sexta-feira, 30 de agosto de 2013

E AS CRIANÇAS?!...

       Para quem hoje tenta, de forma séria e honesta, olhar a escola, procurando analisá-la, percebê-la e interpretá-la, visando inferir conclusões, a partir das quais possa legitimamente apresentar um conjunto de soluções alternativas àquelas a que a tutela tem, precipitada e inconsequentemente recorrido, não pode nunca ignorar a complexa e emaranhada realidade que envolve toda a sociedade portuguesa em geral, já de si, cativa do todo universal, e, ainda, em particular, as especificidades do nosso sistema educativo, tão sistematicamente desprezadas.

     Portugal encontra-se, cada vez mais, refém do inexorável avanço da globalização onde pontificam os “media”, a invasão das novas tecnologias e a avassaladora influência de ambos; e escrevemos “refém”, porque tem sido através deles que a nossa mal preparada sociedade tem absorvido, paulatinamente, a dissipação dos valores; tem renunciado aos princípios; tem rubricado atropelos à ética e à moral, no âmbito de uma escola massificada, que ainda não conseguiu tirar partido da multiculturalidade em presença e da diversidade étnica deficientemente “integrada”, por razões, neste particular, meramente políticas.

    A laicização do estado (cá dentro) e a teocratização (lá fora) de certas sociedades, alimentadas estas pelo fundamentalismo exagerado, hostil ao ocidente e à sua cultura, são outras tantas achas para a fogueira da complexidade empedernida da vida dos nossos dias. Se, por um lado, se vão diluindo os brandos e ingénuos costumes alicerçados na trilogia Deus, Pátria e Família, por outro lado vai ficando aberto o caminho ao facilitismo, à irresponsabilidade, à incompetência, à dissolução do significado dos vários papéis sociais que impendem sobre os cidadãos, quer da sociedade civil, quer daquela que a complementa. No meio é que está a virtude, convenhamos!

       Desmantelada essa escola de vida que era a tropa (não a guerra), reduzido o simbolismo da bandeira e do hino à mais ínfima espécie (futebol e pouco mais), descaracterizada a família e a sua orientação modelar, transformada a escola num campo de rivalidades e trabalhos forçados, onde o professor perdeu toda a individualidade e autoridade, pouco mais resta às crianças de ontem, aos jovens de hoje e aos homens de amanhã, absolutamente traídos nas suas mais legítimas expectativas, do que a busca desenfreada do prazer versus solidariedade e dever, na tentativa de combater a frustrante desilução de uma vida sem sentido.

        A escola não consegue sozinha arcar com a responsbilidade de inverter semelhante estado de coisas: importa definir os vários territórios de pertença onde se movimentam os elos da comunidade educativa (estafado conceito este), atribuir-lhes os papéis adequados, bem como ter a capacidade de saber e conseguir estabelecer as áreas de abrangência comuns.

       Torna-se urgente dar o tiro de partida para a renovação da escola; fomentar nos jovens o exercício da cidadania como valor integrador; diminuir o fosso físico-afectivo entre pais e filhos; moralizar as instituições; respeitar e considerar os professores, dialogando e negociando, efectivamente, com esse baluarte fundamental da sociedade.


       E encerramos com uma última nota, veementemente crítica, relativamente ao anunciado esbanjamento de recursos, à revelia das reais necessidades do nosso país, como forma de “combater a crise”. Ao desperdício anacrónico de dinheiros públicos aplicados nas salas construídas nos recreios, diminuindo anacronicamente os já reduzidos espaços arborizados de lazer e distensão para as crianças. Cada vez mais, as áreas onde se inserem os estabelecimentos de ensino, passaram a ser antros comprimidos sem nenhum espaço de terra, de ar livre, de jardins, onde, de forma absurda, são inscritas mais e mais crianças. A Educação e o Ensino, em Portugal, estão transformados en autênticas aberrações institucionalizadas... para mal das nossas crianças; para descrédito dos nossos jovens; para desconchavo da sociedade futura.

