terça-feira, 22 de maio de 2018

A ALIENAÇÃO




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            Alienação... Pois! O presente conceito possui raíz latina e pressupõe a ideia de abandono, de cedência, de cisão, de venda, de loucura. Filosoficamente, alienação significa a perda da consciência de si (autognose), de autogoverno, de autodeterminação; o sujeito reifica-se comportamental e institucionalmente a outrem e em seu favor, ao nível sócio-económico ou ideológico. Em termos mentais, a alienação transtorna quem desta anomalia padece, determinando no indivíduo comportamentos sociais desviantes.

            Com Hegel (1770-1831), que estudou Teologia ainda muito novo (até aos 24 anos), o conceito de alienação apontava para o referencial de “consciência de si, infeliz, fragmentada”, conforme deu a conhecer na sua primeira obra – Fenomenologia do Espírito. Por outras palavras, mas sem fugir da concepção Hegeliana, a consciência é sentida como clivada do real, embora a este pertença, necessariamente; logo, esse sentimento de desarticulação e distanciamento potencia a alienação e o despojamento intrínseco, a evasão inconsciente da realidade e do ser em si, sendo este (o ser em si) o sentido positivo da liberdade e da auto-realização.

             No escrito sobre “A Ideologia demos conta da relação e influência existentes entre a dialéctica hegeliana e o materialismo dialéctico marxista. Verifica-se o mesmo, no que à alienação diz respeito: Marx (1819-1883) estudou o conceito (metafísico) hegeliano de alienação e decidiu trabalhá-lo de forma mais concreta e humana, ou seja, mais material; e fê-lo, primeiro no âmbito da cultura e, depois, alicerçado em Feuerbach, sob o ponto de vista da interacção social, mormente quando a alienação é enquadrada no quotidiano laboral. Conforme Marx escreve em “O Capital”, a transformação dos meios de produção em capital e a metamorfose dos produtores em assalariados deve-se ao fenómeno alienante de separação de quem produz, da propriedade das condições de trabalho.

            De acordo com esta perspectiva inovadora, Marx adverte para a necessidade imperiosa de libertação dos trabalhadores escravizados pelo trabalho do qual não beneficiam (mais-valias), mas de que se devem apropriar. E acrescenta, não haver outro processo ou maneira de deixar de viver em um permanente estado de alienação, a não ser através da apropriação dos meios de produção, do trabalho e das mais-valias, para que seja possível alcançar a liberdade pessoal e social. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, diríamos, em conclusão, embora, neste dealbar do século XXI, a alienação, a todos os níveis, parece ter regressado indefectível... e não há quem a combata!

A ANOREXIA MENTAL


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         Começando pelo conceito oposto, refira-se, desde já, a bulimia, isto é, a fome devoradora, como etimologicamente foi designada pelos gregos. Esta perturbação alimentar radica, de alguma forma, na instabilidade emocional que se pode ligar a um distúrbio da apercepção e valoração do self, pautado pela perda de auto-estima e de respeito-próprio, pelo apagamento depressivo e pela ansiedade exagerada. Logo, a ingestão desregrada de alimentos funciona como uma espécie de compensação automatizada, inelutável e inconsciente que urge tratar...

            No que diz respeito à anorexia mental – testemunhámos já, no ginásio que frequentamos, mulheres jovens, de arrepiante magreza, obcecadas pela prática do exercício físico –, e, aludindo, uma vez mais, à etimologia grega, covém dar conta da significação do conceito: trata-se de inapetência alimentar, ou seja, da falta drástica de apetite. Contudo, em certas mulheres anorécticas, só depois de uma significativa perda de peso (15 Kg, + ou -) se considera a pessoa enferma... mas tudo se complica quando, ciclicamente, para que possam ser invadidas por um dilacerante complexo de culpa (sado-masoquismo), se permitem devorar enormes quantidades de alimentos.

