domingo, 11 de dezembro de 2016

BULLYING LABORAL OU ASSÉDIO MORAL



      Temos trazido, por várias vezes e com a devida vénia, a este nosso fórum – “Angulus Ridet”, o neurocientista e grande sábio português, António Damásio, pela pertinência e profundidade dos seus ensinamentos. Hoje, para o assunto que nos interessa debater, faremos alusão à consciência alargada. Para este cientista e investigador, os organismos humanos atingiram o seu mais alto grau de excelência mental, graças à consciência alargada. Desta forma, são capazes de empatia, reciprocidade, altruísmo; conseguem valorizar a vida, distinguir o bem do mal, destrinçar a verdade da mentira, entre outras coisas. Acima de tudo, conseguem colocar-se acima dos imperativos  das vantagens e desvantagens da sobrevivência, e esforçam-se na busca  da verdade no âmbito da análise objectiva dos factos, isto é, são dotados de consciência moral (Damásio 2010, p. 277).

     Segundo escreve este mesmo autor, na página 278, tudo se processa conforme este encadeamento: “o proto-self é gerado pela sinalização não consciente de um organismo individual, que consente o self nuclear e a consciência nuclear, donde advém um self autobiográfico que leva à consciência alargada, o que desemboca na consciência moral”. Ver, neste blogue, o escrito que desenvolve o conceito de consciência moral, devido à importância desta no desenvolvimento civilizacional – tendo sido este possível, graças à evolução da linguagem, o que permitiria a sua forma mais admirável, ou seja, o diálogo com o outro. Por isso referimos o encadeamento de que nos fala Damásio. Não é simples.

     Muito menos, quando estamos perante hierarquias de poder, estratificadas pelas teias organizacionais de grandes empresas, onde as ordens, veiculadas do topo para a base da pirâmide empresarial, e, portanto, filtradas pela virtualidade do pensamento, vão sendo imbuídas por um conjunto de subjectividades intrínsecas aos vários indivíduos que formam a cadeia de transmissão do poder em causa... já para não falar das patologias do carácter daqueles. Isto significa que quem tem de obedecer, na base da pirâmide, está sempre sujeito, inelutavelmente, a uma espécie de variabilidade desconcertante que é inerente aos comportamentos sociais.


   Muito menos ainda, quando, como acontece neste deplorável século XXI, as relações laborais se encontram eivadas de artificialismo, virtualidade omnipresente, omnisciente, omnipotente, e plástica envolvência; é que se esfumou já o universo simbólico da palavra e, portanto, o indivíduo regrediu para estados arcaicos de interacção doentia; onde a teia relacional hierarquizada vai assumindo contornos persecutórios, vorazes e delatórios, acentuadamente tóxicos, alimentando-se do sangue jovem daqueles que se sujeitam a trabalhar a troco do miserável ordenado mínimo nacional, num clima de permanente precariedade, insegurança, chantagem e jogos sádicos, eminentemente insidiosos, onde se verificam aniquiladoras investidas de “bullying” laboral ou assédio moral, cujos relatos testemunhais escutamos amiúde, no quotidiano.

     Mas insistimos em falar de estado de direito democrático, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de saúde, educação e cultura, de direitos laborais, de emprego, de Constituição... quando sabemos que tudo isto é incompatível com a irracional autofagia da virtualidade, da desregulamentação dos mercados, da mundialização, da globalização, do liberalismo absoluto, das trans e multinacionais, notoriamente comprometedores, todos eles, do elevado nível atingido pelas faculdades mentais dos indivíduos, ferindo de morte a frágil consciência moral, paulatinamente aferida pelas criaturas civilizadas...
Nota: Imagem do Google

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

ROTUNDAS CONFUSÕES




      A construção de rotundas, verificada desde há alguns anos, nas redes viárias das nossas cidades, vilas e aldeias, tem assumido foros de uma espécie de ritualidade obsessiva, não sabemos se por simpatia para com os cada vez mais candentes excessos alimentares que têm levado a população à obesidade, ou, então, se por coerência com o estado de confusão onde tem estado mergulhada a sociedade portuguesa desde o tempo do Marquês de Pombal (finais do séc. XVIII).

            Depois de concluídas as primeiras (rotundas), nos anos de 19(80) – vamos esquecer as ditas clássicas (Rotunda da Boavista, no Porto, entre ouras) –, a balbúrdia, a desordem, o tumulto e os acidentes atingiram um tal paroxismo, que, acreditem, decidimos sair de casa duas horas mais cedo, para poder chegar ao trabalho em paz, evitando, portanto, o desconchavo do habitual estado de sítio (sem militância nem regime) das famigeradas rotundas.

