segunda-feira, 30 de novembro de 2015

INSUPORTÁVEL




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                                                                                                                                      (Em 04/04/2011)


            O passado dia primeiro de Abril foi o dia dos enganos; esse dia foi, também, o único dia do ano em que ninguém enganou ninguém, porque a comemoração legitima, afinal, todos os logros expectáveis e forjados e, para além do mais, reveste carácter meramente lúdico, meteórico, logo, passageiro, porque confinado às 24 horas desse dia. O pior de tudo é o logro magistral, no seio do qual vamos todos vivendo (?!), nos restantes dias do ano, há já demasiado tempo, num mundo comandado pela ambição demolidora do bicho-homem, cuja cobiça e soberba, corrosivas, tendem a perpetuar políticas artificiais, em nome de objectivos que devastam e aniquilam, em todo o mundo, milhões de vidas, na sua caminhada inexorável, em favor de lucros sempre crescentes, que passam pela destruição sistemática de outros tantos postos de trabalho.

            Tudo se passa exactamente como descrevi no parágrafo anterior; no entanto, tudo se anuncia como se aquilo que efectivamente se verifica, fosse apenas cíclico, e pudesse ser contrariado ou invertido, através de políticas reformistas, configuradas por estratégias vigorosas, tendentes a perpetuar a ilusão fantasmagórica do tótem dos nossos dias: a visão fugaz e holográmica do trabalho remunerado.

            Karl Marx, ao longo da sua obra “O Capital”, ignorou, não sei se propositadamente, três das característica fundamentais do ser humano: a ambição, a territorialidade e a agressividade. Ou não ignorou e, então, por isso mesmo, terá achado que a sua receita pudesse ser aplicada, no sentido de atenuar todas essas nuances da alma humana, visando posteriores resultados de moderação e equilíbrio, no âmbito da distribuição regrada, justa e igualitária da riqueza produzida... Mas o homem aspira, acima de tudo, à liberdade, e a experiência (as várias experiências) colectivista(s), onde as elites dirigentes protagonizam, a seu bel-prazer, ambição, expansionismo e belicismo, redundaria num total fracasso, frustrando o povo, oprimido pelos déspotas, ainda que se possa admitir a rejeição de uma visão maniqueísta do fenómeno em questão.

            O conceito de trabalho, tal como hoje o concebemos, foi há muito ultrapassado, pelo que a ideia de emprego a ele associado, não passa de uma alucinação quixotesca. Não adianta tentar agarrar, desesperadamente, as sombras de um mundo que não chega sequer a ser alegoria, uma vez que o vazio está aí, porque a realidade a que alude, pura e simplesmente não existe.

            A crise internacional, a crise europeia, a crise portuguesa são episódios de uma novela mal contada, com que nos entretêm, procurando tão somente enganar-nos. Não existe crise nenhuma, caros leitores; estamos todos perante uma alteração brutal, isso sim, do figurino civilizacional à escala global; estamos todos já, perante uma nova era, sem termos percebido que a anterior desapareceu já. Se não agirmos em função da nova realidade e continuarmos agarrados a fantasmas virtuais, não conseguiremos nunca encetar um novo caminho.

            E, perante a realidade sensível que políticos insensíveis deturpam, Portugal tombou já no abismo do descalabro, numa demonstração de insuportável incapacidade, de escandalosa impreparação, de despudorada falta de sentido patriótico. Altere-se a Constituição, já!

            O Presidente da República, com os conhecimentos que tem, com a idade que somou e a experiência que adquiriu – falta apenas rever a Constituição –, já devia ter percebido que a única solução ponderada, objectiva e pragmática estaria na formação de um governo de iniciativa presidencial... Mas não, não se quer comprometer, preferindo a eventualidade do desastre à lucidez de uma atitude imediata... Que a Constituição adequada contextualizaria!... Não esta! É que vamos continuar à deriva, no mínimo, por mais dois meses e tal, condicionados pela fraude que são os partidos... Sr. Presidente, como me entristece esse seu receio, apagamento, cinzentismo e letargia!

        Ao primeiro-ministro demissionário, sobre quem não perderei um segundo sequer a dizer seja o que for, pois já deu provas mais do que suficientes da seu fulgurante artificialismo, através de uma sistemática e enfadonha propaganda, ao longo dos últimos seis anos, durante os quais hipotecou o país de forma suicida, sugiro apenas que nos deixe, definitivamente, em paz. A sua presença  tornou-se, desde os tempos de Guterres, absolutamente insuportável.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A CONVERGÊNCIA DOS AFECTOS


        Ainda há poucos dias, na crónica intitulada “Consumição e Consumo”, expressámos a ideia de que o homem é um ser social, conforme afirmou o filósofo grego, Aristóteles (384 AC - 322 AC). Reparem que esta característica tão intrínseca do indivíduo radica exactamente na moção que impele o desejo a dirigir-se ao desejo do outro, e, pela mediação da palavra, pode tornar possível a devida convergência, sempre modelada pela realidade exterior. Esta, no entanto, pode ser excessivamente restritiva ou até disuasora do entendimento recíproco, ficando gorado o apelo ao diálogo e ao intercâmbio relacional, já que o sentimento tem de ser mútuo, conivente e cúmplice.