            Para estas pessoas, a balança é um instrumento censório, acusador, debilitante, caso o ponteiro possa indicar algum aumento de peso... por mínimo que seja. A solução é ignorar os alimentos, para fugir à tortura que constitui a simples ideia de somar uns gramas mais. Evidentemente que estas pessoas não estão bem, pelo que estes estados de espírito reflectem disfuncionalidades que radicaram e vão prevalecendo no ambiente familiar, e que se enquadram no tipo de relação que os pais (as mães, sobremaneira) estabeleceram e mantêm com as filhas – e sobre isto muito temos reflectido. Ou eram ( e continuam a ser) pais demasiado ansiosos e sufocantes, ou extremamente omissos e ausentes. Num ou noutro caso, a relação de objecto torna-se indefinida, ambivalente, obsessiva, restritiva ou rígida, podendo também, em sede de triangulação familiar, serem gerados comportamentos histéricos insanáveis.

            A anorexia tem início, normalmente, na fase mais afirmativa e decisiva da adolescência, quando a jovem está mais aberta ao exterior e às objectivações mais representativas da sua feminilidade idealizada, portanto, mais dependente de uma tão necessária quanto fundamental personalidade identitária e emocional estável. Esta, foi deformada, condicionada ou impedida de se estruturar, as mais das vezes, devido – tanto na infância como nesta fase –, à impreparação relacional materna (desequilíbrio mental que se traduz em implicância generalizada, desmoralização, censura, assédio moral e autoritarismo histérico dirigidos à filha). Estas situações, nestas idades, facilmente propiciam quandros depressivos graves e complexos, que desembocam em reiterada perda de apetite e, com a diminuição continuada de peso, precipitam outras consequências nefastas.


            Um dos problemas mais sérios, imediatos e de repercussões melindrosas prende-se com a amenorreia da jovem. Depois, soma-se a perda da humidade natural sebácea da pele, o enfraquecimento capilar e a queda de cabelo, para além de outras alterações bioquímicas de carácter secundário. Também a alteração provocada na generalidade do funcionamento hormonal feminino, por via da ausência de secreção de estrogéneos e foliculina, aporta dolorosos efeitos à estrutura da personalidade feminina. Mesmo depois de uma eventual cura dos hábitos alimentares, a afecção do lobo anterior da hipófise [(glandular) base do crâneo, na cavidade da sela turca)] pode prevalecer, alertam os entendidos. Assim, mesmo convalescentes, estas doentes, para atenuar as sequelas, continuam a ter absoluta necessidade de acompanhamento psicoterapêutico e farmacológico.

O FANTÁSTICO E O MARAVILHOSO



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        No âmbito do universo fascinante, misterioso e complexo do redentor imaginário infantil, que a literatura especializada acicata, cultiva, expande e faz frutificar, deparámo-nos, desde sempre, com a aparente (?!) e indefinida sobreposição dos conceitos de fantástico e de maravilhoso, como se ambos se recompletassem, de forma simbiótica, numa dependência mútua de saudável compromisso comum. Mas precisemos um e outro, recorrendo a quem sabe.

            Segundo Tzevtan Todorov (1939-2017), transcrito por António Martins (2008: 50), a partir da citação de Henriqueta Gonçalves (1995), “o fantástico divide-se em estranho-puro, fantástico-estranho, fantástico-maravilhoso e maravilhoso puro.” “(...) No estranho-puro são situados os acontecimentos inacreditáveis, extraordinários, chocantes e insólitos, que podem perfeitamente explicar-se pelas leis do racional, provocando, na personagem e no leitor, uma reacção inicial de hesitação, semelhante à dos textos fantásticos. No fantástico-estranho situam-se os acontecimentos que parecem sobrenaturais, pois levam a personagem e o leitor a pensar que se trata da intervenção sobrenatural, tal é o insólito que condensam, mas recebendo no fim uma explicação racional.

            O fantástico-maravilhoso abarca narrativas que se apresentam como fantásticas e que terminam por uma aceitação do sobrenatural (...). O maravilhoso puro provoca uma atitude na personagem e no leitor implícito semelhante à provocada pelo fantástico puro. Os acontecimentos sobrenaturais não provocam nenhuma reacção especial nem no leitor nem na personagem; o que está em causa é a própria natureza do acontecimento. Todorov delineia quatro tipos dentro deste sub-género: o maravilhoso hiperbólico, o maravilhoso exótico, o maravilhoso instrumental e o maravilhoso científico (Gonçalves 1995: 10-11).

