quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O HIPOCONDRÍACO




Imagem do Google


      Por norma melancólico, condicionado por uma tristeza profunda, o doente hipocondríaco permanece, invariavelmente, refém de uma teia terrível de doenças imaginárias que, por isso mesmo, só ele consegue congeminar. Ser hipocondríaco acaba por encerrar o indivíduo no temor inconsciente de si próprio e da sua saúde, ou antes, da ausência desta, levando-o a comportamentos de auto-observação minuciosa, exagerada e sistemática, mesmo quando não suspeita nem acredita que se encontra efectivamente enfermo; a hipocondria perturba também o doente que acha que pode, eventualmente, sentir algo de errado consigo, mas, nestes casos, as análises apresentam resultados negativos e os diagnósticos médicos nada despistam. Enfim, perante tal quadro, mostram-se insatisfeitos! Há ainda quem se queixe amiúde de uma infinidade de disfunções físicas sem nenhum tipo de disrupção orgânica medicamente constatado.

      O hipocondríaco tanto pode apresentar tendências caracterológicas, obrigando-se não só a tomas contínuas e indiscriminadas de suplentos vitamínicos, tónicos e mezinhas, tendendo a levar alguns médicos a receitar, visando o efeito placebo (fins sugestivos ou psicológicos), como se pode manifestar a par de uma sintomatologia enquadrada em estados ansiosos ou depressivos, ou, pior, no âmbito da esquizofrenia. A estes três níveis, e por influência psicossocial, podem surgir doenças psicossomáticas debilitantes, entre muitas outras: a gastrite ou a prisão de ventre, as cefaleias ou os tremores, o vaginismo ou a amenorreia, a asma ou a dispneia, a hipertensão ou a taquicardia, a obesidade ou a anorexia/bulimia, a artrite reumática ou as alergias várias.

      A hipocondria onde se encontra ausente a base orgánica, segundo os especialistas, ocorre com mais frequência nas mulheres com graves perturbações de personalidade, sendo também a de mais difícil tratamento e a mais “ardilosa”, isto é, tenta granjear simpatias, benefícios e atenções suficientes para justificar a indolência e a irresponsabilidade pessoal, familiar e social. Na prática, o hipocondríaco enferma de um psiquismo atribulado, mormente quando se conjugam sistomas melancólicos e obsessivos, pautados por delírios de auto-condenação (culpabilidade) e impulsos sádicos.

         Que pode fazer, então, o hipocondríaco para contrariar tão negativo estade de coisas?! Deve deixar de viver tão intensamente o seu narcisismo mórbido, esforçando-se por se descentrar de si enquanto sujeito, e, como propôs Jacques Lacan, ser capaz de “se tornar sujeito” – e não objecto – “do seu desejo ao passar pela ordem da linguagem”; frequentar, diariamente, o ginásio, mostrando-se activo e empenhado no exercício físico, de preferência em grupo; conversar em família, no café ou em outros contextos do seu dia-a-dia, sobre temáticas diversificadas, desviando-se sempre de assuntos que englobem doenças ou fármacos; optar por literatura vária, mas de qualidade (contos, romances, jornais e revistas); seleccionar programas televisivos, escutar música, ir ao cinema, fazer férias, fazer refeições fora, fazer praia; fazer, finalmente, uma auto-avaliação regular de como as coisas vão evoluindo... para não deixar de ser capaz de melhorar. É este o propósito sustentável.


NOTA: Permitam-me que recorde ainda esta notável afirmação de Lacan: “O inconsciente é a primeira parte do discurso concreto, enquanto transindividual, que falta à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade do seu discurso consciente”.




1 comentário:

  1. Meu amigo, conheço pessoas hipocondríacas que se tornam por vezes insuportáveis. Eu não sei lidar com elas. O tratamento deve ser mesmo difícil...
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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