sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

O "EROS" NA GRANDE TELA

    

 


     O documentário – “A história do sexo no cinema” –, devido à temática que aborda, poderia eventualmente chocar algumas das pessoas a quem se destina. O sexo é algo que faz girar o mundo e, portanto, tem de ser tratado não só com a naturalidade que o mesmo encerra, mas também com o cuidado e a seriedade de algo que pode ser susceptível de interpretações distorcidas ou erróneas. 

    Nesta “A Hístória do Sexo no Cinema”, o documentário tenta trilhar a senda evolutiva da temática vertente, no quadro da cinematografia deste género, ao longo dos tempos, utilizando o realizador uma éspecie de revisitação do passado, recorrendo a filmes mudos e fotografias de arquivo, sons característicos da época retratada, opiniões de críticos da especialidade, opiniões também de actores e de personalidades diversas, como é o caso notório de Hugh Hefner, o “pai” da Playboy. 

     Com o decorrer das décadas, ‘40, ’50, a abordagem do sexo no cinema continuou sendo tímida, mas eficaz e sempre presente -- veja-se a produção a preto e branco “Lolita”; “Who's Afraid of Virginia Wolf?”, entre outros. Já nos anos ’60 e ’70 a temática sexual assumiu contornos perfeitamente viáveis, cuja censura operada pelo famoso lápis azul pouco ou nada cortava, como aconteceu com os filmes “Guide for a married men” e “Midnight Cowboy”. 

     Ainda nos anos ’60, alguns filmes apresentavam cenas de esboço lésbico, absolutamente aceites pelo público, enquanto que a simples presença de um actor cujo desempenho envolvesse, por mais simples que fossem, gestos e requebros efeminados, constituía motivo para hilariantes gargalhadas. Importa aqui incluir, na mesma linha, o actual Nelo, personagem televisiva, nascido da criatividade de Hérman José. 

    Nos anos ’70, já depois do 25 de Abril, o sexo ousa mais – “O último tango em Paris” insinua práticas sexuais veladas, nunca anteriormente tentadas. No “Vale das bonecas II” assistímos ao desfile de leves orgias, apenas sugeridas, e à exibição de corpos femininos nus, a todo o ecrã, de visionamento meteórico, sem nunca, no entanto, ostentarem a zona púbica. Com tudo isto crescia a preocupação da igreja que acaba por tomar posição face à invasão sexual das salas de cinema, conseguindo travar a investida do sexo mas não o tendo dizimado. 

    Como quem não quer a coisa, o cinema foi impondo, de novo, as cenas de sexo, começando por abordagens ténues ou cómicas, sexo apenas sugerido ou esboçado, até que se decide classificar os filmes segundo as várias faixas étaria às quais se destinavam. 

    Na actualidade têm surgido filmes que tentam impor o sexo travestido de inocente ou de folgazão, em quadros quer idílicos, quer caricatos como são os casos, respectivamente, da “Lagoa Azul” e da série “American Pie”. Poder-se-ia acrescentar algo mais? Talvez! Mas, para quê? Quando se trata de sexo, pelo menos no cinema, é tudo sempre feito de forma rápida, residual e furtiva. Não quero que esta minha análise fuja do tom de documentário em si, nem tão pouco da abordagem particular da temática em análise, perspectivada pela cinematografia em geral. 

 26 de Agosto de 2019 

(Imagem do Google)

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

A IMPORTÂNCIA DA SAÚDE NO ÂMBITO EDUCACIONAL

 


 

[Por que desprezam os Governos a Educação, associada à importância da Saúde – (do Latim-, “salvação”)]...

 

     Nota Prévia: Artigo com 25 anos, devidamente actualizado em 2021, publicado na Revista “ENTRE TANTO”, órgão da Administração Regional de Saúde do Norte (Portugal), n.º 5, em Dezembro de 1996. 

 

            Quando equacionamos questões como a da Educação, se quisermos que a mesma sirva os objectivos para os quais se perspectiva, isto é, a formação equilibrada e integral das gerações futuras, torna-se fundamental manter presente que qualquer Sistema Educativo, nos paízes ditos civilizados, terá necessariamente de ser um exemplo vivo de excelência e aprumo.