            É este o espaço difuso do imaginário simbólico que os contos penetram, transfigurando a aprendizagem das crianças, alicerçando valores, fundamentando vivências, amaciando dificuldades, através de uma dinâmica puramente lúdica, criativa e intemporal de evasão pelo sonho que se mescla entre a realidade e a maravilha, a maldade e a virtude, a falácia e a verdade. Sublinhe-se, ainda, que o conto se redimensiona pela palavra e pela magia que a mesma encerra, levando a criança a viajar entre a realidade e a fantasia, em busca da rêverie compensatória das agruras do dia-a-dia, atenuando a incompreensão e o gigantismo do quotidiano.

            Estas escapadelas gratificantes, proporcionadas pela magia dos contos, conseguem dotar ao mais novos de competências cognitivas, afectivas e emocionais, tendentes a melhor interiorizar a rudeza da interacção social na busca de defesas propícias a um crescimento, paulatinamente, maturado, o que significa o abandono, sem dramas, da fantasia inconsciente, quantas vezes recorrente nas crianças, do ansioso retorno ao útero materno.

             Em conclusão, acrescentaremos que, se no maravilhoso se vestem de realidade todos os objectos não percepcionados (imaginados) no cômputo do cortejo, das figuras e das peripécias de determinada história, ainda que em contradição com as leis naturais da vida, já no fantástico o sobrenatural assume uma expressão capaz de lidar com a hesitação entre o real e o irreal, ressaltando a tónica da ambiguidade e da falsidade plausível (o faz-de-conta infantil, o animismo e o mimetismo tão ligados ao simbólico) capazes de diluir e impedir conclusões exactas (conscientes) sobre o assunto. É que o homem será sempre espanto e procura da verdade, mas só assim será capaz de se reinventar.

            NOTA: Com a devida vénia a António Martins e à sua obra – O Fantástico nos Contos de Mia Couto – Potencialidades de Leitura em Alunos do Ensino Básico, Papiro Editora, Porto, 2008.

           

A DIMENSÃO HUMANA DOS AFECTOS



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         A dimensão humana dos afectos não pode nem deve ser equacionada, num qualquer âmbito de análise que ignore, pura e simplesmente, a vertente Biológica do ser humano, a realidade cognitiva e, ainda, toda a complexidade ideológica ou espiritual, se quiserem. Contudo, focar-nos-emos, por agora, mais propriamente, na dialéctica que, no quadro da esgrima dos afectos, tem vindo a desconcertar os conceitos, a fazer destoar as consonâncias, a desvirtuar as vontades, em nome da falaciosa especulação do progresso.

            Trata-se, afinal, de um progresso enganador que vai tecendo loas às alegadas “vitórias” da ciência, sempre que esta possibilita artifícios genéticos, para gáudio dos seus autores que – narcisismo oblige –, pretendem, com o beneplácito e participação deliberada e egoísta de outrem, dar continuidade mais ampla e palpável às suas teses e experiências. Mas alguém pensou já nos legítimos direitos e vontades posteriores de quem irá nascer em resultado de tamanha engenharia laboratorial?!!...

            Tal como não gostamos da expressão bebé-proveta – e de tudo quanto a mesma implica –, também abominámos as fantasias delirantes de Hitler, quando este fanático preparou, em clínicas construídas para o efeito, encontros entre homens e mulheres, escolhidos a dedo (de raça ariana), para a concretização de relacionamentos sexuais mecânicos, visando a (re)produção controlada, monitorizada e apoiada de novos seres cientifizados, ideais. Ainda que salvaguardadas as devidas diferenças e distâncias, aquilo que se pretende fazer, nos dias que correm, continua a constituir um erro grave, inconsequente e irresponsável, pois desconhecemos as repercussões que terá, no futuro, na personalidade (Self – identidade, individuação, diferenciação, afirmação, inserção e pertença) das crianças que surgirão e nas suas relações de objecto. Uma adopção, enquanto mal-menor, pode sempre constituir uma alternativa mais útil e, ter, até, um maior alcance social, julgamos nós!

