quinta-feira, 29 de junho de 2017

PREDAÇÃO "CIVILIZADORA"


     Nas semanas mais próximas-passadas, ocupámo-nos com leituras que dão sempre que pensar, até porque versa(va)m temáticas, as mais das vezes, polémicas, tendo em conta, não só a inevitável subjectividade involuntário-inconsciente, através da qual o sujeito que escreve se deixa levar, inapelavelmente, portanto, mas também porque não nos encontramos nunca no interior da cabeça dos outros, pelo que por mais boa-vontade que demonstremos, tudo se processa por meio de equações susceptíveis de redundar, para mais ou para menos, em resultados enganadores, distorcidos, que nos acabam por decepcionar... ou não!

    Claro! De que temáticas se tratava, não o dissemos ainda, tem o leitor razão!

     Referímo-nos às tão difíceis e complexas independências ocorridas no continente africano, uns anos após o términus da catastrófica 2.ª Guerra Mundial (1939-1945). Uma das consequências deste gigantesco e abominável conflito planetário foi a divisão do mundo em dois blocos oponentes (o Ocidental e o de Leste), geo-estratégica, idiológica, cultural, económica e socialmente definidos e que viriam a formatar o contexto, a vários níveis, em que aquelas independências se viriam a verificar.

    Como é de todos sabido, o bloco Ocidental tinha à cabeça os Estados Unidos da América, liberais e capitalistas e o bloco de Leste tinha na liderança a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, colectivista e comunista. Bom, aprendemos na Psicologia que toda a dinâmica idiossincrática do indivíduo, isolado ou em grupo, radica em móbiles e/ou em motivos. Os primeiros envolvem afectos ou têm origem no inconsciente; os segundos têm a ver com a racionalidade, muito embora sempre que um móbil seja dominado pela razão possa assumir foros de motivo.

      Este último raciocínio serve apenas para clarificar o quão ténue se nos apresenta (quando tal acontece) a linha que delimita ou confunde a emoção da razão, ainda que possamos dar de barato que determinados interesses possam envolver legitimidade, mesmo que não se vislumbre se os mesmos têm origem no capricho de certos afectos ou na urgência de certas necessidades plausíveis. Mas falámos atrás em idiossincrasia e, esta, no ser humano, é motivada por factores físicos ou químicos variáveis, portanto, mas sempre determinantes do temperamento e da susceptibilidade de cada um, e, sendo assim, a nota dominante no ser humano é a imprevisibilidade no âmbito da multiplicidade dos contextos (situações) e das criaturas (quem) que só a Educação pode, de certo modo, contornar, corrigir, integrar ou sublimar.

     Por último (não permitiremos que a emoção nos tolha a razão), resta-nos deplorar o estado actual de efervescência de todo o continente africano, pautado pela fome, a subnutrição, o analfabetismo, o tráfico, o terrorismo, a corrupção, as assimetrias regionais, o tráfico de pessoas e matérias-primas, a escravatura sexual e laboral, a usurpação do poder, a perpetuação do tribalismo hegemónico, etc., etc., etc., exactamente igual a tudo o que se tinha começado a esboçar na segunda metade do século XV. Só que agora o homem recorre a mais sofisticação, tecnologia e letalidade.

      E diziam os entendidos, no início da década de 1970, não sabemos se levados por móbiles ou se por motivos, que a transição para a independência dos vários mosaicos (ratificados pela Conferência de Berlim, em 1884-85) em que o colonialismo europeu retalhou a África resultaria de “um esforço consciente da maioria do povo, no sentido de modificar as suas próprias ideias, crenças, suposições e atitudes sociais,” (...) “mobilizando as multidões rurais, em prol de novos métodos de produção, em contexto de novas relações de produção” (Davidson, 1972: 416, 418). Nada disso resultou. O que constatamos é que não há teorias que regenerem cinco séculos de reiteradas violações!

Bibliografia: Davidson, B. 1972. Angola – No Centro do Furacão, Lisboa, Edições Delfos.

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ABOMINÁVEL SENSO-COMUM

          


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     A filosofia não se compadece com a amorfia, a indiferença ou a estagnação intelectual das criaturas; mas, pior do que isso é o encapsulamento narcisista, banal ou seguidista das mesmas, muito para lá de uma atitude reflectidamente filosófica. A filosofia radica na admiração e no espanto que tudo questionam, de forma crítica; na busca da verdade; na problematização da realidade envolvente, na certeza de que não existem certezas, dissipando, portanto, o dogmatismo, a caminho do conhecimento mais lato e libertador.


      Bertrand Russell (1872-1970) apontava o senso-comum como o fautor de preconceitos, convicções e crenças irrealistas, logo, desprovidos de razão. O indivíduo que se dá por satisfeito com as lengalengas, as cantilenas, as balelas e as atoardas do senso-comum, fecha-se sobre si mesmo, furtando-se ao mundo exterior e a toda a sua intrigante complexidade. Para ele só existe linearidade, vulgaridade, leviandade e pobreza de espírito.


       Não deve o homem cingir-se apenas aos instintos. Para quem se espanta, interroga e reflecte, não basta, no entanto, no dizer de António Sérgio (1883-1969), a atitude simplória, vulgar e deturpadora dos espíritos ingénuos, mas sim uma aturada moção crítica, autenticidade, método e cepticismo activo, face à clarificação das questões filosóficas elementares. E Sérgio acrescenta: “a filosofia é, em grande parte, a luta do bom-senso contra o [senso-comum]” (Sérgio, 1974: 6,7).


        Qualquer intelecto descomprometido deve ser capaz se se abstrair do espaço e do tempo; deve conseguir libertar-se de receios e de expectativas; é determinante que se dispa de crenças interiorizadas e de tradicionalismos balofos, rumo à contemplação filosófica, enquanto cidadão universal que se furta à especulação espiritual do seu mundinho intrínseco, subjectivado e egóico.


         O abominável senso-comum não satisfaz nunca quem quer saber e se interroga, nem é compatível com a contemplação filosófica, mas tem alimentado, no quotidiano, quem se acomoda e repete de ouvido o que se diz por aí... nos meios de comunicação social ou nas redes ditas sociais, e, hoje, mais do que nunca, caminhamos já para a “verdade” pré-formatada, para o pensamento único, para a perda da atenção dirigida e da capacidade de simbolização... “Não tenho palavras... Que quer que lhe diga?!” -- ouvimos nós, amiúde, dizer na televisão. “À verdadeira contemplação filosófica, muito ao invés, dá-lhe contentamento toda a ampliação do Não-Eu, – o que magnifica o objecto que se contempla, e, por aí mesmo, o próprio sujeito contemplador” (Russell, 1974: 240).


Bibliografia: RUSSELL, Bertrand. 1974. Os Problemas da Filosofia. Coimbra, Arménio Amado – Editor, Sucessor.