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A criança, logo após o nascimento, apreende o
mundo pela boca: é a fase oral, como lhe chamou Freud (1856-1939), ou do erotismo bucal;
neste âmbito, cada eventual frustração alimentar pode dar origem aos complexos
de abstinência. Sendo ainda e tão só uma extensão do corpo materno, o vínculo
biológico que a criança mantém com a mãe, no caso de ser interrompido ou
quebrado é susceptível de determinar disfunções fisiológicas ou mesmo neuroses
de abandono, conforme alerta Germaine Guex (1904-1964). Mais tarde, na
adolescência, quando tudo corre mal, é provável que o indivíduo possa mesmo
enfermar da síndroma da fixação regressiva primária caractericada por uma espécie
de estupor hebefrénico, conforme alude Marguerite-Albert Sechehaye (1887-1964), quando se refere a uma sua
doente, cuja prostração e ansiedade difusa mascaravam a necessidade de
alimento.
Já na posse da primeira dentição e
dotada de uma crescente autonomia psicomotriz, a criança dá os primeiros passos
no sentido da afirmação da sua personalidade, esboçando alguns gestos de
agressividade defensiva e independência, face ao triângulo edipiano e ao meio
ambiente que a rodeia. É nesta altura (fase sádico-anal) que os progenitores
lhe impõem o asseio e a higiene, através do controlo dos esfíncteres, o que
pressupõe a aceitação da instância parental repressiva; mas, esta vem instaurar
a ambivalência da afectividade infantil. O acto de morder e ingerir/digerir os
alimentos reveste agressividade e satisfação destruidora, logo, ambivalência,
conferindo prazer, quer por introjecção, quer por excreção; este fenómeno é,
ainda, ambivalente, porque os prazeres experimentados são, ora objecto de
tolerância e até incentivo, ora alvo de interdição e sanção. Melanie Klein
(1882-1960), na obra Notes on Some
Schizoid Mechanisms (1952) e no texto On Identification (1955),
chama a atenção para esta fase, tentando entender as transformações, por
evacuação, dos maus conteúdos do self do bebé no bom seio da mãe,
através da Identificação Projectiva, o que modificaria os medos
infantis, as angústias, o sofrimento, a insegurança, mais tarde removidos e
reintrojectados e perfeitamente tolerados.
Por tudo isto, a criança é levada a radicalizar a
ambivalência face ao objecto do seu desejo, tornado obsessivo, contraditório,
facilitado ou interdito, magnético e cúmplice ou proibido e culpabilizante, a
um só tempo.
A vida conjuga-se, desde a primeira hora, pela natural
busca de equilíbrio que se processa pela harmonia optimizada do funcionamento
somatopsíquico. Quando a criança descobre o seu próprio corpo e as diferenças
genitais (fase fálica ou pré-genital), brinca, explora a “novidade” e dá-se
conta da imagem que o espelho lhe devolve, carreando a afectividade para a
afirmação da sua integridade física; este fenómeno dota a sua sexualidade de
uma tonalidade narcisista, que tolera mal qualquer ruptura angustiante. Esta,
precipita a síndroma histérica e força o surgimento de um alter ego, levando
o indivíduo a projectar os seus pensamentos, desejos e gestos na sua
imagem desdobrada em espelho; esta imagem, no entanto, constitui uma ameaça
fantasmática que aniquila a integridade corporal da criança, depois de ter
varrido abruptamente as suas projecções, sobrando apenas a angústia fóbica e a
fragmentação histérica.
Uma vez mais a harmonia e o equilíbrio relacionais do
casal, na triangulação (edipiana) que se estabelece com a criança, é
fundamental para a diluição das síndromas em presença, nomeadamente quando se
trata da opção objectal através da identificação com o progenitor do
mesmo sexo – assunto que já esboçámos aqui –: esta opção pode ser prejudicada,
quer pelo comportamento disfuncional dos pais quer pela ambivalência da
afectividade infantil. A mãe tão desejada deve ser rejeitada, porque pertence,
afinal, ao pai, o que gera erotismo, ciúme, agressividade e rejeição ou um
outro qualquer mecanismo de compensação ansiosa; este, entre muitas outras
reacções, pode despoletar rivalidade, ódio ou, até, desejo (conturbado ou
amoroso) de identificação, tal como viu Freud e, tanto quanto nos
parece, subscreve Michel Foucault (1926-1984).
Ainda assim, a problemática das neuroses e das psicoses é
muito mais do que tudo isto junto, valendo estes preciosos contributos pelo
agitar das águas e pela criação de estádios sucessivos que se foram sobrepondo,
no sentido do enriquecimento de posteriores estudos, análises e investigações
verificados até hoje, (Jean Piaget, 1896-1980).