segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A ILUSÃO DE COMUNICAR



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         Hoje em dia, o comportamento do homem em situação é caracterizado mais em função da sua capacidade de reacção motivada do que por uma espécie de intrínseca e genuína necessidade de acção. Esta resultaria de uma etologia saudável; aquela surge do imperativo de tentar compensar a dor mental que atormenta o quotidiano dos indivíduos.

            Este tipo de sofrimento advém da vulgarização da omnipotência em detrimento do uso do pensamento; da negação das aprendizagens empíricas em favor de afirmações identitárias omniscientes; da assunção prepotente de posturas esquizóides inconsistentes, porque sonegam a dependência e a fragilidade humanas. Tudo isto gera confusão e ambiguidade, sem deixar de configurar estranhos mecanismos de defesa e readaptação às cada vez mais complexas condições de existência da sociedade actual (Bion, 1991; Zimerman, 2004, cit. in Wolff, 2011).

            E é esta mesma sociedade que nos impõe, em tempo real, a omnipresença das novas tecnologias de informação e comunicação, às quais se ligam os indivíduos de forma viciante, dependente, ambígua, desprovida de lógica, de verdade e de emocionalidade, porque de virtualidade se trata. Fica, por um lado, diluída a territorialidade em nome da globalização, da mesma forma que vamos sendo invadidos por uma espécie de uniformização dos contextos, dos cultos, das crenças, dos ritos e das assunções, a caminho da solidão virtual, do isolamento, da formatação padronizada geradora do pensamento único, na vacuidade do tempo e do lugar; por outro lado, tal estado de coisas potencia a confusão mental ou mesmo a dissociação, disfuncionando o equilíbrio do self.

            A propósito das TIC e das “redes sociais” – o conceito exige uma análise reflexiva profunda e desmistificadora –, há quem afirme que as mesmas potenciam a paulatina diluição da angústia existencial de quem as utiliza... Enfim, como se aquelas fossem capazes de operar a metabolização psíquica de quem a elas se “agarra”, transformando os conteúdos nefastos de cada um em capacidade de sentir e de pensar.
E aqui, servimo-nos dos ensinamentos de Bion, estabelecendo um paralelismo entre o vínculo que se desenha entre a mãe e o bebé, aquando da relação continente-conteúdo, no sentido da resolução dos maus conteúdos infantis transformados pelo bom-seio, e a seguir introjectados pela criança a favor da construção do aparelho de pensar os pensamentos.


            Nas redes sociais, tanto quanto nos parece, será mais o inverso: a inoperância deste fenómeno positivo de metabolização não digere psiquicamente as impressões sensoriais e as emoções, sendo estas evacuadas por identificação projectiva; esta, por sua vez, pode despoletar reacções psicossomáticas e alucinações. E terminamos com o conceito designado por Bion de “ataques aos vínculos”, para referir que esta estranha dependência pode, paradoxalmente, coarctar a comunicação dos indivíduos, refreando a aptidão para pensar, a linguagem, o conhecimento e, até, a própria simbolização (Bion, 1991b, cit. in Wolff, 2011).

2 comentários:

  1. Mais um texto para pensar, amigo. E muito actual, nestes tempos em que as pessoas quase só comunicam através das tais TIC. É muito bom não perdermos o hábito de nos encontrarmos com os amigos para uma boa conversa...
    Um beijo.

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    1. Querida amiga, Graça Pires,

      Ainda bem que os meus artigos vão conseguindo chamar a atenção das pessoas para o que se passa à nossa volta. É um prazer sabê-la leitora.
      Desejo-lhe umas Santas Boas-Festas e muita Paz.
      Beijinho.

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