            O ambiente vivido nesse contexto, sem deixar de ser curioso sob o ponto de vista psicossociológico, apresentava-se anárquico, caótico, desesperante, irracional, havendo, ainda assim, quem, com notável sangue frio, ousasse, com mais ou menos salamaleques e posteriores agradecimentos, mendigar uns centímetros de avanço ao companheiro de infortúnio; era quanto bastava para que ambos fossem objecto de impropérios, como se a infelicidade partilhada fosse mais atenuada.

            Mas, eis que, em pleno Verão de 2013, foi aprovada e publicada, no âmbito do Código da Estrada, a Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, para vigorar  a partir de 1 de Janeiro de 2014 – já lá vão quase três anos. Na prática, os condutores que entram numa rotunda devem passar a circular pelo interior, junto ao eixo da mesma, se pretenderem ignorar a saída mais próxima, e, junto ao perímetro limítrofe da rotunda se saírem na imediatamente a seguir. Pois é! Só que o que se verifica é a “Lei do tudo ao molho” e, se há muito boa gente que cumpre, há também os outros, os que não o fazem, colocando todos em risco.

            E isto, já para não falar nas rotundas com semáforos no seu interior. Neste caso, bem como nas horas de ponta, não há bichas junto ao eixo da rotunda, para voltar à direita no espaço e tempo certos; nem no limiar da rotunda, para sair logo a seguir, na primeira à direita; não, nestes casos, forma-se uma espécie de grelha de partida, com parelhas de três, quatro ou cinco automóveis a encabeçar outras tantas bichas e, quando abre o sinal, gera-se o inevitável caos. Os canais televisivos da “Sic” e “Tvi” (estes vimos nós), ainda hoje (05/12/2016), reportortaram, nos seus noticiários, toda esta barbaridade, falando mesmo em milhares de condutores já multados (em vão).

            A Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro, serviu apenas para baralhar e voltar a dar. Talvez pudesse funcionar, provavelmente, quem sabe, a sinalização horizontal, pintada no pavimento, o que não dispensaria, de qualquer modo, uma apertada e rigorosa vigilância, já que não acreditamos no civismo diariamente desmentido por quem se vê metido em tamanhas perplexidades, nas loucas voltinhas de tão rotundas confusões.
Nota: Imagem do Google

LET THERE BE PEACE


IMAGEM DO GOOGLE


       O calendário exibia o mês de Dezembro de 1980, quando, em Nova York, no fatídico dia 8 (oito), foi assassinado John Lennon, esse grande vulto da música “pop”. Decorreram já trinta e seis anos, mas a mensagem de paz e de harmonia entre os povos, que o mais famoso dos quatro “Beatles” sempre tentou fazer passar, acabou por deixar os seus frutos, não obstante a teimosa e sempre reiterada insistência dos homens em perseguir e sofisticar os caminhos da discórdia e da guerra.

     Desde o alvorecer dos anos sessenta do século passado, que os quatro de Liverpool se juntaram para, autenticamente, revolucionar a música dita popular, tendo muito rapidamente destronado os resquícios do já hoje saudoso “rockn'roll” norte americano, da década de 50, onde assumiam lugar de destaque Little Richard (quem não se lembra dos temas “Good Golly Miss Molly”, “Tutti Frutti” e outros); de Elvis Presley (“A Little Less Conversation”, “Blue Suede Shoes” ou “In The Ghetto”); de Sam Cook ou Ray Charles, entre outros? Evidentemente que todos estes monstros sagrados não pereceram, pura e simplesmente, mas tiveram de competir, de forma árdua e nem sempre suficientemente conseguida, com os quatro jovens britânicos que vieram para ficar, ao contrário do que, insistentemente, se dizia das suas carreiras, de início surpreendentemente fulgurantes.

            Dos quatro Beatles, a saber John Lennon, Paul McCartney (os autores principais), George Harrison e Ringo Starr, John Lennon foi, sem sombra de dúvida, o mais ousado, criativo e polémico, tendo em conta as iniciativas que protagonizou, nomeadamente no que concerne às chamadas de atenção sobre a necessidade de se lutar afincadamente pela paz no planeta Terra. Para lá das letras das canções “Imagine” e “Give Peace a Chance” , devemos aqui salientar a sua “conferência de imprensa”, em contexto de lua-de-mel, sob a égide da paz e da (re)conciliação entre os homens, independentemente dos seus credos políticos ou religiosos, para a qual contou com a companhia e colaboração da mulher de origem chinesa (Yoko Ono, com quem casou em Gibraltar, em 20 de Março de 1969), dada à imprensa da época, tendo-se apresentado nus, num quarto de hotel, durante vários dias. Inelutavelmente marcante, fundamentalmente pelo alcance que visava obter.