            Estas qualidades terão de ser asseguradas, não só pelos diversos actores em presença, mas também pelo Ministério respectivo, em estreita relação de cooperação com outros Ministérios, como o da Saúde e o das Finanças, visando a harmoniosa acção educacional das (nas) sociedades em causa.

            Desta forma, os custos seriam contabilizados enquanto investimentos e não, como acontece em Portugal, onde a mentalidade redutora dos sucessivos governos tem encarado a Educação como um sector onde o dinheiro é, simples e grosseiramente, gasto.

            Recordemos tambem que o conceito de Comunidade Educativa só tem razão de ser se o mesmo for representado como algo dinâmico, ventilado, edificante, que interage simbioticamente através dos vários interlocutores que lhe dão corpo; estes são, evidentemente, os professores e os alunos (relação ensino/aprendizagem, de cariz primordial); os vários agentes de desempenho coadjuvante (com formação específica e competências devidas para apoiar a dinâmica do quotidiano das escolas); as equipas de Saúde, sobre as quais discerniremos mais à frente.

            Trata-se, portanto, de uma Comunidade bastante alargada, onde convivem todas as fases etárias e sexos; todos os níveis sociais; que utiliza espaços diversos; que corre riscos vários e que, como facilmente se depreende, não pode dispensar as mais elementares prestações da medicina pedagógica, das vacinações e dos cuidados de saúde primários.

            O DO(C)ENTE EM RISCO

            Decorria o ano de 1987, quando nos foi dado a redigir um artigo para a Revista “CARTILHA”, n.º 0 (zero), subordinado ao título: “Professor, Profissão de Alto Risco” (e acrescentamos nós agora – “Desgaste Rápido e Remuneração Simbólica”.

            O que na altura afirmámos sobre esta matéria, teve em conta a definição que a Organização Mundial da Saúde apresentou para o conceito “saúde” – do Latim, “salvação”. Quer dizer, esta não é apenas a ausência de doença, mas implica, sobremaneira, o bem-estar físico, psíquico e social (familiar, profissional e comunitário).

            Nesta medida, depois de tecida uma série de considerações sobre a realidade da vida docente e sobre a multiplicidade dos riscos que a mesma comporta, tivémos de reconhecer que, para além dos omnipresentes problemas profissionais, muma classe, à época, maioritariamente constituída por mulheres (78,5%), de quem a natureza e a sociedade mais exigem, acrescem atribuições de carácter maternal e doméstico... Sim, sim, ainda hoje é assim!!! Não é de espantar, portanto, que, na maioria dos casos, os professores se vejam obrigados, amiúde, a recorrer ao médico (clínico geral, especialista ou psiquiatra).

            Viríamos, então, a concluir o trabalho a que se alude, demonstrando que ser professor era (e continua a ser cada vez mais) estar exposto a um sem número de riscos e patologias que – dissémo-lo no momento –, “(...) deverão constar do próximo Estatuto Docente, como doenças profissionais devidamente tipificadas, merecendo das autoridades medidas concretas quanto ao tratamento e à cura, e bem ainda beneficiar das compensações necessárias, quando provoquem deformidades, incapacidades físicas, mentais ou de outra ordem”.

            Escusado será dizer que a nossa chamada de atenção caiu em saco roto... Hoje, prestes a ter início o ano lectivo de 2021/2022, as coisa vão de mal a pior! Diga-se, no entanto, em abono da verdade, terem sido consideradas “doenças incapacitantes”, para efeitos do N.º 1 do Artigo 48.º do Dec. Lei N.º 497/88 de 30 de Dezembro, um conjunto de 18 (dezoito) enfermidades, entre as quais a sarcoidose, os tumores malignos, as hemopatias graves, a hipertensão arterial maligna, as cardiomiopatias graves, a espondilite anquilosante, etc....

