quando regressas
seja por só te ter quando presente
tudo quanto na mente processas
parece de tão perto ser ausente

Urdidos de palavras às avessas
denotas desejos ambivalentes
túrbidos na modorra que professas
a termo diferidos mas prementes

Se de ti te disserem em segredo
do rigor das forjas incandescidas
tudo quanto se plasma no teu medo

são calculadas fraudes invertidas
inviesados trilhos do degredo
parasita cruel das nossas vidas



sexta-feira, 5 de julho de 2019

TOLHIDAS ESPIRAIS


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Tolhidas espirais sulcam em ti
zelos vis nas agrestes madrugadas
se restas nos espelhos que não vi
por tudo ver de luzes apagadas

Bem sei que nada dizes de quem ri
insone esse rumor de mãos atadas
sem dizer de tudo quanto deli
se cedes às aviltantes ciladas

Não vou cruzar os braços e cismar
nem traçar os sinais de quem intenta
inventar o sono de saturar

instantes desdobrados mas vazios
nas insensatas marcas da tormenta
onde naufragam todos os navios


quinta-feira, 4 de julho de 2019

TRINTA POR UMA LINHA





   Trinta por uma linha é uma expressão deveras curiosa que, como julgo que sabem, significa atribuir, a determinada situação ou comportamento humano, a característica de confusão, de trapalhada, onde se age, decide ou resolvem os problemas à toa, a esmo, sem nenhum tipo de ponderação, de reflexão e bom-senso. Há ainda uma outra expressão para pessoas que não pensam e apenas agem mimeticamente, de acordo com o mais vulgar e repetitivo senso-comum... É isso! Maria-vai-com-as-outras – interessante conceito inspirado no comportamento atitudinal de Dona Maria I (1734-1816), a raínha esquizóide.

   Esta breve introdução serve apenas para enquadrar a questão que hoje se coloca à família. Quer se queira quer não, a sociedade anda sempre a reboque dos interesses idiossincráticos (ambição, territorialidade e agressividade) dos indivíduos que detêm o poder económico. Este, instrumentaliza o poder político e, por sua vez, as instituições políticas manipulam a sociedade, os indivíduos e as famílias. Estas passam a andar à nora, de resto, sem proveito.

   Tudo isto tem tido efeitos perversos na constituição dos novos agregados familiares, no seu quadro de valores, na assunção do papel que cabe desempenhar a cada um dos seus elementos constituintes, no protagonismo masculino e feminino, no vazio afectivo tecido pelas exigências laborais que não deixam tempo para a comunhão da focolaridade. As modernas configurações familiares abrangem já novos arranjos quânticos ditados pela metonímia do desejo.

   Esta paramodernidade vai cavando um fosso de ausência afectiva que robotiza as criaturas, instaurando nelas, desde tenra idade, a obsessão pela posse material, e face à omissão neurosada dos pais, as crianças decidem tudo, em casa e no shopping, no restaurante e na escola, num clima de caótica anarquia que vai construindo os futuros loucos, os dependentes da droga, os parasitas, os criminosos e os ditadores.

   O paradoxo é mesmo este: se os trabalhadores e as famílias constituem já hoje as novas hordas de escravos, quem restará, afinal, para satisfazer a insaciável gula dos mercados?!


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terça-feira, 2 de julho de 2019

O POEMA É SEMPRE UMA FICÇÃO


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O poema é sempre uma ficção
plasmada de incenso no tempo ausente
para poder voltar a ser uma projecção
que se evoca de memória

O poeta segue os versos ao acaso
levado por eles
e pela sua infinita latência
e queda-se perplexo
na clausura dispersiva das palavras
represas na confluência divergente dos conceitos

Contudo o poema é tão humano
como o desejo de ser
mesmo que não o vejam
retocando a vida
da esperança esquiva
que sempre se renova