sexta-feira, 7 de setembro de 2018

DO AMOR E DO ÓDIO



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        Em uma das nossas publicações poéticas (Lágrimas 1997), a autora do prefácio, a dado passo, cita Émile Durkheim (1858-1917) para fundamentar a ideia de que ninguém consegue viver sem amor... “o homem que vive isolado ou é Deus ou é uma besta, mas não é nunca um ser humano”. E nós acrescentamos: tal criatura encontra-se já enredada nas teias da loucura, pois não é possível viver sem amor. No  entanto, tenhamos sempre presente que, quer o amor quer o ódio são faces contíguas da mesma moeda relacional – afectos de atracção e afectos de aversão, como teorizou Alfred Adler (1870-1937).

            Curiosamente, se conceptualizarmos, aqui e agora, dicotomicamente, a representação mental sobre a qual discernimos no presente escrito (o amor e o ódio), dado que algo existe apenas em função do seu contrário, somos levados a recordar Empédocles (+ ou – 492-432 a. C.) por ter sido este filósofo o primeiro a considerar, em sentido cósmico-metafísico, o amor (Philia) como princípio de união dos elementos constituintes do universo, e o ódio (Neikos) como fautor de separação.

            Platão (428-348 a. C.) viria depois a dedicar uma renovada atenção à problemática do amor, revestindo-a de uma nova centralidade. Este filósofo chegou a comparar o amor a uma forma de caça; ou então, a uma espécie de loucura; no escrito Fedro, o amor é visto como um deus poderoso. Depois, este pensador da Grécia antiga, divide-o no amor do corpo, no da alma e no de ambos; podendo ainda ser mau e ilegítimo ou bom e legítimo – o do primeiro tipo seria aquele que não está iluminado pela alma e que despreza a irradiação das ideias, logo, o corpo deve amar, sim, mas por amor da alma, para se enquadrar no do segundo tipo.

            Quem não ouviu falar já do amor platónico?!... Este amor queda-se pela sua própria essência, permanecendo arquétipo de si mesmo na sensualidade acessória dos corpos transfigurados pelos resplendores ofuscantes da luz da alma; e é esta luminosidade invisível que apaixona os amantes e gera a beleza magnética da atracção mútua, do recompletamento e fusão meteórica dos corpos e das almas. Mas a posse é periclitante, efémera, pendular, metafísica, enquanto reflexo transitório, participado, do amor à beleza absoluta, “que é ideia do Belo em si”, como refere Platão, no Banquete.

            Com o dealbar do cristianismo, o conceito de amor expande-se a novas representações, mais ou menos divinizadas, conforme os seus arautos, através de uma óptica, por vezes, redutora, como aconteceu com São Clemente, para quem amor deveria ser todo o ser e perfeição. Ainda hoje esta doutrina faz escola através de um eclectismo teosófico que parte da gnose esotérica estribada na transmissão pacífica do conhecimento tradicional pan-religioso.

            Um outro Doutor da Igreja, Santo Agostinho, estende o amor à caridade, conseguindo ainda ver o amor não só como mal se se aliar a este, mas também como bem se se ligar ao bem, sendo que, o amor a Deus é sempre um bem, mas, torna-se um mal se se “basear numa inclinação puramente humana”... Santo Agostinho dixit! Nos dias conturbados de hoje, de constantes e graves conflitos, o amor deve ser compreensão, empatia e altruísmo filantrópico, num quadro de ponderada, sensata e equilibrada autotranscendência relacional.