            Mas voltemos à dimensão humana dos afectos e à sua inextricável ligação genital. A afectividade é apanágio de homens e mulheres, e tal mais-valia potencial tanto pode melhorar como piorar a performance relacional de intimidade. Essa consciência afectiva (sentimento emocional), que Freud designou de “quantum de afecto” (energia pulsional) que investe as representações é: qualitativa (aversão ou atracção, isto é, oposição dinâmica de forças) e quantitativa (intensidade energética – economia), podendo, no primeiro aspecto, satisfazer a pessoa em causa em toda a sua dimensão subjectiva (princípio do prazer); já no segundo caso, as representações são, necessariamente, muito mais objectivadas (princípio da realidade), podendo mesmo, portanto, ser desinvestidas por desprazer [Sándor Ferenczi (1873-1937)].

            Mutatis mutandis, já aqui escrevemos (Hemisférios Cerebrais e Dominâncias) sobre a biologia das diferenças convergentes, equilibradoras dos afectos entre homens e mulheres e, está bem de ver, tamanha diversidade só empresta, concede um gratificante colorido à vida relacional, dual das famílias. Não é, portanto, linear que o homem dispense a ternura ou que busque apenas a genitalidade da mulher; também não é rígido que a mulher secundarize a sensibilidade masculina e seja apenas sensualidade e essência poética; não, as coisas, em ambas as metades, encontram-se, biologicamente, dotadas de uma perfeita e notável dinâmica de justeza e precisão.



 





O CIÚME



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        Segundo a moderna psiquiatria, existe uma correlação aproximada entre certos tipos de doenças – aquelas que, nos nossos dias, mais preocupações têm trazido aos sistemas de saúde ocidentais – e a respectiva sintomatologia verificada. Deste modo, as perturbações afectivas denotam alterações de humor; as maleitas esquizofrénicas provocam deformações do pensamento; as afecções neuróticas potenciam a ansiedade; as perturbações sociopatas levam a dificuldades de integração e pertença social; as enfermidades orgânicas prejudicam a memória e, por último, a estagnação ou o atraso mentais comprometem o desenvolvimento intelectual.

     Mas é de ciúme que pretendemos tratar no presente escrito. Este primeiro parágrafo, ainda assim, remete-nos para um conjunto de doenças cujos enfermos que delas padeçam, mais do que outros quaisquer, podem manifestar, no âmbito das suas vidas conjugais, ciúmes mórbidos. Estes indivíduos, no dia-a-dia, alimentam suspeições insuportáveis relativamente à mulher ou à namorada, e vão tecendo quadros alucinatórios de infidelidade e traição, com os quais vão lidando disfuncionalmente.
    
     Esta falta de confiança na companheira, revela também sintomas paranóides de uma personalidade depressiva, para além da total ausência de amor-próprio, de auto-estima, e de afirmação e conformidade sexualmente saudáveis. Assim, bombardeiam a mulher com perguntas ardilosas e recorrentes. Se as respostas não lhes agradam, então, está o caldo entornado! Eles andam a ser enganados. Importa, agora, vigiar as saídas dela, os telefonemas, as idas às compras; passar a pente fino a carteira esquecida em cima do sofá da sala, agora, que ela está a tomar banho. Ah!, as cuecas ou o sutiã, não vão estes conter manchas estranhas ou o perfume do outro!...
    
     Uma nova estratégia maníaca pode contemplar várias relações sexuais durante as vinte e quatro horas do dia, pois isso talvez a sature e impeça de ceder perante o amante; ou, então, a perturbação do indivíduo pode levá-lo a tentar afogar as suas mágoas no álcool, o que acaba sempre por piorar a situação. Podem sobrevir os delírios paranóicos e, nestes, a presunção de que os filhos não são seus, mas do(s) amante(s), ou, pasme-se, que a companheira anda a tramar o seu envenenamento.

            Em casos deste tipo – e não estamos a adiantar nenhuma ficção –, têm-se verificado, nos últimas décadas e cada vez com mais incidência, várias dezenas de assassinatos, seguidos ou não de suicídio. Quando não se suicidam, por norma, entregam-se rapidamente às autoridades policiais, manifestando estados de espírito diversos, mas sempre deploráveis, porque denotam uma complexa mas sempre execrável miséria moral.

