quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A COMPLEXIDADE MENTAL INFANTIL

         

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        A criança, logo após o nascimento, apreende o mundo pela boca: é a fase oral, como lhe chamou Freud (1856-1939), ou do erotismo bucal; neste âmbito, cada eventual frustração alimentar pode dar origem aos complexos de abstinência. Sendo ainda e tão só uma extensão do corpo materno, o vínculo biológico que a criança mantém com a mãe, no caso de ser interrompido ou quebrado é susceptível de determinar disfunções fisiológicas ou mesmo neuroses de abandono, conforme alerta Germaine Guex (1904-1964). Mais tarde, na adolescência, quando tudo corre mal, é provável que o indivíduo possa mesmo enfermar da síndroma da fixação regressiva primária caractericada por uma espécie de estupor hebefrénico, conforme alude Marguerite-Albert Sechehaye (1887-1964), quando se refere a uma sua doente, cuja prostração e ansiedade difusa mascaravam a necessidade de alimento.

     Já na posse da primeira dentição e dotada de uma crescente autonomia psicomotriz, a criança dá os primeiros passos no sentido da afirmação da sua personalidade, esboçando alguns gestos de agressividade defensiva e independência, face ao triângulo edipiano e ao meio ambiente que a rodeia. É nesta altura (fase sádico-anal) que os progenitores lhe impõem o asseio e a higiene, através do controlo dos esfíncteres, o que pressupõe a aceitação da instância parental repressiva; mas, esta vem instaurar a ambivalência da afectividade infantil. O acto de morder e ingerir/digerir os alimentos reveste agressividade e satisfação destruidora, logo, ambivalência, conferindo prazer, quer por introjecção, quer por excreção; este fenómeno é, ainda, ambivalente, porque os prazeres experimentados são, ora objecto de tolerância e até incentivo, ora alvo de interdição e sanção. Melanie Klein (1882-1960), na obra Notes on Some Schizoid Mechanisms (1952) e no texto On Identification (1955), chama a atenção para esta fase, tentando entender as transformações, por evacuação, dos maus conteúdos do self do bebé no bom seio da mãe, através da Identificação Projectiva, o que modificaria os medos infantis, as angústias, o sofrimento, a insegurança, mais tarde removidos e reintrojectados e perfeitamente tolerados.

        Por tudo isto, a criança é levada a radicalizar a ambivalência face ao objecto do seu desejo, tornado obsessivo, contraditório, facilitado ou interdito, magnético e cúmplice ou proibido e culpabilizante, a um só tempo.

            A vida conjuga-se, desde a primeira hora, pela natural busca de equilíbrio que se processa pela harmonia optimizada do funcionamento somatopsíquico. Quando a criança  descobre o seu próprio corpo e as diferenças genitais (fase fálica ou pré-genital), brinca, explora a “novidade” e dá-se conta da imagem que o espelho lhe devolve, carreando a afectividade para a afirmação da sua integridade física; este fenómeno dota a sua sexualidade de uma tonalidade narcisista, que tolera mal qualquer ruptura angustiante. Esta, precipita a síndroma histérica e força o surgimento de um alter ego, levando o indivíduo a projectar os seus pensamentos, desejos e gestos na sua imagem desdobrada em espelho; esta imagem, no entanto, constitui uma ameaça fantasmática que aniquila a integridade corporal da criança, depois de ter varrido abruptamente as suas projecções, sobrando apenas a angústia fóbica e a fragmentação histérica.

            Uma vez mais a harmonia e o equilíbrio relacionais do casal, na triangulação (edipiana) que se estabelece com a criança, é fundamental para a diluição das síndromas em presença, nomeadamente quando se trata da opção objectal através da identificação com o progenitor do mesmo sexo – assunto que já esboçámos aqui –: esta opção pode ser prejudicada, quer pelo comportamento disfuncional dos pais quer pela ambivalência da afectividade infantil. A mãe tão desejada deve ser rejeitada, porque pertence, afinal, ao pai, o que gera erotismo, ciúme, agressividade e rejeição ou um outro qualquer mecanismo de compensação ansiosa; este, entre muitas outras reacções, pode despoletar rivalidade, ódio ou, até, desejo (conturbado ou amoroso) de identificação, tal como viu Freud e, tanto quanto nos parece, subscreve Michel Foucault (1926-1984).


            Ainda assim, a problemática das neuroses e das psicoses é muito mais do que tudo isto junto, valendo estes preciosos contributos pelo agitar das águas e pela criação de estádios sucessivos que se foram sobrepondo, no sentido do enriquecimento de posteriores estudos, análises e investigações verificados até hoje, (Jean Piaget, 1896-1980).