terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

A ENGUIA DA RIA DE AVEIRO



Imagem do Google - Enguias

Imagem do Google - Lampreias


        A enguia é um peixe da ordem dos teleósteos (ossatura completa), da família dos Murenídeos (como a moreia), embora mais fino, longo e cilíndrico do que esta, da subclasse dos teleóstomos (completo mais boca), isto é, dotado de esqueleto completo, mais ou menos ossificado, boca e opérculos protectores das cavidades branquiais. A enguia, que também dá pelo nome de eiró (diminutivo latino de hidra), procede etimologicamente do latim anguilla.

      Esta curiosa espécie aquática, muito cobiçada, não só na ementa gastronómica de Portugal, mas também de outros países, possui um elevado valor comercial, sendo cá servida, principalmente, de caldeirada ou frita. A Anguilla anguilla, na época da reprodução, desce aos 400 metros de profundidade no Mar dos Sargaços, seguindo depois os milhões de larvas o capricho das correntes, ao longo de cerca de três anos, até às costas da Europa. Nesta fase, ainda minúsculas e transparentes (enguias-de-vidro), procuram penetrar a foz dos rios e áreas lagunares (Ria de Aveiro – Torreira, São Jacinto, por exemplo), em busca de águas tranquilas dulçaquícolas e salobras onde permanecerão até à adultícia – cinco anos as fêmeas, e sete os machos.

        Na altura certa, um surpreendente e enigmático instinto vital de reprodução chamá-las-á de novo ao Mar dos Sargaços, desovando entre Março e Julho, depois de uma viagem inelutável, sem paragens nem alimentos, acabando por morrer exaustas, para que os juvenis se possam dirigir também aos estuários da Europa, a partir do Atlântico, do Mediterrâneo, do Mar do Norte e do Mar Báltico.

      Tudo isto seria muito interessante se a espécie não estivesse há várias décadas sob a ameaça de extinção: a pesca dos juvenis (enguias-de-vidro), de forma desenfreada, desprovida de critério e por todos os meios, à qual se tem juntado a poluição galopante do seu meio ambiente podem estar a comprometer seriamente a manutenção de tão salutar hábito alimentar. Quem tudo quer, tudo perde.


      Nota breve: Nomeie-se também, a talho de foice, a lampreia, por ser o tempo dela e ainda por se tratar de mais uma incontornável iguaria gastronómica. Não é um peixe, não senhor; é um ciclóstomo ágnato [(do grego – boca redonda sem mandíbula) provida de potente ventosa interior], corpo cilíndrico e longo, desprovido de esqueleto, que vem desovar, ao contrário da enguia, na nascente dos rios, onde chega no início de cada Inverno, depois de uma longa e imparável peregrinação marítima, morrendo, do mesmo modo, em seguida. Os juvenis desta espécie vão crescer no alto mar.

POSTSCRIPTUM




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Rio, inquieto, transformado em onda,
Na água dos versos, engrossando o mar,
Eis a Ideia lúcida, redonda,

Em letras, rudes formas de expressar,
O mundo ideal que a nossa mente cria,
Em fervoroso, vívido sonhar,


Nos páramos supernos da Harmonia!


xxxxxxxxxxxxxxxx


Esteves dos Santos - 1943

A CULTURA HIPNÓIDE




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         Nos tempos que vão correndo, e ao contrário do que se possa levianamente pensar, as sociedades ditas civilizadas, globais, vão alimentando, de forma automatizada, robótica, mimética e seguidista, anestesiada e dormente, uma espécie de cultura hipnóide, que tem petrificado as relações sociais, no âmbito de uma intersubjectidade cada vez mais descaracterizada e autofágica.

       Por cultura, entendemos o enriquecimento cognitivo, logo, intelectual, e a consequente, pertinente e legítima prática social das competências adquiridas através desse processo; por cultura percepcionamos ainda a genuína autenticidade dos valores, costumes e património artístico que as comunidades do passado nos legaram; a nossa sensibilidade cultural abarca também os vários códigos, padrões, crenças, assunções, institutos e criações de pertença, identidade e afirmação da nossa vida pessoal e social no seio do tecido comunitário.

      Por hipnóide, julgamos tratar-se de um estado de dormência que afrouxa, diminui ou elimina a capacidade cenestésica do indivíduo, obscurece o ritmo dos processos intelectuais e obnubila a consciência. A cultura, portanto, implica uma prática quotidiana absolutamente esclarecida e cristalina, muito longe de qualquer influência hipnóide. No entanto, o que se passa é precisamente o contrário.