            Passados que foram largos meses, foi com surpresa e desolação que, ao analisarmos o Decreto-Lei N.º 139-A/90 de 28 de Abril, documento baptizado com a designação de Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, constatámos que as graves patologias, enfermidades e desequilíbrios induzidos pela prática docente tinham sido ignorados pelo legislador. Mas, já depois do regabofe-rosa, do pântano guterrista e dos jobs for the boys, tudo isto viria a piorar drasticamente, a partir de 2005, na vigência da dupla Sócrates/Lurdes Rodrigues: viriam a impor, em 2007, um estatuto docente humilhante que revogaria o anterior; depois, com Passos Coelho, e, depois ainda, com Costa, foi reiterada a destruição do prestígio social e a auto-estima dos professores. Estaremos à beira de embrutecer a população discente?!!! Fica no ar a questão.

            E que tal implementar a aplicação de um dispositivo legal de contemplação e atendimento do do(c)ente, a exemplo do que se verifica no caso da tuberculose e no género do que se observa no sector privado? Para que serve a ADSE tornada imposto?!...

            Impõe-se, desde já, um Estatuto voltado para o futuro, capaz de contemplar todos os aspectos já referidos para reabilitação da imagem social do professor, sem esquecer o Alto Risco e o Desgaste Rápido e as doenças que estas duas vertentes potenciam no dia-a-dia lectivo.

            A População Estudantil

            Dentre todos os actores da Comunidade Educativa, os alunos constituem o grupo mais numeroso e não menos importante. As crianças e os jovens escolarizados, conforme o ciclo que frequentam, enquadram-se em fases etárias distintas, a impor cuidados de saúde diversos. É de reter ainda, ter a massificação do ensino atirado para as escolas, também, as crianças dos sectores económico-sociais mais degradados, merecendo-nos estas a melhor das atenções, por razões óbvias.

            Nesta conformidade, e reportando-nos à experiência e/ou conhecimentos colhidos nas escolas das grandes cidades do nosso país, somos levados a propor a instalação, em todas elas, de três gabinetes, a saber: um de Educação Especial; outro de Serviço de Psicologia e Orientação Escolar; um terceiro de Medicina Pedagógica e Cuidados de Saúde Primários e Vacinação, claro, em instalações compartimentadas.

            Para trabalhar nos gabinetes referidos teria o Governo (as Tutelas respectivas, devidamente articuladas) de recrutar, respectivamente, professores especializados, psicólogos e assistentes sociais, pediatras, clínicos generalistas e enfermeiros.

            O Sistema Educativo apostaria, já hoje (escrevíamos em 1996), na saúde dos seus estudantes, mantendo sob controlo e tratamento as vacinações, as subnutrições, as inadaptações, as neuropatias, os atrasos mentais, etc., os entorses, os golpes, as fracturas, os hematomas, etc., etc..

            CONCLUSÃO

            Se se pretende fomentar, nas nossas escolas, um clima pedagogicamente equilibrado, vamos já agarrar a saúde com ambas as mãos, através das medidas aventadas ao longo do presente escrito. Reduzam-se as turmas para um número máximo de 12 (doze) alunos; assegure-se a estabilidade profissional dos professores contratados; qualifiquem-se os funcionários que designámos por “Agentes de Desempenho Coadjuvante”; construam-se escolas de acordo com as reais necessidades das comunidades que deveriam servir; atribuam-lhes autonomia financeira, pedagógica e administrativa; reduzam a carga horária e aumentem os períodos intercalares de interrupção lectiva; permitam a criação de um currículo na própria escola (“A Construção do Currículo na Escola”*), de forma a que se adeque a cada uma das realidades em presença.

            Vamos, enfim, dar um novo fôlego à Educação, também com o contributo indispensável da SAÚDE e dos seus profissionais, prevenindo a hecatombe educacional.

 

            *Em 1994 publicámos, em co-autoria com Luísa Alonso et al, o livro A Construção do Currículo na Escola (n.º 5 da Colecção Básica da Porto Editora). Porto.

 

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GRINALDA DE FLORES DE ESTEVAS


      

                           

         Por estes dias, tivemos ocasião de ler o livro de poesia – “Grinalda de Flores de Estevas”, assinado pela poetisa Otília de Azevedo. Está(va)mos na última semana do mês de Setembro de 2021.