            Quer as recusas, por um lado, quer as interdições, por outro lado, revestem o desejo humano de uma tonalidade culpabilizante, portadora de angústia; é por este facto que a sexualidade se encontra imbuída de uma forte carga de interdição, culpabilidade ansiosa e recusa. A este propósito, René Laforgue (1894-1962) referiu que o desejo é “captado pelo imaginário simbólico inconsciente”. Logo, só através da palavra é que o desejo tende a perder a sua omnipotência mágica, habilitando o indivíduo ao domínio de si próprio, assumindo, conscientemente (civilizada e educadamente), as respectivas representações verbalizáveis.

 Deixemos, contudo, esta linha de raciocínio e coloquemos a tónica nos fins e nos meios da sexualidade, tendo em conta, embora, a interacção social do indivíduo. Na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, Immanuel Kant (1724-1804) exorta a que nunca se trate o outro niemals bloβ als Mittel, ou seja, o outro não deve ser nunca somente instrumentalizado; isto é, a sua dignidade humana e sexual deve ser tida em conta e respeitada. Ao se estabelecer uma teia mais ou menos ampla de contactos familiares, sociais, laborais e institucionais, a interactividade gerada pelas pessoas, a todos os níveis, não deve transformar cada um dos intervenientes dos processos em causa, em apenas simples meios que visam fins. Isto vale também para a sexualidade (Silva, 2008). 

      Neste âmbito apenas, sempre que o desejo (a líbido), progressivamente maturado, através do desenvolvimento do ser educado em sociedade, se traduz numa sensibilidade sexualizada equilibrada, é possível ao indivíduo amar o outro para além de si mesmo, sem egocentrismos narcisistas doentios. O mesmo vale por dizer, sem necessidade de recurso a fantasias inconscientes, tendentes a criar fixações regressivas (seio materno, auto-erotismo [insatisfação sexual e afectiva crónicas], ciúme [insegurança e imaturidade], incapacidade de individuação clara, autonomia definida e emancipação consolidada [imaturidade e personalidade desestruturada]). Também nestes casos, a sexualidade e a felicidade do casal têm os dias contados, porque sem a sadia convergência dos afectos não há ternura nem amor, nem liberdade nem envolvência gratificante; nem respeito pela dignidade do outro nem pela própria relação dual.
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domingo, 15 de novembro de 2015

NECESSIDADE VS DESEJO



Imagem do Google in esoterikha.com

             No teatro da vida, o comportamento do indivíduo pauta-se, segundo os entendidos na matéria, por um conjunto de pressupostos que passam pela atenção, pelo interesse, pelo desejo e pela acção. Repare-se que, neste conjunto de características, não figura a mais importante, aquela que é mais forte do que a atenção, o interesse, o desejo ou a acção, isto é, a(s) necessidade(s), a inelutável satisfação das necessidades básicas vitais. Logo, antes de qualquer outra marca comportamental inerente ao ser humano, deve figurar a necessidade.

        Criativa e curiosamente, Abraham Maslow (1908-1970), no âmbito dos seus estudos e investigações, formulou a interessante Teoria das Necessidades, que viria a estruturar sob a forma de Pirâmide de conceitos hierarquizados. Contestá-la-emos apenas sob o ponto de vista de uma certa generalização conceptual. Já lá iremos.

     De acordo com a Pirâmide de escalonamento de necessidades da criatura humana, proposta por Maslow, as necessidades fisiológicas básicas são as mais fortes e insubstituíveis, logo seguidas pelas necessidades de segurança, de pertença, de estima e, finalmente, encimadas pelas necessidades de realização pessoal e social. Evidentemente que esta progressão hierárquica nem sempre se verifica com total rigor e escalonamento.

           Nesta base, o indivíduo procura orientar-se no sentido da realização dos seus imperativos mais prementes e acutilantes (fisiologia e segurança). É que, sem a sua satisfação, os resultados seriam irreversíveis e desastrosos, senão mesmo fatais. Está fora de questão: não comer, não beber, não respirar, não defecar, não urinar, não usufruir da segurança mínima à manutenção da vida; estas são, efectivamente, necessidades que urge satisfazer no dia-a-dia.  

     É chegada agora a altura de fazer referência à generalização conceptual, no âmbito da qual Maslow ergueu a sua pirâmide: para este autor são tudo necessidades, quer se trate de fisiológicas, de segurança, de socialização, de estima ou de auto-realização. Já nós ousamos estabelecer uma diferenciação de fundo entre necessidades – as fisiológicas e as de segurança, e desejos – os de socialização, de estima ou de auto-realização, que são apenas votos, apelos, aspirações ou ambições.