    Fernando Pessoa (1888-1935), nos seus escritos filosóficos, escreveu que (citação de memória) foi a dinâmica da colectividade a recorrer, através da democracia, à coesão social pelo voto maioritário, depois de ter sido gorada a coesão por instinto; ou seja, a democracia surge então como uma espécie de artifício, de habilidade, de combinação sagaz para fazer face à iminente barbárie. Mas não chega. A democracia tem de se reinventar, para que o Estado deixe de ser paternalista e narcotizante, a reboque da espectacularidade- circular-autofágica da estafada sociedade de consumo, “passiva e pardacenta” – na terminologia de Pessoa.

    Com a globalização, a ditadura dos mercados, a uniformização dos comportamentos atitudinais, a padronização das tendências, os esteriótipos, as necessidades artificializadas, as novas tecnologias de informação e comunicação, geradoras, estas, dos mais terríveis delírios alucinatórios, pacificamente aceites e cada vez mais potenciados, através da ilusão descontextualizada, mas, em tempo-real, da ubiquidade, da omnipotência e da omnisciência, a cultura hipnóide e, quiçá, paranóide, geradora do pensamento único e formatado, tem vindo a avançar, de forma viral, tudo minando e contaminando, ante a impotência do próprio estado que, contra todas as expectativas e probabilidades se declara seu adepto.


    Encontramo-nos perante um desolador quadro de dessimbolização, o que configura um evidente retrocesso civilizacional, de clara alienação, já que os indivíduos cada vez escrevem pior, vão lendo menos ou mesmo nada (literatura consensual), comunicam de forma pobremente sígnica e interjeccional, isto é, afastam-se cada vez mais do outro, isolam-se sem se darem conta, deixando assim de viver, de compreender o seu papel existencial e de perceber o que querem para a sua própria vida.

        Resta-nos, ainda assim, lutar contra a cultura hipnóide e apostar nos núcleos de cultura-genuína-resistente, existentes em certos nichos regeneradores-sustentáveis, por enquanto latentes mas promissores, restauradores da nossa identidade cultural, a vários níveis, aguardando apenas quem os manuseie e promova com verdade e honestidade, como forma de contrariar a desagregação e o caos social, quer em Portugal, quer no resto do mundo.


NA MIRA DE FREUD E BION


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        Antes de mais, situemo-nos: foi o próprio Freud (1856-1939) quem atribuiu a Joseph Breuer (1842-1925) a autoria da Psicanálise, embora aquele já tivesse descoberto, antes disso, a essência da mesma. Ao longo dos dois anos (1880-1882) em que Breuer tratou a histeria de Anna O., Freud foi sendo informado do caso, mas, só em 1885, quando Charcot (1825-1893), esforçado e honesto, traz novos ensinamentos sobre os histéricos e apela à importância das neuroses, é que Freud revê, interpreta, sintetiza e integra as várias ocorrências no âmbito da Psicanálise. Ainda que sem causa anatómica – dizia Charcot – a histeria existe mesmo, não é uma simulação; e Freud considerou que a mesma radica no inconsciente...

      Com paciência e perseverança, Breuer recorria à hipnose para concretizar o método catártico, associando o sintoma histérico à sua causa, levando Anna O. à remomorização e verbalização completa do facto em si, de modo a integrá-lo na consciência normal da doente. Freud viria a sistematizar este processo, introduzindo-lhe, porém, alterações de monta, como, por exemplo, abandonando a hipnose; optando pela livre associação de ideias do paciente, recorrendo às suas imagens, pensamentos e fantasias, cujo peso patogénico o Ego não tolera. Sobrevem, então a resistência entre o consciente e o inconsciente, o que dificulta a tranferência.

         No decurso das suas investigações, Freud junta à Livre Associação de Ideias, outros conceitos assaz úteis como o são a Atenção Flutuante, a Neutralidade e a Abstinência. O 1.º e o 2.º são recursos fundamentais para fazer vingar o processo onírico, ao invés do discurso sistematizado e linear do doente. A Atenção Flutuante é isso mesmo, quer dizer, não é direccionada para nada em especial, mas valida tudo o que possa parecer importante no âmbito do fluxo transferencial, bem como a Neutralidade e a Abstinência.