Nota: net pic

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

DA TV, DA NET E DOS JORNAIS

     Hoje em dia, por dá cá aquela palha, afadigam-se as pessoas com temas, assuntos e matérias que não aquecem nem arrefecem, não servem para rigorosamente nada, são de uma futilidade aflitiva, mas ocupam o tempo e o espaço da comunicação social, determinam o aumento das audiências – no caso das televisões; forçam a compra de jornais – em se tratando destes; estratificam viciosamente os doentes da internet – embalados numa espécie de letargia obscura, redutora, solitária e fria. Reparem: no (i)mediato, estes três meios de comunicação (?!!!) de massas conseguem o tão desejado objectivo de chamar a atenção dos pobres mortais, visando o incremento dos lucros pelos quais desesperadamente se batem.

     Se calhar, até podemos avançar, aqui e agora, alguns exemplos daquilo que no parágrafo anterior se afirma, uma vez que não convém que as coisas permaneçam sem a devida configuração ilustrativa da ideia que nos é dada transmitir ao leitor. Nesta medida, atente-se nos programas apelidados de “talk shows”, onde aparecem para conversas perfeitamente idiotas (há excepções) alguns dos mais inqualificáveis indivíduos deste país – íamos a escrever nulidades, mas também não será assim. Os “Big Brothers”, onde, durante quatro meses se aprisionam, numa casa fechada mas devassada em absoluto, uma dúzia de criaturas em regime parasitário, a destilar venenos e afecções afectivas, sem qualquer objectivo lúcido; “as Celebridades Vip”, na quinta, no barracão ou na casa... Tem graça, desta feita, os programas foram designados na língua de Camões!!! Bom, no caso da quinta, toda aquela bonecada urbana encenava uma espécie de propedêutica agrícola, de resto, inconsequente, sem nenhum benefício palpável, nem para eles nem para o público.

     No caso da “internet” são tantas as mais-valias como os prejuízos, dado que dificilmente se conseguem inculcar, minimamente, regras de utilização da “WWW” nos nossos alunos e jovens, tendo em conta não só o carácter altamente viciante deste meio de comunicação, mas também a diversidade ímpar de matérias e recursos disponíveis, cada qual o mais aliciante, perigoso ou conspurcador de hábitos, atitudes e tendências, como é o caso da pornografia, sempre execrável e abjecta, mas sub-reptícia, latejante e insidiosa.

     Vamos agora, então, aos jornais. Aqui, volta e meia, surgem as sondagens: estas são joguinhos de mau gosto, tão da preferência dos partidos que nessas alturas se encontram na mó de cima, e tão “indiferentemente” olhadas de soslaio pelos que se encontram na mó de baixo. Mas, atenção: só com a mó de cima e a mó de baixo em articulação é que se consegue fazer farinha! Enfim...

     A seguir à brincadeirinha, bem folclórica, das sondagens, surgiu a dos “rankings” – outra palavra inglêsa, talvez por causa do colorido, não?!! --, ou escalonamentos, como nós lhes chamámos; e logo haviam de envolver as escolas nesta enganadora manobra de diversão.

   Tudo isto contitui uma pura perda de tempo: como é possível pretender estabelecer escalonamentos entre escolas públicas e privadas?!! Que tipo de veleidade pode eventualmente sustentar comparações entre os resultados dos filhos/família, económica e socialmente privilegiados e integrados e os indigentes de má sorte dos bairros degradados e sofridos?!! Por que razão se ignoram estes aspectos tão marcantes e antagónicos da nossa realidade escolar e se apresentam os resultados como se nada fosse, colocando a tónica do “sucesso” nas escolas e colégios da “gente bem”, como se estes não tivessem feito mais do que a sua obrigação?!!

  Por que diabo não se utilizam todos estes dados, internamente, no sentido de despistar os reais problemas do sistema educativo, visando tentar minorar o que está mal e melhorar quem, ainda assim, demonstra ter unhas para tocar guitarra?!!...

Nota: net pic

domingo, 18 de agosto de 2013

CONTRIBUTO PARA A EFEMÉRIDE DOS 40 ANOS DE ABRIL

    


       De entre muitos outros factos de relevo para o sucesso da Revolução de 25 de Abril de 1974, o Romance Histórico “O CHÃO DOS SENTIDOS” - que tive o prazer de escrever -,  versa, diegeticamente, a história da Resistência ao regime de Salazar, num enquadramento estrutural da acção narrativa com início em Paris, no ano de 1890, estendendo-se a mesma pelas atribuladas décadas seguintes, já no nosso país, e depois em Angola (guerra colonial), até finais de 1976, enquanto a Democracia se ia consolidando em Portugal.

