terça-feira, 19 de maio de 2015

SOBRE O ABSURDO “(ORTO)"GRÁFICO


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             Já muito se falou e escreveu sobre o mais recente acordo "(orto)"gráfico... disgráfico (?!) Sim, já se verificaram alguns outros, ao longo do século XX. Mas, sobre este, houve quem tivesse sublinhado, até, a mal fadada auto-estima de ser português; a abstrusa tendência de insistirmos na subserviente ideia de ceder perante os outros, sem justificação nem sentido aparentes. E concordamos, porque não tem razão de ser o esfarrapado argumento dos defensores do “acordo” (?!), quando invocam a convergência ortográfica... como se tal fosse possível! Como se a História, a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, a Geografia, a Gramática ou a Linguística, integradas na cultura da habitual intersubjectividade contextual da existência, pudessem ser vergadas por uma decisão ridícula, servil ou ingénua, aprovada por uma mão cheia de políticos, não só incapazes de perceberem a origem, a estrutura, o significado, a importância e o alcance da Língua Portuguesa, mas também coniventes na tarefa contumaz de delapidação da dignidade da soberania nacional – “a minha Pátria é a Língua Portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa.

            Conseguem imaginar a Inglaterra, a França ou a Espanha a estabelecerem acordos ortográficos com as ex-colónias?! Pois, é isso mesmo! Nós também não! É que a natureza das coisas é a natureza das coisas, e qualquer língua evolui na-tu-ral-men-te, não podendo nem devendo ser abruptamente amputada, descaracterizada ou falseada... por decreto.

      Sem mais delongas, convém agora referir que a parte da gramática que estuda a origem das palavras é a etimologia; e étymon (étimo) + lógos (estudo) são palavras gregas que significam respectivamente – verdadeiro, certo + conhecimento. Para quê, portanto, tanto empenho em falsear a Língua de Camões, torpedeando o seu real conhecimento e aplicação?!

       E que dizer, então, da tão esgrimida necessidade de convergência? Esta não passa de simples representação mágica, de resto, e por isso mesmo, absolutamente impossível, de quem continua a laborar em erro, pelas razões atrás apontadas. Mas há mais, e agora, por respeito para com os povos outrora colonizados, mil vezes miscigenados e aculturados, passamos a fundamentar o nosso ponto de vista, através de citações de dois autores brasileiros.

         Conforme refere o escritor e historiador Laurentino Gomes (2010, p. 51),
a ortografia adoptada no Brasil radica na institucionalização da asneira, já que, em 1822, ano da independência da colónia, “(...) De cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Os analfabetos somavam mais de 90% dos habitantes. Os ricos eram poucos e ignorantes (...)”. Segundo Ribeiro (1995), no início do século XX, a percentagem de analfabetos mantinha-se nos 90%.

         Mas o “melting pot” continuaria: entre 1886 e 1930, imigraram para o Brasil 1 milhão e 700 mil portugueses, 1 milhão e 600 mil italianos, 700 mil espanhóis, 250 mil alemães, 230 mil japoneses, para além de outros contingentes menores (Ribeiro, 1995, p. 241 e 242).

       Para que não restem dúvidas, atentemos uma vez mais na visão desassombrada do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, que refere o português como uma língua que o brasileiro refez (Ribeiro, 1995: p. 220). E, na mesma obra, este incansável estudioso define os brasileiros como sendo: "uns latinos tardios de além-mar, amorenados na fusão com brancos e com pretos, deculturados das tradições de suas matrizes ancestrais, mas carregando sobrevivências delas que ajudam a nos contrastar tanto com os lusitanos" (Ribeiro, 1995: p. 130).

     Evidentemente que, quando se fala em "acordo (orto)gráfico", seja lá o que isso for, só é possível que se esteja a configurar uma qualquer representação fragmentária e distorcida da realidade, em resultado de uma perturbação da relação com a mesma. Refira-se, a talho de foice, também o que se tem vindo a verificar com o português que Portugal deixou de reciclar – devido ao abandono (fuga) maciço dos habitantes não autóctones e ainda parte dos aborígenes, caucasianos ou não – no território de Angola, logo após a independência (11 de Novembro de 1975), na sequência da mudança de regime (25 de Abril de 1974); e em Moçambique; e na Guiné-Bissau; e em Timor; e em São Tomé e Príncipe; e em Cabo Verde... já para não falar de Macau ou de Goa, Damão e Diu. Claro, o fenómeno é idêntico: exerce-se, sem apelo nem agravo, uma dialéctica de influências, que naturalmente refaz o português, falado e escrito, forçando a gramatologia ao sabor do tempo e das culturas linguísticas locais. Quanta diversidade e divergência! Mas, é mesmo assim! Contra factos não há argumentos... nem decreto(s) - que em grego significa(m) dogma(s).

1 comentário:

  1. Um texto que li com toda a atenção. E concordo, amigo. Aliás sempre achei que a diferença enriquece uma língua e sempre nos entendemos assim. Eu sou contra o acordo ortográfico e não pretendo utilizá-lo na minha escrita.
    Um beijo.

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