            Mais tarde, Bion (1897-1979) daria um novo impulso à Psicanálise. Na sua obra “Atenção e Interpretação”, de 1970, este cientista trabalhou o conceito de “Memória e Desejo”, referindo a submissão do analista à mais exigente observância de se abster de memorização e desejo, junto do paciente, não forçando nunca a compreensão e a cura.


        Este tipo de disciplina, que o analista impõe a si próprio na interacção que estabelece com o doente, confirma uma nova abordagem do estado de espírito necessário, quer ao analista, quer ao paciente, para evitar constrangimentos impeditivos do normal e sucedido fluxo mental do analisado, e ainda, obstando a interpretações erradas (parciais) por parte do analista. Com Bion, avançava-se assim para um novo e mais abrangente patamar epistemológico...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A SÍNDROME DE REJEIÇÃO


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        Nada melhor do que a família para se empenhar na implementação e desenvolvimento do seu papel regulador, no âmbito das tão necessárias quanto inevitáveis interacções a que a criança vai sendo sujeita no seio do meio ambiente, ao longo das várias fases etárias da sua vida. Este empenhamento deve ser dotado de vontade, de natural motivação, para que se possa tornar efectivo e actuante, numa linha de saudável desvelo, entrega e preocupação, isto é, capaz de satisfazer harmonicamente todas as necessidades da criança em cada idade precisa. Isto é aceitar o pequeno ser, tal e qual ele é.

          Se, por um lado, a criança, que é tão humana como outro qualquer ser humano, embora muito mais indefesa, deve ser olhada de acordo com as suas insuficiências, incapacidades e fragilidades, por outro, deve ser também encarada segundo as suas promissoras competências e todas as suas potenciais habilidades, umas e outras em gratificante crescendo. Só assim é possível rodeá-la da segurança e confiança indispensáveis à sua iniciação na existência. Se, pelo contrário...

        Sim, ainda que de forma inconsciente (ou não), existem pais que não protegem devidamente este ou aquele filho (ou nenhum deles), logo, a criança sente na pele esse “abandono” e tudo começa a parecer deveras ameaçador. Não basta ministrar-lhe os alimentos, passar-lhe a mão pela cabeça e ignorar tudo o mais. Uma criança não é um simples animal de estimação, embora, também estes nos mereçam a melhor das atenções. Sem o acompanhamento adulto adequado, integral e continuado, a criança sente-se esmagada pela envolvência do dia-a-dia, impotente para agir, começa a perder a alegria de viver e cede à ansiedade.

       Perante tal quadro, a criança frustra as expectativas dos pais que, na sua ignorância e desajeitada atitude inconsciente, se tornam mais exigentes, intolerantes e hostis, o que configura já uma espécie de rejeição insuportável para o menor. É terrível a falta de cuidados, de carinho; a indiferença, a segregação, ou, então, as críticas, os ralhetes, os castigos, o desleixo, a falta de elogios, o escárnio a que é votado o descendente. O filho é um empecilho, um mau produto de um casamento frustrado ou o resultado de uma chantagem conjugal, emocionalmente mal urdida e inoperante. A criança é, nestes casos, desvalorizada inconscientemente, para poder ser perseguida e castigada.

      Tudo isto resulta de uma reacção em cadeia com origem no passado dos pais ou dos pais dos pais, pelo que criaturas com personalidade mal aferida ou desestruturada, desprovidas de maturidade, também elas rejeitadas, não conseguiram construir imagens parentais gratificantes nem capacidade de afirmação e sentido de aceitação do menor. Ou, pelo contrário, foram tão mimados que perderam o sentido das conveniências, da responsabilidade, da empatia – uma criança é sempre incompatível com o narcisismo doentio dos progenitores.

     Pode acontecer também que o complexo de culpa dos pais os leve a sufocar a criança com bens materiais em excesso: brinquedos, roupas caras, guloseimas, continuando, no entanto, a negligenciá-la. O resultado é sempre o mesmo – rejeição, o que significa atitudes de abandono, manifestando a criança, não só sinais de angústia, de agressividade reactiva e de auto-depreciação, mas também traços de dependência, passividade e avidez, perda de identidade por ausência de um modelo orientador.