      Freud chamou-nos a atenção para esta dualidade, quando designou o desejo como sendo um voto ou apelo (Wunsch), nunca uma estrita necessidade. A necessidade é individual, primitiva e silenciosa e exige satisfação sistematizada; o desejo é social e ambrangente, porque é verbalizado, dirigido ao outro e passível de ser aceite ou não, podendo, portanto, ser ou não concretizada a sua satisfação.




quarta-feira, 11 de novembro de 2015

CONSUMIÇÃO E CONSUMO

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     O termo “hegemonia” tem a sua origem etimológica na palavra grega hegemonía, e significa precisamente “comando”, isto é, aquilo que se passa exactamente numa situação de supremacia de uma cidade, povo ou nação sobre outras cidades, povos ou nações, conforme se pode ler em qualquer bom dicionário da Língua Portuguesa. O historiador italiano Maquiavel (1469-1527) escreveu em O Príncipe, que este tipo de hegemonia não é possível, caso as cidades, os povos ou as nações que vivem em liberdade, uma vez submetidos, não sejam destruídos. Se tal não ocorrer será o detentor do poder a ser objecto de destruição (Debord, 2012).

        Hoje em dia, a arma mais poderosa colocada ao serviço da dominação das cidades, dos povos e das nações continua a ter o nome de hegemonia (“comando”); mas deve ler-se – consumo –, literalmente. Também aqui, consumir quer dizer, precisamente, gastar, inutilizar, definhar, dissipar, destruir, numa atitude reiterada de auto-gestão inconsciente consumptiva; através do espectáculo já não fragoroso e dilacerante de acções bélicas, mas em obediência à influência das quatro vertentes integradas do espavento ardiloso do marketing-mix (produto, preço, promoção e ponto [geográfico]), (Kotler, 2000). Tudo muito mais subtil e sub-reptício... a determinar o mesmo efeito, desta feita, subliminarmente cirúrgico e pérfido sem deixar de ser abrangente.

    De todos os animais, o ser humano é o mais implacavelmente territorial e não esconde nem disfarça essa sua marca idiossincrática; mas também é um ser social, dotado de extraordinárias competências cognitivas que lhe permitem a relativização de valores antagónicos e a consideração de perspectivas diferenciadas (Fleming, 1993). Ora, com a omnipresença das novas tecnologias de informação e comunicação fica diluída a territorialidade em nome da globalização (Marshall McLuhan, 1911-1980), da mesma forma que vamos sendo invadidos por uma espécie de uniformização dos contextos, dos cultos, das crenças, dos ritos e das assunções, a caminho da solidão virtual, da formatação padronizada geradora do pensamento único, na vacuidade do tempo e do lugar.

        As pessoas vivem agora mais isoladas e perdidas, portanto muito mais vulneráveis aos efeitos das imagens de dominação das necessidades habilmente forjadas sobre o id * (Georgieff, 1998); e para isto têm concorrido também as decisões urbanísticas. As cidades fragmentam-se em desoladora clivagem, desertificam-se, e os campos em redor enfatizam o luto urbano, dando lugar aos delirantes templos do consumo, dotados de amplos parques de estacionamento e estações de combustíveis (Debord, 2012). Em certas zonas não se sabe já onde começa o campo e acaba a cidade... e vice-versa, porque se encontram descaracterizados ambos os conceitos, em nome da economia.

       Acontece que a economia, como qualquer outro sistema regulador da actividade humana, deve ser colocada sempre ao serviço da comunidade, respeitando a importância da autenticidade da cidade e a fundamentalidade do campo com carácter redentor, para que a História se não apague nas malhas de um progresso redutor, falacioso e enganador, sempre que envolve o Homem na armadilha da inapelável decadência hodierna.


          * id – Este diz respeito ao pólo pulsional donde brotam as energias anímica e sexual inconscientes, activadoras da dinâmica psíquica, mais, menos ou nada “controladas” (recalcadas) pelo sujeito e pela sua consciência moral.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

PENSAMENTO




    Somos todos, afinal, sementes de renovação e inovação?!... Sim, ainda que se pense o contrário, porque podemos sempre sê-lo de uma maneira ou de outra, que não apenas aquela, no âmbito da qual são chamados os instintos, a trilhar a senda da definição ousada, mas improvável de extintos predicados essenciais. É que não somos todos iguais, mesmo face a contextos existenciais decalcados ou diversos, e é na harmónica interacção das diferenças que reside a riqueza essencial do todo comunitário. 

   Que papel desempenhamos então, durante a nossa passagem meteórica pela vida? Seguramente o da inovação e renovação, a todos os títulos, sem umbilicais derivas egocêntricas, desde que esse papel contribua para a inovadora aceitação que propicia o bem-estar do próximo, numa sempre esforçada e reiterada atitude sócio-comunitária de compreensão e apoio solidário inter-pares, onde o Homem se possa assumir com dignidade e postura democráticas, desbravando o caminho da liberdade e da paz. 

                                                 in O Chão dos Sentidos, 2013: p. 81 
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