segunda-feira, 21 de setembro de 2015

O CORPO DO POEMA



Imagem do Google



Um poema é sempre uma mulher
                                   adormecida
entregue ao repouso inquieto 
e sedutor de uma lascívia indefinida
sob a seda vibrante de um manto 
                          pré-semiológico 

Um poema pode ser uma mulher
                                empedernida
esculpida tendencialmente pelo signo 
no sentido da luz das coisas 
brilhando de voluptuosidade
na ausência do erro 
que a sua nudez proclama 

Na essencialidade semântica do poema
a desordem aparente dos signos 
fixa a sensualidade do seu corpo transcendente 
e do ventre incandescente do silêncio 
brota o desejo de harmonia e comunhão

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

FELICITANDO ESTEVES DOS SANTOS



        Na comemoração dos noventa e seis anos (14/09) deste autor de inúmeras realizações ao longo da sua vida, ficam aqui as nossas felicitações na letra de um seu escrito, com mais de vinte anos, seguramente. Nesta conformidade, passamos a recordar as suas “VELHAS MEMÓRIAS ESCOLARES”:

  “Ao ler, agora, a primeira obra de Leão Tolstoi, “INFÂNCIA”, ocorreram-me, espontaneamente, passos da minha própria infância, na minha aldeia natal, já lá vão sessenta anos.
     Pardilhó, no concelho de Estarreja, já tinha emigrantes na América, França e Brasil; outros imigravam, sobretudo, para a região de Lisboa e de Setúbal; os que permaneciam fiéis ao torrão natal dedicavam-se à construção civil e à naval; mas havia os anfíbios: cultivavam a agricultura e lavravam a ria. A igreja paroquial era, principalmente, nos dias festivos, a casa comum. Mas a primeira missa, a missa da alva, celebrava-a o Senhor Padre Joaquim, na capela da Senhora dos Remédios.
   Estradas empedradas a macadame, só a que ligava Avanca à Murtosa e a que vinha da sede do concelho.
    Escolas, havia várias: na Rua, a da D.ª Luciana (mais tarde também a do Sr. Reis); na Igreja, a Escola das Senhoras; e em edifício pertencente ao Sr. Ramos – as escolas dos Senhores Godinho, Cirne e Pitarma.
  A nível pré-primário, as “Mestras”, obreiras humildes, esquecidas, a quem tantas gerações de pardilhoenses devem tanta gratidão.
     Havia as mestras do Corgo, a mestra Rilha e as mestras do Outeiro, se bem me lembro.
     Às mestras do Outeiro, que me ensinaram as primeiras letras e as primeiras orações, aqui deixo a minha saudosa recordação.
   Lembro a mestra Emília, asseada, bonita, de sorriso angélico; a mestra Luz, organista, depois, da igreja paroquial; e a mestra Ana, disciplinadora, sempre atenta às traquinices das meninas e dos meninos, pronta a manejar a cana, sua fiel companheira. Mas não me recordo que tenha magoado alguém.
  Rigorosa no ensino do Catecismo, descrevia, com pormenores de artista plástica, o inferno mitológico: as ígneas labaredas alterosas, o diabo ornado de cornos e de cauda, manejando um tridente com que atiçava o fogo sulfuroso por toda a eternidade. Descrição dantesca, mesmo na ausência do famoso Cérbero. Mas compensava a visão terrífica, pondo-nos a passear nos maravilhosos e babilónicos jardins do Paraíso, com anjos de rubicundas faces, gozando todas as delícias”.

Imagem (1) do Google

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

NEURO-PEDO-PROBLEMÁTICA

    

Imagem do Google

          As coisas são como são, sempre, e não como a nossa visão subjectiva as representa na nossa mente e as faz veicular aos outros, distorcendo o tal ponto acrescentado de quem conta um conto. Pois bem, no âmbito da aprendizagem, e, para que tudo possa funcionar a contento com cada um dos estudantes, importa a observância de condições mínimas essenciais, ao nível da psico-motricidade, da percepção das "portadas sensoriais" (Damásio, 2010: pp. 122/246); do esquema corporal, a saber: lateralidade, orientação espacial, orientação temporal; acuidade auditiva, vocabulário e facilidade de expressão; memória e motivação intelectual, “sem perda da experiência natural”, como afirmou Ludwig Binswanger (1871-1976).

       É claro que, por vezes, nem tudo corre da melhor maneira, e, os objectivos pretendidos não são plenamente visados, embora se espere que o docente tudo resolva e ultrapasse.  Acontece, porém, que o surgimento de condicionalismos e entraves de cariz neuro-pedagógico colocam o professor num beco sem saída, devido à sua difícil ou mesmo impossível abordagem.

         Por exemplo: é imprescindível que o aluno goze de um perfeito sentido da visão (capacidade óptica) para a aprendizagem da leitura, da escrita, do cálculo mental e das situações problemáticas, já que uma visão deficiente ou deficitária pode impedir a cabal interiorização das letras, dos sinais de pontuação e de todo o código semântico e simbólico, que possibilita a leitura correcta e significativa de um texto. Mas há mais: podem mesmo ocorrer disfuncionalidades ao nível da dislexia e da disortografia, por força de uma incorrecta percepção visual.

      Outro exemplo, considerando agora o esquema corporal: Henri Wallon (1879-1962) refere-se-lhe assim: “representação relativamente global, científica e diferenciada que a criança tem do seu próprio corpo” (1968), dando-nos a perceber a maneira como se vai construindo a personalidade infantil. Uma criança perfeitamente integrada face ao seu próprio corpo e respectivos membros, saberá sempre situar-se perante os vários objectos à sua volta, em relação às outras pessoas e, até, conseguirá o registo correcto dos factos ocorridos relativamente à sua pessoa e, ainda, no âmbito da relativização dos factos em si, entre si, enquanto tais. Isto é, se se encontra intacta a faculdade de diferenciação e de constituição correlativa de si e dos outros. Um esquema corporal bem definido e estruturado dá à criança uma consciência plena do seu eu e do espaço onde se move (continuidade e temporalidade).