       O Romance “O CHÃO DOS SENTIDOS” revisita também o relativo sucesso dos minifúndios agrícolas do Norte (quintas), em Castelo de Paiva, onde, apenas a troco do “terço” das colheitas, famílias imensas de feitores e caseiros, de pés descalços, trabalhavam a terra de sol a sol, com pouco mais do que as enxadas;

   Ademais, revela “o curioso embrião de um certo empreendedorismo proletário” ou como se iniciou a exploração de inertes, na margem esquerda do rio Douro, na década de 1950, até ao colapso da ponte Hintze Ribeiro, em 04 de Março de 2001;

         Para além de outros referentes mais, que dão corpo, cor e ritmo à linha discursiva da obra, o romance histórico “O CHÃO DOS SENTIDOS” desvenda ainda, desde a sua génese, os projectos inovadores – no Porto – dos Colégio da Estrela (meninas), adquirido em 1916, e rebaptizado, depois da sua venda em 1928, de Colégio de João de Deus (rapazes), até ser comprado pelo Ministério da Educação, de Veiga Simão, em 1973.


        Por último, uma alusão aos heróis Resistentes, Luís e seu filho Ricardo, que, incapazes de acompanhar a História do tempo que é o deles, soçobram frustrados através do tempo da história.

Manuel Bragança dos Santos

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

“COGITO, ERGO SUM”

     Começo por recordar o princípio relativamente ao qual o famoso filósofo francês do século XVI e XVII (1596-1650), de seu nome Descartes, fundou toda a sua doutrina - “Cogito, ergo sum” - Penso, logo existo. Este homem, através da dúvida metódica, idealizou uma racionalidade cujo critério da autoridade deveria dar lugar ao da evidência intelectual.
      Mas, é claro, isto não passava de uma tolice de filósofo, e ainda para mais, doutrinada no antanho obscurecido dos tempos; hoje, no moderníssimo século XXI, para quê pensar?! Manda quem pode e obedece quem deve, principalmente se estiver com a corda dos créditos na garganta, que é a pior forma de dever. Exactamente, caro leitor, não o vou maçar com filosofias; vou antes pensar (enquanto posso, dado que as minorias nos impedem de pensar, a nós, maiorias, por todos os meios e mais algum) um pouco consigo, até para ter aquela sensação Cartesiana de que ainda existimos.
    E já agora!... Deu que pensar aquela intervenção de um ex-governante (não merece ser nomeado, sequer), do tempo designado de vacas gordas (a utilização de expressões bíblicas confere aos políticos uma certa feição apocalíptica), quando o mesmo, na vigência do executivo de Sócrates, através de uma das rádios da nossa língua de terra europeia, sublinhava, com veemente imprecação, que lhe dessem ouvidos, de uma vez por todas, porque já tinha avisado, aquando da decadência do cavaquismo, que a idade da reforma deveria ter subido nessa época, os ordenados descido, os horários laborais alargado, as pensões diminuído... E por aí fora! Que asco, Santo Deus!... Como se as migalhas que são destinadas a vencimentos e pensões pudessem perturbar os inconfessáveis desígnios do lucro, em relação ao qual tudo o resto se decide.
    São, isso sim, as contradições do sistema capitalista, absolutamente desregulado, virtual e voraz, que têm estado a trocar as voltas aos mentores desse mesmo sistema. O homem não pode dar livre curso às suas tendências de animal que é, predador por excelência. Por isso existem normas, leis, regulamentos, princípios estatutários, códigos, etc., aos quais tudo e todos devem estar sujeitos para que seja possível viver em sociedade; daí a importância de um sistema educativo integrado e inteligente; daí a fundamentalidade de um sistema de justiça sério, actuante e criterioso; daí a essencialidade de um sistema de saúde que preze os cidadãos e o contributo válido que estes prestam à sociedade e que só a ausência de doenças consegue garantir. Isto deve valer, também, para todos os países pretensamente civilizados.