A HERANÇA EDUCATIVA



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            Temos, as mais das vezes, chamado a atenção do leitor para a deplorável degradação do sistema educativo nacional, nomeadamente, no que toca ao empobrecimento curricular, à lassidão dos princípios éticos e dos valores morais, à descaracterização da figura do professor, à falácia da apregoada autonomia escolar, à anarquia comportamental dos alunos (desresponsabilização, indisciplina, insolência, infantilização, robotização, negligência, parasitagem, etc., etc., etc), tudo isto devido à impreparação ou indiferença (?!) dos sucessivos governos.

            É que estes têm sido constituídos por adultos, pelo menos, tão adultos (cronologicamente) como os paizinhos dos meninos que demandam a escola de frequência obrigatória. E, sem perder o fio à meada, recordemos agora, na medida do possível, tudo quanto já temos vindo a reflectir sobre a violência doméstica, os maus-tratos, as perseguições, o terror “educativo”, o desamor, os ciúmes, a indiferença, a usurpação de direitos relacionais, a chantagem afectiva e outras aberracções a que estão sujeitos os filhos dos homens nascidos em lares disfuncionais. Que espécie de população escolar irão integrar estes infelizes seres humanos?!

            Ora, se, praticamente, tudo na vida não tem passado de um vulgar jogo de espelhos, se tudo tem sido camuflado pelas máscaras que vão desfilando pelo palco da existência (Shakespeare), se a dinâmica social assenta apenas numa espécie de essência de dominação, como ocorria com a dialéctica do iluminismo, se sofremos (quase) todos de neurose de abandono – encontrem-nos excepções, com carácter de urgência –, como seremos, então, capazes de nos furtar ao redemoinho castigador, sufocante das compensações geradoras de agressividade e afectividade de aversão?!

            Como podemos nós continuar a tolerar, por exemplo, o afluxo insuportável de informação televisiva que aponta, invariavelmente, para os já habituais e reiterados conteúdos pautados pelo sado-masoquismo, pela corrupção, pela fragmentação identitária, pela tolice reiterada e pelo ciúme?! Todos estes aspectos configuram laivos de manifestação maníaca, o que não é mais do que uma arreigada fixação infantil a um idealismo destemperado, com carácter acentuadamente omnipotente, fantasista, onírico, onde o adulto se mostra incapaz de aceitar a dureza da realidade da vida adulta. É que este sobrevoar da realidade para a fantasia e vice-versa, num vái-vem pendular, na busca de paz interior, é apenas apanágio da infância. Não se subvertam as premissas.

            A única magia a que se pode agarrar o adulto, deve ser a das palavras e a dos actos, sempre que aquelas conseguem transmitir e propiciar rectas intenções, honestas manifestações, íntegras condutas e firmes propósitos, secundados e sublinhados pelas práticas comportamentais de autenticidade e isenção, para que, por este tipo de protagonismo impoluto e exemplar, também as crianças se possam tornar adultos de pleno direito e de saudáveis intentos.

           


EM PROL DA LITERATURA INFANTIL



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          Nos dias 17, 18 e 19 de Março de 2001, no Campus da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), na cidade de VILA REAL, decorreu o  I CONGRESSO INTERNACIONAL DE LITERATURA INFANTIL. À data, proferímos a comunicação intitulada – "A Magia do Conto no Desenvolvimento Integral da Criançaque, na sua parte final, aludia às várias peripécias de “Os Três Porquinhos” e à forma como reagiram ao potencial perigo do Lobo Mau.

            Em conclusão, referímos que o conto em apreço “ilustra bem as várias interacções verificadas entre o id, o ego e o super-ego, e a maneira como, simbolicamente, as várias passagens da história exercem a sua benéfica influência, sem que a criança se dê, conscientemente, conta. Nesta conformidade, as ameaças do id são sublimadas, contribuindo para a integração da personalidade infantil, em favor do ego articulado com o super-ego enriquecido.”

            E acrescentámos: “Só a compreensão e aceitação dos nossos próprios problemas, à medida que vamos crescendo e evoluindo, nos dá a capacidade de lhes fazer face, procurando encetar a resolução dos mesmos. As explicações e as muletas dos outros não são nem podem ser vitalícias; o sentido da vida e a confiança, o autocontrolo e a auto-estima têm de, forçosamente, estar em nós, pelo que sem os contos de fadas não é possível pretender educar.”