            A obra foi dada à estampa nesse mesmo ano, e preenche 119 páginas de pura inspiração, pautada, esta, pelas reminiscências matriciais primevas, indelevelmente ligadas às origens da autora – a terra (Pinhão) e a mãe... E aqui recordámos a extraordinária pintura de Gustave Courbert, de 1866, “A Origem do Mundo”: a terra-mãe e a mãe-terra-semeada, capaz de passar o testemunho no âmbito da maratona da vida, pelo que a “daughter” de Otília é também, nestas páginas, evocação sentida.

            Em poesia, não importa o sentido das palavras, mas antes o sentido das coisas. Por isso, o conceito se torna abstracção e o signo é arbítrio, distendendo-se a sua virtual ligação entre significante e significado. Assiste-se à flutuação dos referenciais conceptualizados em representações mentais furtivas, mas prenhes de contingência significativa, onde a coisa é transcendência, na apreensão da coisa mesma.

            Nesta sua “Grinalda...”, Otília de Azevedo patenteia o seu realismo sofrido, bem longe de formalismos factuais, porque perora no sentido semiológico que busca assumir-se enquanto sistema essencial. E é neste quadro que a poetisa consegue ver metamorfoseada e renovada a possibilidade de elaboração do desejo inconsciente, onde o seu mito individual é passível de harmonização com o regresso ao mecanismo repetitivo dos lugares inelutavelmente desfigurados de ausência, mas de memória (nostálgica) intocável; aqui, o desejo desliza metonímico, condensando em metáfora o sintoma.

            Contudo, não se iluda o leitor: a desordem dos signos é meramente aparente, porque reflecte a já aludida ordem essencial, ainda que a tentativa de se acomodar a uma infra-significação, a um estado pré-semiológico possa “subverter” a própria linguagem, remetendo a poesia para o equivalente fluido (Pink Floyd ou o aprisionado Augural*) do silêncio, sensível, sem limites nem barreiras. É assim a aparente liberdade poética, sempre consubstanciada ao universo inconsciente, imaginário e simbólico de cada autor.

            Gostámos muito desta “Grinalda de Flores de Estevas”, de Otília de Azevedo, e por isso cumprimentamos a autora, brindando-a com esta apreciação que acabámos de publicar no nosso Blogue.

Nota: *Ousámos rebaptizar o Douro lodacento – rio de todos os augúrios, arremedos e pantominas.

                             Em Setembro de 2021    (MBS)

 

 

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quarta-feira, 1 de setembro de 2021

A INTERGERACIONALIDADE E OS IDOSOS

 


    Na sociedade ocidental, tornada cada vez mais complexa por força do “progresso” demolidor, já não bastam os simples automatismos homeostáticos do metabolismo, dos vários apetites (Espinosa) e das emoções. Hoje, o sujeito tem de saber reinventar-se em cada novo dia... Sim, isto vem a propósito da intergeracionalidade e dos idosos. Quanto a estes, o Estado assobia para o lado – e não ignoramos o Complemento Solidário para Idosos, regulado através do Decreto-Lei n.º 232/2005, de 29 de Dezembro –, depois de ter, habilidosamente conjugado os teores dos artigos 72.º e 67.º da nossa Lei Fundamental, responsabilizando a sociedade e a família perante os idosos. Adiante! 

    Uma coisa é o moral, já outra é o legal, e outra ainda é a parca pensão de velhice, não substituindo estas duas últimas o afecto e o conforto familiares, absolutamente essenciais para o idoso. Assim, as relações paternofiliais devem revestir um carácter de ajuda recíproca, visando potenciar sentimentos emocionais de inserção e pertença no seio da família. 

    Fundamental é oDever de Respeito, passível de ser mutuado, sem atropelos nem prepotência, quer no âmbito dos direitos pessoais quer patrimoniais. Trata-se da tutela juscivilística, do direito conhecido como ins in se ipsum (direito sobre si mesmo), enquanto objecto jurídico.