     Inversamente, tudo tem sido feito ao arrepio desse conjunto de princípios pelos quais o homem se deveria reger. Mas, afinal, também já há quem queira ressuscitar o "estalinismo"! Até que ponto estaremos então domesticados, for-ma-ta-dos, mesmo depois da queda do muro de Berlim?! Será que a saudade do autoritarismo, leva à mutilação do pensamento, ao apagamento da memória, em épocas conturbadas de decadência, caos e anarquia?! Porque não deixa de ser muito mais perigoso tudo quanto fica por dizer, ao invés de tudo quanto é dito. Tudo quanto se cala, não fomenta a reflexão, mas nem por isso deixa de laborar no silêncio cancerígeno do inexorável...

imagem google

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

INSTANTE DA ESTANTE


         Concluí a leitura do primeiro romance, escrito por Sandra Neves – Homicídio na Câmara Municipal. A obra, de trezentas e poucas páginas, consegue prender o leitor, através da narrativa cuidada, dinâmica, assertiva. O texto referencial, cuja temporalidade representada aponta para a engenhosa definição significativa da personagem Gérard Dépard, enquanto suporte de todo o desenrolar da intriga, numa organização literária com carácter transformador, impõe-se pela articulação comedida entre os aspectos descritivos e narrativos.

       Sandra Neves consegue aportar-nos, na agitação útil do sintagma, o prazer do seu próprio discurso, na “inteligência, mental e cúmplice, da sintaxe”, recordando, aqui e agora, Roland Barthes. E chama-nos à razão, no âmbito da sua explanação teórica e conceptual, para as representações mentais inerentes a um certo contexto histórico e ideológico situado entre os anos de 2034 e 2038, numa habilidosa antevisão (prolepse) dos factos ficcionados.

    Em toda a obra perpassa um discurso trepidante, agradável, cuja narrativa, por isso mesmo, se encontra imbuída do ritmo necessário, indispensável à arte de contar. No caso concreto do “Homicídio” que tenho em mãos, esse ritmo chega, por vezes, a expressar uma notável intensidade dramática, plasmada no enunciado discursivo, como o são os exemplos das passagens relativas ao assassinato de Alexandre Sem-Medo, às conversas com Gérard, ao gáudio psicopata de André, ou aos homicídios deliberados ocorridos no Aeroporto Francisco Sá Carneiro.

       Este primeiro livro de Sandra Neves tem o mérito duplo de, por um lado, ser o primeiro e, por outro lado, ter conseguido veicular uma mensagem urgente de alerta, face à corrupção que grassa no rectângulo e que, infelizmente, poderá estar para durar; paralelamente, a história e a narração da mesma, só nos chegam por meio da narrativa da autora, uma vez que só é possível que tal aconteça no âmbito da transmissão dessa mesma mensagem. É que o discurso só é narrativo se viver de uma espécie de interacção com a história que conta, obviamente, sem esquecer as nuances entre o tempo da história e o do discurso; a forma como o narrador interpreta a história e, por último, o tipo de discurso a que lança mão o narrador.

    Neste livro, chamo uma vez mais a atenção para a temporalidade da narrativa. Desta feita, depois de Gérard ter sido “convidado” a partir para Angola: ela é, sequencialmente, dual, isto é, a um tempo, significado e significante, emergindo daí realidades diferidas que transmigram um tempo num outro tempo, numa elaboração estética refrescante. Evidentemente que a história apresenta, logo de início, uma antecipação histórica, bem fundamentada (analepse), estruturando-se em várias relações temporais dinâmicas, de cariz possível, ao longo de toda a diegese. Analepses e prolepses são, como é sabido, contrabalançadas pela anacronia que se lhes interpõe...

   Um outro aspecto curioso, prende-se com a postura omnisciente da autora, enquanto narradora ausente como personagem da acção, não deixando de ser analítica do ponto de vista interior e, de uma perspectiva meramente exterior, assume-se como uma muito atenta observadora, na óptica da sua exegese.