            Logo depois de Freud (1865-1939) e de Jung (1875-1961), um dos homens que mais importância viria a dar às potencialidades terapêuticas dos contos infantis, seria Bruno Bettelheim. Este cientista defende a ideia de que, através da literatura infantil (preferencialmente contada, não lida) é possível a reestruturação da personalidade afectada na criança, por força das agressões ambienciais. Estas são passíveis de provocar instabilidade emocional, complexos, ansiedade e regressões, o que provoca desequilíbrios na interacção harmonicamente desejável entre o id, o ego e o super-ego. É que nenhuma destas três instâncias se deve sobrepor às restantes.

            Nas fases fulcrais do desenvolvimento psicológico infantil, as crianças vão ter de enfrentar e tentar ultrapassar desafios duros e difíceis, como o são a disjunção edipiana, os ciúmes dos irmãos ou irmãs, o egocentrismo, o narcisismo, o redimensionamento gradual da consciência em detrimento da progressiva diluição das fantasias omnipotentes, tão típicas na idade pré-escolar e, depois, na adolescência. Para o efeito, importa elaborar devidamente os objectos internos, através do acesso aos conteúdos inconscientes; este processo é facilitado pelo fantástico e pelo maravilhoso das histórias infantis; pela magia e pela simbolização que os contos encerram, a par do saudável crescendo da integralidade corpórea e da tranquila consciência de si.

            A criança sempre que viaja pelo mundo fantástico das histórias consegue, paulatinamente, congregar as energias essenciais à construção de uma personalidade alicerçada; é capaz de se situar no âmbito da família, sem decepções frustrantes e aniquiladoras; adquire forma de se afirmar entre os pares, quando entrar na escola; vai sabendo seguir os melhores modelos identitários, primeiro, na família, depois, na sociedade, com o outro, sendo ainda capaz de se furtar a alteridades condicionantes, redutoras ou compensatórias, porque a vida deve ser vivida, criativamente, em liberdade e sem angústias.



quinta-feira, 3 de maio de 2018

A OPINIÃO




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   Ser capaz de emitir opinião sobre determinado assunto tem muito que se lhe diga, já que, cada vez mais, em certas sociedades, os poderes instituídos e as ideologias (leia-se, a propaganda) de que se servem, vão impondo o padrão que mais lhes interessa, no sentido da formatação do pensamento único, no seio das massas. Não, não, isto não se passa apenas nas conhecidas ditaduras que grassam pelo globo, mas também se verifica nas mais, aparentemente, cordatas democracias. Numas mais, noutras menos, como se depreende. A humanidade é mesmo assim!
  
       A propósito do conceito de opinião, Platão (428/7-348/7 a.C.), o filósofo grego, afirmou que só temos conhecimento daquilo que existe em termos absolutos, pelo que aquilo que não existe absolutamente não é cognoscível. No entanto, o que dizer do que é e não é a um só tempo?! Aqui, para que se faça luz, importa instar para a existência de algo que se possa situar no intervalo entre o conhecimento e a ignorância. Ora, é precisamente a este espaço de percepção intermédia que se adequa a opinião. Isto passa-se, ainda segundo Platão, devido à capacidade humana de ler a aparência, para melhor conviver, no dizer dos escolásticos, com a passagem da potência aos actos.

     A procura da verdade, contudo, não se liga a opiniões, isto é, o papel do filósofo deve estar focado no carácter distintivo e não acidental do ser. Ao contrário, a opinião aponta sempre para uma probabilidade e nunca para uma certeza intelectual e, sendo assim, pode ser vista, enquanto conceito tão banalizado nos tempos que correm, como algo cada vez mais afastado quer do conhecimento quer da dúvida. Reparem que não existe, numa qualquer opinião, nem um saber propriamente dito, nem um simples desconhecimento; a opinião alimenta-se, antes, de uma certa assertividade peculiar.