    Crucial é o Dever de Cooperação, de cariz imaterial e que implica auxílio na doença e na velhice.

    Imprescindível é o Dever de Assistência, a corresponsabilizar os membros do agregado familiar dos pais idosos, ao nível da prestação de alimentos e da contribuição para os encargos da família àquele pertencentes, tudo com sensata lucidez e na devida proporcionalidade das partes, e só no caso de manifesta necessidade ou de total indigência do(s) ascendente(s); por exemplo: inexistência de rendimentos disponíveis mensais, bens próprios (móveis ou imóveis) ou outros. Por último, refira-se, o legislador sublinha que o vínculo emocional, afectivo e sociológico pode ser bem distinto da verdade biológica onde se estriba a consanguinidade. 

    Nota: Esta sinopse foi elaborada a partir de legislação prolixa.

sábado, 21 de agosto de 2021

HARMÓNICO TOM

 
 





 


Nem sempre somos prontos a ouvir 
passagens no discurso canceladas
pois ninguém conseguirá discernir 
o porquê das palavras recalcadas
  
Do que ficar por bem será remir   
dos frutos que não pendem das sacadas
a seiva delirante de sortir
as falhas já banidas das latadas
 
Fala-me da bonomia dos campos
da serena paixão que vem da lua 
da sedutora luz dos pirilampos
 
sempre que mavioso como prece
na pauta fervorosa e semi-nua 
lascivo e musical o tom se tece 
 
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quarta-feira, 30 de junho de 2021

A NOVA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA

El Consultorio de González Cabrera: Vivimos una democracia simulada

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(Os homens e os regimes; os regimes e os homens)

Em termos gerais, sempre que olhamos para a sociedade, podemos dizer que se trata de um organismo vivo, a exemplo do que se passa com o corpo humano, e que as pessoas são o sangue que gira nas veias desse mesmo organismo.

Como em qualquer corpo vivo, para que as coisas possam correr, consigam funcionar, sejam capazes de se desenvolver, é fundamental que haja saúde. Para que haja saúde devem ser tomados os devidos cuidados, sem os quais o organismo vivo – a sociedade, para utilizarmos aqui o paralelismo inicial – não conseguirá nunca equilibrar-se e avançar, segundo o rumo traçado, visando atingir objectivos de paz democrática, de desenvolvimento e de melhor qualidade de vida.

Evidentemente que, sempre que em determinado organismo existe uma dada doença, mais ou menos grave, mas ainda assim não terminal, esse corpo social pode, da mesma forma evoluir com maiores ou menores dificuldades, fazendo sofrer os hospedeiros que o habitam mas, tentando sempre progredir. É o que nos parece que acontece com a sociedade portuguesa.

Em Portugal, no dia 25 de Abril de 1974, rompeu-se com o regime profundamente conservador e tacanho que vigorava até então e institucionalizou-se um novo regime, de feição democrática, com liberdade de expressão, de imprensa, de voto, de feição pluripartidária.

É a partir daqui, e com o decorrer dos anos – das décadas (estamos prestes a comemorar os 50 anos da Revolução) –, que as coisas avançaram, não só porque teriam mesmo de evoluir, segundo o ritmo natural das mesmas, mas também porque, alicerçados numa sociedade dotada de novas característica estruturais, formais e substanciais, tudo, ou melhor, quase tudo foi ou deveria ter sido feito para que os vários sistemas inseridos na nossa sociedade – o político-ideológico, o sistema de justiça, o

sistema de saúde, o sistema educativo, o sistema económico-financeiro, o sistema de segurança social, etc., etc., etc., pudessem melhorar e contribuir para o avanço do nosso desenvolvimento pessoal e social, assim como para a melhoria da qualidade de vida de cada um de nós, em particular, e de todo o tecido social e de toda a teia institucional, em geral.