       Pior ainda: os objectos externos e internos afiguram-se-lhe fantasmáticos e ameaçadores; sente-se desinserida do convívio com os outros, complexada, paranóide e agressiva; começa a alimentar fantasias omnipotentes devido ao seu narcisismo ferido, ao cinzentismo autobiográfico, inferiorizado, de consciência diluída, sem referências orientadoras; alimenta também uma circularidade doentiamente petrificada e viciante entre as representações mentais do passado e do presente, desprovidas de uma normal e natural integração progressiva, o que acaba por abortar a auto-estima e excluir o futuro... 

ALGUNS DESVIOS EDUCACIONAIS


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        Educar é, provavelmente, uma das tarefas mais nobres e indispensáveis a ser implementadas pela sociedade dos homens, junto dos mais novos, no sentido do desenvolvimento harmónico destes, sob o ponto de vista mental, físico e social, dotando-os, para tal, de conhecimentos, competências e aptidões, assegurando assim a sua integração, de forma equilibrada e proveitosa (socialização), ao longo das várias fases etárias, a começar, necessariamente, no jardim-escola.

         Isto seria, como se depreende, o ideal, já que, no dia-a-dia, a normal prática educativa sofre, mais vezes do que seria expectável, desvios de percurso, erros, problemas e distorções, que tanto podem ser imputados aos pais e aos professores, como aos sistemas educativos, da responsabilidade dos respectivos governos; destes, principalmente, deveria vir o exemplo de excelência, empenho e aprumo. Temos assistido, as mais das vezes, a imensa demagogia, a surpreendente incompetência e a escandalosa negligência. Mas situemo-nos, para já, no terreno escolar dos desvios:

      Em contexto de sala de aula, quer devido a uma manifesta impreparação psicopedagógica, quer por força da dinâmica das sensibilidades inconscientes em presença, o educador pode cair no erro do arbítrio, da injustiça ou da justiça incongruente, da hiperprotecção ou da negligência; pode ainda dirigir-se à criança através de diminutivos lamechas, mantendo uma interacção de dependência aduladora, alternando recompensas e castigos, arrastando consigo a criança num mútuo de incompreensão e angústia, passível de originar nesta perturbações psico-somáticas e motrizes.

       Pode acontecer, também, que este tipo de situações faça despoletar um certo sado-masoquismo relacional encapotado, do qual sai sempre mais prejudicado o ser com menos defesas físicas e mentais, ou seja, a criança. A chantagem material ou afectiva, como moeda de troca junto de certas crianças ou mesmo do grupo, gera o culto de ambições egóicas clivadas e enreda o menor numa espécie de formatação amestrada. A reserva mental dirigida ao grupo, pautada pela vigilância sobre os instintos, coarcta a natural predisposição anímica dos seus elementos e atrofia a saudável manifestação das necessidades infantis e a sua sede de estímulos psicológicos gratificantes.


    No que toca ao ambiente familiar, só o sadio comportamento dos pais pode ajudar a criança; não, entre outras coisas reprováveis, o tratamento diferenciado face aos géneros, por força de presunções culturais erróneas – conscientes ou inconscientes; não as frustrações projectivas dos progenitores, na busca de compensações errantes inconfessáveis; não o filho/a moço/a de recados, nem tão-pouco substituto/a dos pais, durante um fim-de-semana ou ao longo de umas mini-férias do casal – brincar às casinhas só é útil para a criança se decorrer da sua própria iniciativa, com carácter lúdico, simbólico e absolutamente desprovido de obrigatoriedade ou sentido de responsabilidade e prestação de contas aos adultos. Não, mas não mesmo aos filhos preferenciais em detrimento do outro ou dos outros. De resto, aos adultos exige-se que sejam exactamente isso... Adultos; sejam eles pais, educadores ou governantes.

A NOVA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA



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    Em termos gerais, sempre que olhamos para a sociedade, podemos dizer que se trata de um organismo vivo, a exemplo do que se passa com o corpo humano, e que as pessoas são o sangue que gira nas veias desse mesmo organismo.

      Como em qualquer corpo vivo, para que as coisas possam correr, consigam funcionar, sejam capazes de se desenvolver, é fundamental que haja saúde. Para que haja saúde devem ser tomados os devidos cuidados, sem os quais o organismo vivo – a sociedade, para utilizarmos aqui o paralelismo inicial – não conseguirá nunca equilibrar-se e avançar, segundo o rumo traçado, visando atingir objectivos de paz democrática, de desenvolvimento e de melhor qualidade de vida.