      Ainda assim, devido à maior ou menor probabilidade das razões que a sustentam, a opinião pode aproximar-se do conhecimento, ou, até mesmo, vir a tornar-se em puro saber, caso as razões aduzidas revistam possibilidades absolutas. O conhecimento das opiniões emitidas, seja em que contexto democrático for, é sempre susceptível de duas formas de reacção por parte de quem as ouve: anuência e reforço ou contestação e contraditório... Isto, quando não se verifica o condicionamento pelo pensamento único.

A IDEOLOGIA




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            A ideologia começou por ser uma disciplina de cariz filosófico cuja principal preocupação se centrou, não só no estudo das ideias, valores e princípios definidores e orientadores da maneira de olhar a vida e o mundo, mas também na forma de optimizar a acuidade de intuição sensível do real envolvente. De acordo com Louis Althusser (1918-1990), quem primeiro propôs o conceito de ideologia foi Cabanis e Antoine Destutt de Tracy (1754-1836), acabando por ser Karl Marx quem melhor o agarrou e teorizou – mas já lá iremos.

            As naturais capacidades intelectivas dos indivíduos e a sua aptidão para a criação e desenvolvimento de ideias constituíram, no século XIX, o objecto de estudo dos ideólogos. Estes perceberam que as ideias se ligavam aos métodos de conhecimento (gramática geral) e a aplicação do pensamento à realidade, no âmbito da lógica, embora não revestissem, por inteiro, nem formas lógicas ou metafísicas, nem factos meramente psicológicos, nem categorias do conhecimento. Isto é importante!

            Antes de Marx ainda, refira-se a visão de Maquiavel (1469-1527) no que diz respeito à hipótese de destrinça entre a realidade (política) e as ideias políticas. Também Hegel (1770-1831) considerou ser possível, no âmbito do processo dialéctico, a clivagem da consciência, nomeadamente no devir histórico, deixando aquela de ser o que é para ser o que não é. Depois de Hegel, então, vem Marx a terreno afirmar não serem as ideias que governam o mundo, mas as condições económicas que explicam a história – materialismo dialéctico marxista que partiria da dialéctica hegeliana, limitando-se apenas a proceder à inversão das premissas.

            É desta maneira que Marx vê a ideologia, considerando que esta  se adequa à camuflagem da realidade económica e social; a luta de classes que se trava no seio da sociedade é, segundo este filósofo, a própria dialéctica hegemónica da classe social dominante. Esta, para levar de vencida, tirando partido da força de trabalho das massas proletárias, afirma, por processos latentes ou dissimulados, através do cinismo ideológico, os seus reais intentos. Ou, então, a ideologia não ignora nem oculta a realidade, tornando-se, pelo contrário, o espelho dessa mesma realidade.

            Imaginem agora que o proletariado toma as rédeas do poder: neste caso a ideologia servirá como arma de luta das massas populares, na defesa dos princípios histórico-filosóficos do materialismo dialéctico, enquanto suporte da ideologia comunista. E o fundamental está dito. Refira-se apenas e ainda, a ideologia primeira – a democrática, originária da Grécia antiga; a capitalista, surgida no séc. XV; a conservadora, a nacionalista, a anarquista e a fascista (Itália e Alemanha – 1930 a 1945). Contudo, estamos já no século XXI, pelo que nos quedamos por uma última nota, apenas para referir que os filósofos do pós-estruturalismo acabaram por apontar a ideologia como tendo já subjugado o próprio marxismo mais renitente. Acham, mesmo?





DISSERAM, EMERGENTES (?!)





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            Por muito que gostássemos, e embora nos encontremos a dias do início de um novo ano (2012)*, ainda não será desta feita que encetaremos um discurso filtrado pela bonomia de uma visão ingénua e inocente, das coisas que nos rodeiam e envolvem. Não é possível ignorar que nos encontramos espartilhados, de forma difusa, alarmante e inexorável, e a braços com o desespero e a impotência de quem tem de viver, sem saber já como fazê-lo.

            É que, cavalheiros, não basta continuar a pagar, a um ritmo obsessivamente maníaco, as contas, em obediência a uma espécie de ritual catatónico, contradito, portanto, pela vertente oponível de inércia motriz e psíquica, que tem determinado o abandono das alfaias e das redes, em nome de interesses obscuros e inconfessáveis. Estes, por seu turno, têm sido pautados por forças minoritárias, mas poderosas, que se têm insinuado, tanto mais facilmente, quanto menos habilmente se comportam os pseudo-protagonistas da política europeia, num quadro de decadente retrocesso civilizacional.