    Com o passar do tempo, processa-se o normal desenvolvimento de qualquer criança saudável e, enquanto isso, um dos hemisférios cerebrais irá determinar a chamada dominância lateral, ou seja, um deles impor-se-á mais forte, mais preciso e ágil, em detrimento do seu oponível. Se for o direito, determinará um esquerdino; se for o esquerdo, o infante será dextra. A criança não deverá ser contrariada nunca nesta sua naturalíssima forma de crescimento.

     Sempre que a lateralização se apresentar indefinida ou cruzada, os problemas, aí sim, agravam-se, sendo melhor consultar o clínico competente para o efeito. Evidentemente que daria imenso jeito a existência de equipas multidisciplinares (médico incluído) nos nossos tão descaracterizados e massivos agrupamentos escolares...

domingo, 6 de setembro de 2015

VACUIDADE


Imagem do Google


Deserto escaldante e inóspito 
folha branca de vagar e ausência 
palavra articulada no seio da razão 
porque o poeta desconhece o não-dito
e se por-dizer se recalca a fantasia 
nada mais volta a ser o não-seio 
histeria de conversão vale de lágrimas  

Só o poeta diz o que pensa sem pensar 

unidade síntese coesão
só o seu dissimulado pensamento se revela
na nudez manifesta da distância 
no instante sensível de uma claridade 
                                                   lunar   

Deserto longínquo o da palavra

a esgrimir o desejo convergente 
encoberto pela caótica ruína do Fado
ou oásis próximo o da palavra 
no horizonte simbólico de uma luz
pátria transcendental desconexa. 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

SENSIBILIDADE E COMPETÊNCIA RELACIONAL

   
Imagem do Google



    Logo após o desfecho catastrófico da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), que viria a pôr fim às hostilidades, os países envolvidos trataram de olhar em frente e dedicaram-se à reconstrução: tratava-se agora de renascer das cinzas. Para o efeito, só à Alemanha Federal foi concedido 70% do Plano Marshall. Sopravam, finalmente, novos ventos na Europa. Portugal recebeu também uma indemnização de guerra no valor de 51,3 milhões de dólares. Todo este clima de renovação e esperança propiciou o chamado “baby-boom”, pelo menos nos países do bloco Ocidental. Mas as crianças teriam agora de ser olhadas e educadas a partir de uma outra perspectiva.

            Exactamente, uma nova consciência surgiria, alicerçada na importância da educação dos afectos, logo da sensibilidade e das competências relacionais, estruturadas de forma a propiciar à criança o usufruto optimizado das suas capacidades físicas e intelectuais. Conforme temos referido, são os problemas afectivos com origem na família que têm determinado as perturbações comportamentais e a inadaptação à escola, a que se junta o insucesso estudantil; nascendo o novo ser da aliança mais imbricada e complexa que é possível dois seres humanos protagonizar, repleta da mais íntima sensibilidade física e psicológica, terá aquela de percorrer um longo e árduo caminho elaborado pelas mais ou menos amadurecidas acções e reacções afectivas dos progenitores.

            A relação conjugal, a que atrás aludimos, nem sempre corre bem, devido à influência dos fantasmas inconscientes dos adultos, quando estes trocam as voltas à própria sensibilidade consciente; quantas mães não “sufocam” os filhos através de cuidados obsessivos, no fundo, a camuflar uma agressividade irrepremível e doentia? Quantos pais não exercem sobre os rebentos um autoritarismo tristemente balofo, na tentativa inconsciente de compensar a ansiedade e a insegurança de si mesmos? Quantas crianças não desobedecem, teimam ou fazem birras, apenas para mendigar para si alguma atenção e ternura? Claro, a sensibilidade inconsciente é sempre mais forte e exigente do que a consciente, porque se encontra à mercê dos instintos primários. Georges Mauco (1899-1988), considera que “essa violência instintual se mantém enquanto não tiver sofrido, por intermédio da relação com o outro e pela mediação da palavra, o freio da realidade exterior” (Mauco, 1967: p. 25).

            Pelo que fica dito, quer a sensibilidade, quer a competência relacional necessitam de terreno propício ao seu desenvolvimento, portanto, em casa, no âmbito da triangulação familiar afectiva, primeiro; depois, na escola, no seio dos meandros do sistema educativo, nem sempre conformes às necessidades de sucesso pessoal, intelectual e social das crianças.


             Refira-se, a talho de foice, o que ocorreu no ano de 2007, em termos regressivos face à consciência do pós-guerra, isto é a grosseira substituição de um promissor mas inacabado (muitos dos pontos fulcrais estavam ainda por regulamentar) “Estatuto Docente” - (Decreto-Lei n.º 139-A/90), por um novo e intragável documento ainda em vigor (Decreto-Lei n.º 15/2007 de 19/01). Reforçava-se aqui a descaracterização e o desgaste rápido da classe docente; e impunha-se, paralelamente, um rol de exigências absurdas: mais horas de trabalho; tarefas administrativas exaustivas e supérfluas; interdição de opinar em relação ao perfil psicológico dos alunos; mais, o docente tem sempre de descortinar soluções para os défices de aprendizagem das crianças, como se estas tivessem origem numa qualquer indústria de produção em série, pautada pelo estereótipo do pronto-a-parir.