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Já muito se falou e escreveu sobre o mais recente acordo "(orto)"gráfico... disgráfico (?!) Sim, já se verificaram alguns outros, ao longo do século XX.
Mas, sobre este, houve quem tivesse sublinhado, até, a mal fadada auto-estima
de ser português; a abstrusa tendência de insistirmos na subserviente ideia de
ceder perante os outros, sem justificação nem sentido aparentes. E concordamos,
porque não tem razão de ser o esfarrapado argumento dos defensores do “acordo”
(?!), quando invocam a convergência ortográfica... como se tal fosse possível!
Como se a História, a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, a
Geografia, a Gramática ou a Linguística, integradas na cultura da habitual
intersubjectividade contextual da existência, pudessem ser vergadas por uma
decisão ridícula, servil ou ingénua, aprovada por uma mão cheia de políticos,
não só incapazes de perceberem a origem, a estrutura, o significado, a
importância e o alcance da Língua Portuguesa, mas também coniventes na tarefa
contumaz de delapidação da dignidade da soberania nacional – “a minha Pátria
é a Língua Portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa.
Conseguem
imaginar a Inglaterra, a França ou a Espanha a estabelecerem acordos
ortográficos com as ex-colónias?! Pois, é isso mesmo! Nós também não! É que
a natureza das coisas é a natureza das coisas, e qualquer língua evolui
na-tu-ral-men-te, não podendo nem devendo ser abruptamente amputada, descaracterizada
ou falseada... por decreto.
Sem mais
delongas, convém agora referir que a parte da gramática que estuda a origem das
palavras é a etimologia; e étymon (étimo) + lógos (estudo) são
palavras gregas que significam respectivamente – verdadeiro, certo +
conhecimento. Para quê, portanto, tanto empenho em falsear a Língua de Camões,
torpedeando o seu real conhecimento e aplicação?!
E que dizer,
então, da tão esgrimida necessidade de convergência? Esta não passa de simples
representação mágica, de resto, e por isso mesmo, absolutamente impossível, de
quem continua a laborar em erro, pelas razões atrás apontadas. Mas há mais, e
agora, por respeito para com os povos outrora colonizados, mil vezes
miscigenados e aculturados, passamos a fundamentar o nosso ponto de vista,
através de citações de dois autores brasileiros.
Conforme refere o
escritor e historiador Laurentino Gomes (2010, p. 51),
a ortografia adoptada no Brasil radica na institucionalização da
asneira, já que, em 1822, ano da independência da colónia, “(...) De cada três brasileiros, dois
eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Os analfabetos
somavam mais de 90% dos habitantes. Os ricos eram poucos e ignorantes (...)”. Segundo Ribeiro
(1995), no início do século XX, a percentagem de analfabetos mantinha-se nos
90%.
Mas o “melting pot” continuaria: entre 1886 e
1930, imigraram para o Brasil 1 milhão e 700 mil portugueses, 1 milhão e 600
mil italianos, 700 mil espanhóis, 250 mil alemães, 230 mil japoneses, para além
de outros contingentes menores (Ribeiro, 1995, p. 241 e 242).
Para que não restem dúvidas, atentemos uma vez mais na
visão desassombrada do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, que refere o
português como uma língua que o brasileiro refez (Ribeiro, 1995:
p. 220). E, na mesma obra, este incansável estudioso define os brasileiros como
sendo: "uns latinos tardios de além-mar, amorenados na fusão com
brancos e com pretos, deculturados das tradições de suas matrizes ancestrais,
mas carregando sobrevivências delas que ajudam a nos contrastar tanto com os
lusitanos" (Ribeiro, 1995: p. 130).
Evidentemente que,
quando se fala em "acordo (orto)gráfico", seja lá o que isso
for, só é possível que se esteja a configurar uma qualquer representação
fragmentária e distorcida da realidade, em resultado de uma perturbação da
relação com a mesma. Refira-se, a talho de foice, também o que se tem vindo a
verificar com o português que Portugal deixou de reciclar – devido ao
abandono (fuga) maciço dos habitantes não autóctones e ainda parte dos
aborígenes, caucasianos ou não – no território de Angola, logo após a
independência (11 de Novembro de 1975), na sequência da mudança de regime (25
de Abril de 1974); e em Moçambique; e na Guiné-Bissau; e em Timor; e em São
Tomé e Príncipe; e em Cabo Verde... já para não falar de Macau ou de Goa, Damão
e Diu. Claro, o fenómeno é idêntico: exerce-se, sem apelo nem agravo, uma
dialéctica de influências, que naturalmente refaz o português,
falado e escrito, forçando a gramatologia ao sabor do tempo e das culturas
linguísticas locais. Quanta diversidade e divergência! Mas, é mesmo assim!
Contra factos não há argumentos... nem decreto(s) - que em grego significa(m) dogma(s).
Um texto que li com toda a atenção. E concordo, amigo. Aliás sempre achei que a diferença enriquece uma língua e sempre nos entendemos assim. Eu sou contra o acordo ortográfico e não pretendo utilizá-lo na minha escrita.
ResponderEliminarUm beijo.