Na sequência do teor do parágrafo anterior, não podemos deixar de referir o  sentido de oportunidade extraordinário, tendo em conta ainda o interesse que sempre cultivaram, na linha de tentarem procurar permanecer, o mais tempo possível, no primeiro lugar dos discos vendidos, nas principais capitais europeias e mercados norte-americanos, naturalmente pela visibilidade que tal facto lhes traria, também a nível mundial, estes quatro cavaleiros da música popular anglo-saxónica, não tardaram  em compor, tocar, gravar e lançar uma excelente balada,  intitulada “Ballad of John and Yoko”. A letra era (e é) curiosíssima, se observarmos o sentido das dificuldades que se lhes deparavam no momento; a percepção da realidade palpável, face aos propósitos que os animavam: “Christ, you know it ain't easy; you know how hard it can be; the way things are going; they're going to crucify me”. Profecia fatal esta, a de John Lennon...

     Com o que acabamos de escrever pretendemos, por um lado, prestar a nossa sentida homenagem ao “leader” incontestável e incontestado do agrupamento musical inglês, que tanta companhia nos fez na juventude, principalmente nessa época, e, por outro lado, recordar a sua difícil luta pela paz, que tanto tarda e que, por isso mesmo, tanta falta vai fazendo no convívio entre os homens de Boa-vontade, nas relações entre os povos, culturas e  diferentes maneiras de estar na vida. Hoje, mais do que nunca, devemos porfiar; nesta época de Natal que se aproxima a passos de gigante, devemos ter presente a importância da paz; o clima fantástico que representa e significa, para todos, a possibilidade de se viver no seio da tranquilidade e do desenvolvimento harmónico, rumo ao progresso e à salutar compreensão da liberdade e dos direitos do próximo, tal e qual pregou Jesus Cristo.

 

Nota: Reedição do artigo publicado em “O Primeiro de Janeiro”, em 20/12/2005

domingo, 4 de dezembro de 2016

AMIZADES E AMIZADES




Imagem do Google


        É ponto assente, que o tipo de relações, que se vão gradualmente esboçando entre crianças de tenra idade, é muitíssimo diferente da qualidade relacional verificada entre adultos. Mas reduzamos o nosso campo de análise ao simples, embora importantíssimo, aspecto da amizade. Conforme temos escrito – outros o afirmaram já –, o homem é um animal social e político, o que vale por dizer que é incapaz de viver isolado, a não ser que tenha, de todo, enlouquecido. Serve-se, portanto, da interacção com os outros para a concretização dos seus projectos de vida; o que é legítimo, de resto, se não forem ignorados os direitos dos outros e a sua dignidade humana, conforme teor da obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, de Immanuel Kant (1724-1804) . E é precisamente este estado de coisas, este comportamento íntegro e sério que pode induzir a posterior amizade entre adultos...

            Não acreditamos no inverso, isto é, só porque convivemos e conversamos amiúde, num qualquer espaço circunstancial de lugar onde a rotina nos coloca diariamente (no ginásio, no café, no escritório, nas redes sociais, etc.), passamos ao convencimento de que estamos a construir uma vasta rede de amizades, logo, se for caso disso, até podemos ter negócios com esses “amigos”, pois tudo correrá pelo melhor. Não se iludam!

            Equacionando agora a amizade como sendo um constructo que radica na infância, convirá elucidar sobre o carácter embrionário da relação, tendo em conta o desenvolvimento da personalidade infantil e a observação que a criança vai fazendo do universo adulto familiar. Por isso mesmo é que o jogo vai assumindo características simbólicas tão marcantes, a caminho de aprendizagens concretas. As crianças brincam aos pais e às mães, aos médicos, às casinhas e vão recriando a realidade que as envolve, primeiro em casa, depois na escola, no sentido de uma maturidade alicerçada e de uma mais estruturada consciência social. É nestas andanças que podem acontecer amizades para a vida...

            É isso, estamos a falar de amizades com vida própria e não daquelas que surgem já na adultícia, de geração espontânea, com carácter duvidoso, e de que depois nos lamentamos. A amizade deve crescer como uma árvore de frutos: tem de ser cultivada em terreno propício, estacada, regada, adubada, acarinhada, nunca danificada nem ignorada, para que seja possível, a seu tempo, sentirmos o delicioso sabor dos seus frutos.

            Não tratem, contudo, os pais, de forma sufocante, hiperprotectora, aniquiladora, os seus filhos, muitas vezes por insegurança em si próprios, comprometendo a aprendizagem afectiva dos filhos. Esta só medra através de uma salutar multiplicidade de contactos responsáveis, o que levará as crianças ao desenvolvimento de afectos naturais e sinceros, no âmbito de uma emocionalidade sadia, capaz de iduzir sentimentos fortes e decididos, indispensáveis à construção da verdade e da esperança no futuro.