     Evidentemente que, sempre que em determinado organismo existe uma dada doença, mais ou menos grave, mas ainda assim não terminal, esse corpo social pode, da mesma forma evoluir com maiores ou menores dificuldades, fazendo sofrer os hospedeiros que o habitam mas, tentando sempre progredir. É o que nos parece que acontece com a sociedade portuguesa.

         Em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974, rompeu-se com o regime profundamente conservador e tacanho que vigorava até então e institucionalizou-se um novo regime, de feição democrática, com liberdade de expressão, de imprensa, de voto, de feição pluri-partidária.

       É a partir daqui, e com o decorrer dos anos, das décadas (vamos comemorar já os 43 anos da Revolução), que as coisas avançaram, não só porque teriam mesmo de evoluir segundo o ritmo natural das mesmas, mas também porque, alicerçados numa sociedade dotada de novas característica estruturais, formais e substanciais, tudo, ou melhor, quase tudo foi ou deveria ter sido feito para que os vários sistemas inseridos na nossa sociedade – o político-ideológico, o sistema de saúde, o sistema educativo, o sistema económico-financeiro, o sistema de segurança social, etc., etc., stc., pudessem melhorar e contribuir para o avanço do nosso desenvolvimento pessoal e social, assim como para a melhoria da qualidade de vida de cada um de nós, em particular, e de todo o tecido social e de toda a teia institucional, em geral.

         Nos últimos 43 anos nem tudo foram rosas... quer dizer: nem tudo foram cravos, mas, justiça seja feita, e não obstante as múltiplas contradições a que a democracia nos tem sujeitado, o balanço, que desejamos todos olhar como sendo positivio, registou a massificação do ensino, com o qual os vários ministérios da Educação não souberam convenientemente lidar; contou com o alargamento do acesso à habitação social por parte de certas franjas da população em vias de indigência (velha e nova pobreza); contemplou o “boom” das novas tecnologias (não referiremos aqui os seus aspectos nocivos), do qual beneficiam principalmente os mais jovens que as bebem desde o berço e que, portanto, as tratam por tu; beneficiou das aturadas e constantes vitórias da ciência, nomeadamente da medicina curativa (novos e surprendentes tratamentos do cancro, dos problemas cardio-vasculares, das doenças infecto-contagiosas, das doenças respiratórias, do aparelho digestivo, etc., etc..

         Com tudo isto, ganhámos muita coisa e perdemos alguma coisa também. A vida é hoje mais trepidande, mais cansativa. Continuamos a correr cada vez mais, não sabemos muito bem atrás de quê. Existem nuvens negras e intrigantes a pairar sobre a própria economia e já nem os especialistas conseguem descortinar exactamente o que se passa. Como exemplo apontaremos apenas a intenção da banca (será só a C. G. D.?!), de aumentar um sem número de taxas e taxinhas; o actual executivo cortou em 2 (dois) pontos percentuais a taxa que pagava aos portugueses pela venda de dívida pública (prémio de permanência), o que pode ser interpretado como uma cedência aos mercados secundários; a bolha imobiliária (finais de 2016) volta a desembestar, impante... Os empreiteiros não aprendem, mesmo. Decidida e definitivamente, o sacrifício e as correrias, para além de assumirem aspectos bizarros, não são, realmente, para todos.

          Perdemos também a segurança e a estabilidade do emprego. Tanto o patronato como os governos tentam impôr-nos mais horas de trabalho e salários mais baixos ou congelados (o aumento do salário mínimo de 2017, pasme-se, recorre ao mealheiro da Segurança Social), enquanto que o grande capital continua a inchar de lucros, mormente os especulativos.


         Sem incorrer em pessimismos, a verdade é que a Europa tem permitido a incompreensível invasão de produtos estrangeiros, desprovidos de qualidade e resultado de mão-de-obra infantil, bem próxima da escravatura, o que é contrário aos mais elementares princípios dos Direitos Humanos que a Europa diz defender, e torna vulneráveis as nossas empresas e a nossa política laboral, deitando por terra todo o conjunto de conquistas sociais tão dificilmente conseguidas ao longo desta nossa democracia. Já para não falar do que poderá estar para vir, em resultado do proteccionismo redutor de um recém-eleito presidente, nos estados da Norte América. Falta abrir os olhos, ganhar coragem e bater o pé. A Europa tem de se afirmar de novo.