            Tal estado de coisas foi potenciado e começou a alastrar, a partir das primeiras manifestações (hebefrénicas) de incompetência, imaturidade, autismo, delírio demencial, verificado nos finais dos anos noventa do século passado (02/04/1998), quando o patético poder ocidental foi acometido pela alucinação da moeda única e, mais tarde, pelo comportamento bizarro que caracterizou o embotamento da solidariedade social entre os povos europeus.

            Depois da Segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), China, U.R.S.S. e U.S.A. começaram a fazer o trabalho de casa, plasmando-se como um autêntico vírus, junto dos povos africanos, inventados, fundados e definidos pela aventura Europeia do Renascimento. É claro que os princípios e os valores maoistas e marxistas medraram, porque encontraram terreno fértil para o efeito, e, disso só se podem queixar os ”brancos” que nunca souberam ou quiseram encarar as populações africanas, através de uma atitude relacional humana e fraterna... Quanto mais não fosse, por razões de inteligência e estratégia geo-política.

            O impacto brutal deste segundo grande conflito bélico não imprimiu sensatez nos senhores da guerra. Entre 1950 e 1953, uma nova carnificina viria a dividir a Península Coreana em dois novos estados; a guerra fria intensificar-se-ia até à queda do Muro de Berlim em 1989; nos anos de 1960 teria lugar a guerra do Vietenam; em 1973, o choque petrolífero abalou a economia mundial. Depois foi a aventura Europeia, que Winston Churchill equacionou nestes termos: “ Se a Europa se pudesse entender para desfrutar esta herança comum, não existiria limite à sua felicidade, à sua prosperidade, à sua glória, de que beneficiariam 300 ou 400 milhões de habitantes... Precisamos de edificar uma éspecie de Estados Unidos da Europa... Porque não criar um grupo europeu que dê a povos afastados uns dos outros o sentimento de um patriotismo mais amplo e de uma espécie de nacionalidade comum? E porque é que um grupo europeu não deveria ocupar o lugar que lhe compete no meio dos outros grandes grupo e contribuir para a orientação do barco da humanidade?” Pois, do lado de cá do tempo é o que se constata!!!

            Mas a História projecta-se sempre no devir temporal, porque ela é passado; o presente apaga-se, a cada momento, qual lâmpada desligada pelo interruptor das horas, sem que tenhamos sabido aproveitar a luminosidade fugidia das oportunidades; o futuro... esse é sombrio, a não ser que se unam todos os homens de boa-vontade, já que se encontram inseridos nas maiorias e a união faz a força.

            Que dizer também dos inúmeros “entendidos” que enchem a boca com os rotulados países emergentes: a já referida China, mais a Índia, o Brasil e a Rússia, e, quem sabe, talvez Angola... Neles, diz-se, pode estar a salvação!... Talvez! Se calhar!... Uma coisa é certa, porém: a eles se deve já a perdição.

            Disseram emergentes (?!) Claro, claro! Mas que se pode esperar de um grupo de repúblicas, das quais duas são democracias complexas, as outras duas são ditaduras nebulosas, e a quinta enferma de um indecifrável hibridismo?! É que nadando em dinheiro e detendo dívidas públicas de interesse potencialmente letal, devido às suas características, afiguram-se-nos, umas e outras, como se de ameaçadoras bombas-relógio se tratasse.

            Reparem: tal como nos “icebergs”, a massa de gelo emergente, logo visível e controlável, é diminuta; a parte submersa é incomensuravelmente gigante, invisível e perigosa. Parece-nos ainda que os países emergentes funcionam exactamente como os “icebergs”, mas, com uma diferença fundamental: a parte visível desses cinco gigantes geográficos (BRICA), constituída pelas elites governamentais e diplomáticas, não é controlável, e não deixa de ser também, quer queiramos quer não, potencialmente gigantesca e perigosa.
 NOTA: Crónica redigida em 19/12/2011