      E, como este olhar já vai longo, direi apenas, para terminar, que Leonor apura, no final da história, o comportamento ancestral da mulher/mãe (matriarca), de que nos fala Jung, assumindo, por força da sua dignidade de género, o tabu da sua gravidez – e, aqui, reporto-me, também, ao conceito Junguiano de tabu – , quando ele refere o segredo incondicional, enquanto meio primitivo de fuga ao perigo... do psiquismo colectivo.
          Parabéns, Sandra! Um abraço do Manuel Bragança dos Santos.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

TACANHA E RISÍVEL PUBLICIDADE

     Que eu saiba, até hoje, nunca ninguém pagou um cêntimo que fosse, para publicitar ou partilhar uma graça, uma chalaça, uma piada, uma anedota, uma brincadeira, ou mesmo uma simples palavra ou expressão que, de repente, como se se tratasse de uma espécie de vírus, sem como nem porquê, passasse(m) de boca em boca, de escrita em escrita, nas redes sociais também, sendo observada(s) e usada(s) por todos e em todas as circunstâncias, em detrimento de outras que, paulatinamente, vão caindo em desuso e, portanto, no esquecimento. 

   Tanto quanto me é dado saber, "os publicitários são uns exagerados", mas tudo tem limites: todos quantos vão tendo o privilégio de estar vivos e gozam de boa saúde, vão porfiando, no dia-a-dia, com vista a palmilhar o estreito e curto, mas sempre amplo e longo carreiro da vida, devendo fazê-lo sem alardes vãos, sem exibicionismos decadentes, sem esgares patéticos, que a publicidade inadequada, desproporcional, imprópria e sempre gratuita, acaba por exacerbar, através do grosseiro pincel de comportamentos aflitivos, que escapam à fina acuidade e subtileza de um quadro harmonioso, coerente, equilibrado e edificante de valores, cuja indelével leveza de sentidos consegue plasmar, de forma sucedida, na suavidade policromática da tela do nosso quotidiano pessoal e social.

   Reparem que as instituições que visam gerar mais-valias, afanosamente, podem seguir os mais ínvios e desconchavados caminhos, mas tal não deixará de prejudicar a imagem que pretendem arvorar junto dos potenciais clientes e dos já fidelizados, pelo que se recomenda bom senso, temperança e rigor; frugalidade, bom gosto e tempero.

     Recorde-se, agora, a insensibilidade dos publicitários, o seu desfasamento da realidade, na prática, num claro confronto e oposição face ao universo factual dos consumidores que representam, afinal, num contexto real, objectivo, de facto e de direito, a razão de ser da sua problemática existência. As máquinas de "marketing" esfalfam-se, num esforço desesperadamente "esquizofrénico", de lavagem cerebral, de quem ainda perde tempo a escutá-las, grosso modo, nestes termos: "na compra de duas máquinas de lavar, leve grátis um ferro de engomar"; "adquira quatro polos e leve dois de borla"; "faça milhares de telefonemas (de valor acrescentado, claro) e este automóvel topo-de-gama é seu"; "compre o telemóvel "X", por apenas Euros 699 (seiscentos e noventa e nove Euros)"... Isto é espantoso!!!...

       Pois, mas é esta a realidade bipolar da moderna sociedade de consumo irracionalmente imponderado e imediato; assumidamente bi(multi)facetado e desviante; reconhecidamente redutor e perigoso; tragicamente manipulador e compulsivo. De um lado temos, a avaliar pelas amostras supra citadas, o publicitário pobremente redundante, ignorante e medíocre, mas sempre ruidosamente omnipresente - atente-se na blasfémia dos "apenas 699 Euros", face a um país endividado e falido, preenchido por uma população falida e endividada; na ignorância e estreiteza mental que encerra a expressão "sem palavras", quando uma qualquer reportagem questiona as pessoas; no disparate sem dimensão que constitui a proposta de "compra de quatro polos", neste caso, em pleno Inverno; a ingenuidade do engodo do automóvel, e por aí fora...