De lá para cá, nem tudo foram rosas... quer dizer: nem tudo foram cravos, mas, justiça seja feita, e não obstante as múltiplas contradições a que a democracia nos tem sujeitado, o balanço, que desejamos todos olhar como sendo positivio, registou a massificação do ensino, com o qual os vários ministérios da Educação não souberam convenientemente lidar; contou com o alargamento do acesso à habitação social por parte de certas franjas da população em vias de indigência (velha e nova pobreza); contemplou o “boom” das novas tecnologias (não referiremos aqui os seus aspectos nocivos), do qual beneficiam principalmente os mais jovens que as bebem desde o berço e que, portanto, as tratam por tu; beneficiou das aturadas e constantes vitórias da ciência, nomeadamente da medicina curativa (novos e surprendentes tratamentos do cancro, dos problemas cardio-vasculares, das doenças infecto-contagiosas, das doenças respiratórias, do aparelho digestivo, etc., etc.... e... fomos torpedeados pelo cornona-vírus.

Com tudo isto, ganhámos muita coisa e perdemos alguma coisa também. A vida é hoje mais trepidande, mais cansativa. Continuamos a correr cada vez mais, não sabemos muito bem atrás de quê. Existem nuvens negras e intrigantes a pairar sobre a própria economia e já nem os especialistas conseguem descortinar exactamente o que se passa. Como exemplo apontaremos apenas a renitente intenção da banca, de aumentar um sem número de taxas e taxinhas, como quem dispõe dos proventos dos depositantes; um dos executivo cortou em 2 (dois) pontos percentuais a taxa que pagava aos portugueses pela venda de dívida pública (prémio de permanência), o que pode ser interpretado como uma cedência aos mercados secundários; a bolha imobiliária (em finais de 2016) voltou a desembestar, impante... Os empreiteiros e os especuladores não aprendem, mesmo. Decidida e definitivamente, o sacrifício e as correrias, para além de assumirem aspectos bizarros, não são, realmente, para todos.

Perdemos também a segurança e a estabilidade do emprego. Tanto o patronato como os governos tentam impôr-nos mais horas de trabalho e salários mais baixos ou congelados (o aumento do salário mínimo de 2017, pasme-se, recorreu ao mealheiro da Segurança Social), enquanto que o grande capital continua a inchar de lucros, mormente os especulativos. Em 2020, o ordenado mínimo mantém um mínimo miserável. As taxas verdes escondem negras motivações, já que a energia que a Europa importa é produzida por centrais a carvão, logo, os carros eléctricos são uma falácia.

Sem incorrer em pessimismos, a verdade é que a Europa tem permitido a incompreensível invasão de produtos estrangeiros, desprovidos de qualidade e resultado de mão-de-obra infantil, bem próxima da escravatura, o que é contrário aos mais elementares princípios dos Direitos Humanos que a Europa diz defender, e torna vulneráveis as nossas empresas e a nossa política laboral, deitando por terra todo o conjunto de conquistas sociais tão dificilmente conseguidas ao longo desta nossa democracia. Já para não falar no que tem estado a acontecer, em resultado do proteccionismo redutor do presidente dos Estados Unidos da América. Falta abrir os olhos, ganhar coragem e bater o pé. A Europa tem de se afirmar de novo.

NOTA: Neste Verão de 2021, o preço dos combustíveis constitui já um aviltante saque institucionalizado.

sábado, 24 de abril de 2021

 SOLDADOS D'ALÉM - MAR

(1961-1974)


Como se não soubessem de que sorte

eram feitos os feitos dos seus dias

marcharam de mãos dadas com a morte

crianças fardadas de aleivosias


São meninos trajados de mau porte

dos berços roubados a mães e tias

tão inermes nas garras do mais forte

preterindo as mais belas fantasias


No mapa da saudade traçam rotas

muitas vezes sem volta nem lonjura

como se da vida tomassem notas


perdidos nos meandros da guerrilha

e sem cessar congraçam a loucura

colapso que nunca mais desfibrilha.


25 de abril de 2021


NOTA:

A revolução de 25 de abril de 1974 não se consumará nunca enquanto forem esquecidos os veteranos de guerra.

Exige-se reforma/aposentação por inteiro, independentemente da idade e do serviço prestado; impõe-se serviço medico-medicamentoso e apoio psicológico gratuitos.


MANUEL BRAGANÇA DOS SANTOS