  Mas esta terrível realidade configura ainda aspectos profundamente bizarros, muito próximos de um quadro atitudinal de demência, cujos contornos extrapolam as mais elementares normas de um estado de direito democrático, onde até o próprio Estado, de forma ilegítima, ilegal e inconstitucional, aplica taxas ou impostos sobre o produto de impostos cobrados, ou implenta leis colectoras com efeitos retroactivos. Mas há mais: as empresas que gerem os sinais televisivos, compelem os seus funcionários a chagar se-ma-nal-men-te os potenciais clientes, ao longo de anos, invadindo condomínios privados, tocando às campainhas das portas, introduzindo lixo publicitário nas caixas de correio e por debaixo das portas, num inusitado e insuportável assédio sem precedentes. Tudo o que é demais é moléstia!

     Do outro lado temos os indefesos consumidores... cidadãos, melhor dizendo, olhados como potenciais clientes, impreparados, sujeitos à voracidade cultora do consumo a qualquer preço, já que no sistema educativo nacional foi, despudoradamente, arreada a vela do decoro, do rigor e da exigência, para que a deriva se efective; foram diluídos os valores, para que os instintos falem mais alto; foram empobrecidos os "curricula", para que a manipulação encontre chão onde medrar...

               M. B. S.









      

        

domingo, 4 de agosto de 2013

A VALIDADE DOS VALORES


     Até nós estamos surpreendidos com o título deste nosso escrito! Não é que quando se aborda, nos dias que correm, a temática dos valores, do seu significado e alcance, há sempre quem diga que agora as coisas já não são o que eram; “que isso era dantes”; “hoje em dia é tudo muito diferente”; “não podemos ficar sempre arreigados às mesmas formas de ver e de encarar as coisas”; “há que estar actualizado”. Pois muito bem: então a honestidade, a capacidade de cumprir com as obrigações laborais, familiares, conjugais; a integridade moral; a rectidão de carácter, etc., não exigem do indivíduo, enquanto membro de uma comunidade, enquanto parte integrante da sociedade dos homens e mesmo enquanto consciência isolada que a si própria se perscruta, a mais completa e perfeita observância de um quadro de valores, cujos princípios, normas e substância se mantenham inalterados e inalteráveis na sua pureza intrinsecamente original?! Nós achamos que sim.

      O respeito pela vida humana, fundamentalmente nas pessoas das mulheres e das crianças... estamos a pensar na urgência em acabar com a violência doméstica -, a procura da paz, o desenvolvimento de atitudes e comportamentos tendentes a fomentar a harmonia no seio da comunidade dos homens e, num contexto mais lato, no âmbito da necessária coesão social.
 
         Hoje mesmo, sentimo-nos mais inclinados a discernir sobre um outro tipo de valores que, por arrasto, dizemos nós, têm sido desvirtuados, se tivermos presente aquilo que se passava nas nossas escolas, quer antes de Abril de 1974, quer nos primeiros anos depois desta data. A relação ensino aprendizagem processava-se no seio de um clima saudável de respeito pelo professor e de interesse pelas matérias explanadas. As excepções só confirmavam a regra. Parece-nos que com o andar das coisas e com as alterações artificialmente introduzidas pela “ditadura legalista” de um chuveiro terrível de legislação autenticamente produzida a metro, tudo viria a piorar, até porque os meninos passaram a ser vistos como um exército de anjinhos a quem nada se exige.

        Mais recentemente, os constrangimentos verificados prendem-se, fundamentalmente, com as dificuldades de articulação das múltiplas sensibilidades em presença nos actuais agrupamentos constituídos por autênticas multidões de alunos e professores, a significar uma complexa teia de mentalidades, racionalidades e interesses, muitas vezes em contraponto com o edifício potencial das sinergias que urge aproveitar, no sentido do desenvolvimento dos múltiplos talentos, nem sempre convergentes, quando o que importa é trilhar a senda do progresso técnico futuro.

      Torna-se difícil também a implementação de valores que visem a missão humana da educação e o seu alcance inabalável de solidariedade e de empatia; o valor do respeito pela nossa envolvência ecológica que importa equilibrar; o valor ainda da diversidade cultural e multi-étnica, por razões de paz e de convivência democrática.
 
      Hoje, mais do que nunca, importa operacionalizar uma “Educação para os Valores”, apoiada em estratégias de fundo, obviamente, que dotem a escola de privilégios socialmente aceites, nomeadamente no que toca à imperiosa reconstrução do perfil profissional e da imagem social do professor que, até ao momento, as tutelas se têm encarregado de esboroar; isto se quisermos que o contexto escolar se venha a tornar num alfobre de culturas e práticas de excelência, controladas e sustentadas pelo próprio sistema, no interesse de todos os outros sistemas que constituem o tecido nacional. Não digam depois que os não alertámos!

M.B.S.          Em 13 de Fevereiro de 2006




INDELÉVEL

Imagem da Net

Mesmo que nada digas    ouvir-te-ei
ainda que não compareças    sentir-te-ei
mesmo que te recuses    beber-te-ei
ainda que te afastes    ver-te-ei
mesmo que te dissipes    respirar-te-ei

M.B.S.  - 1998 - in "O Rumo e o Sonho", 
                         Fólio Edições - 2001

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A INTROJECÇÃO


      É já impressionante o rol de queixas que os cidadãos portugueses vão tendo dos governantes, dos partidos, e das instituições criadas por uns e por outros, por se permitirem agir, nem sempre através de processos suficientemente transparentes. Quando se trata de auditar todos eles, raras são as vezes em que não vêm a lume um ou outro quid pro quo resultante de erros de avaliação (por omissão ou distorção) das múltiplas situações em presença (a imperfeição é a essência do ser humano), a exigir, portanto, a preocupação de comportamentos e protagonismos eivados de bom senso e pragmatismo actuante.
       
     Mas o mesmo se passa no âmbito da União Europeia (zona Euro ou a 28), depois do eixo franco-alemão ter chegado à conclusão que a bacia carbonífera do Rühr, deixaria de ser pomo de discórdia (tinha motivado as 1.ª e 2.ª Grandes Guerras Mundiais), para, em 1950, passar a ser ponto de partida de interesses comuns – mudam-se os tempos... Assim, tanto a França como a Alemanha, passaram a gerir em conjunto o mercado do carvão e do aço através de uma Alta Autoridade. Foi desta maneira que, um ano depois, surgiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que vigoraria a partir de 1952, instituída pelo Tratado de Paris. 
      
      E por aí fora, invocando sempre acordos e implementando tratados que, a pretexto do bem da união, mais não fazem do que ir debilitando, paulatinamente, os países do Sul da Europa em proveito de interesses hegemónicos de domínio inconcebível. Logo, mais lamúrias, decepções, choro e ranger de dentes.
      
      E podia falar ainda de outros países, por esse mundo fora, mas vou apenas tocar ao de leve a tese que hoje me traz aqui e concluir rapidamente sobre as disfunções comportamentais dos cidadãos nacionais.
      
    Face à complexidade factual mal percepcionada de um quotidiano redutor, anacrónico e demencial, uma vez que vai sendo urdido pela incompetente mediocridade dos “heróis” nacionais ungidos pelo voto popular, o povo, incrédulo, mas sempre reincidente, já só sabe chorar as suas mágoas, convencido de que a responsabilidade é só dos outros, numa demonstração aflitiva de sintomas neuróticos introjectados, tal como nos descreve Sandor Ferenczi (contemporâneo e amigo de Freud), quando adianta que a histeria colectiva força a líbido a desinvestir o objecto, por desprazer, numa transferência incompleta tendente a diluir responsabilidades nos outros, enfim.


     
     No entanto, como todos fazemos exactamento o mesmo, levados por um atavismo arreigado de larguíssimas dezenas de anos... centenas, se dermos ouvidos a Roberto de Mattei, quando este refere os tratados de Westfalia de 1648, enquanto vírus que irá minar a coesão Europeia por rejeição a qualquer referência transcendente. Bom, de volta a Portugal, recordo o nosso filósofo José Gil: “o queixume delirante constitui também um modo de justificar todo o pragmatismo de sobrevivência, o não-cumprimento da lei, a irresponsabilidade, o “desenrasque” , a esperteza na acção” – saloia, tal como fazem os governos, onde se vão encontrando, cada vez mais, autênticos sucedâneos do chico-espertismo, valorizado desde há muito pelo povo que somos.