sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O(A) FILHO(A) MAIS NOVO(A)




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           Na breve reflexão que aqui partilhámos com o leitor sobre as Famílias Numerosas, abordámos não só as várias particularidades e situações de facto que ocorrem no âmbito da diversidade das constelações do universo familiar (número de nascimentos, idades, sexos, etc.), mas também o que diz respeito à ausência de individuação, sem a qual não existe educação; ao generalizado estado de abandono e desorientação psíquica dos filhos (este persiste pela vida fora), que radica na falta de atenção e intimidade familiar, que os progenitores tentam sempre branquear, mas que configura, na prática, rejeição, inaceitação e ignorância; enfim, à (i)rresponsabilidade dos pais no condicionamento e (des)valorização do clima familiar, enquanto viveiro privilegiado de experiências únicas e irrepetíveis verificadas entre irmãos e irmãs.

            Hoje, contudo, é o(a) filho(a) mais novo(a) quem está na berlinda. Falamos do último a nascer; do caçula – do quimbundo, Ka´zuli: este, tanto pode ser o mais acarinhado como o que é posto de lado! Se, por um lado, esta criança pode, eventualmente, significar a concretização viva de um último sopro de masculinidade e feminilidade do casal; um reviver das delícias relacionais, pueris, ternas e cândidas, que só um bebé consegue reactivar nos pais, por outro lado, pode levar a mãe – imatura – a desleixar a emancipação dos mais velhinhos. Pais há, também, que se rendem aos encantos do novo rebento, dispensando-lhe cuidados exagerados, brinquedos supérfluos e em excesso, e afectos sufocantes, em detrimento de uma equlibrada gestão educacional do conjunto de todos os descendentes.

            Com os mais velhos entregues que estão às suas vidas de estudantes e à sua aprendizagem social externa à família (inter-pares), o(a) mais novo(a) estende e retarda a sua infantilidade que, curiosamente, se mescla com uma mal definida adolescência adulta, até porque os pais vão perdendo o vigor da adultícia discernida e actuante. No seio da família verifica-se ainda um outro fenómeno de incongruência relacional-fraternal, a determinar no mais novo uma certa confusão diferenciadora e perturbação identitária, que impedem a estruturação da personalidade: os irmãos olham-no complacentes, ternos e afectuosos, como se de um boneco de estimação se tratasse, mas procuram valorizar-se junto dele, comportando-se de forma autoritária.

            Por último, recordamos a situação mais terrível: a gravidez ocorrida no âmbito da perimenopausa. Esta é tardia, sem deixar de constituir um risco elevado; depois dos 40 anos (impõe-se aqui a contracepção) é passível de provocar abortos espontâneos, malformações no feto, mortalidade materna e perinatal, acidente trombo-embólico depois do parto (cesariana); ademais, provoca nos progenitores redobrados receios, tensões e angústia, face a tão inesperada ocorrência, que se opõe, portanto, ao quadro mental vivenciado aquando do anúncio de um primeiro filho. Não raro, este filho derradeiro vem complicar as finanças, a logística e a própria dinâmica do lar familiar.

            Quer se queira quer não, numa situação deste tipo a criança é inconscientemente rejeitada, o que precipita um quadro de insuportável ansiedade, e, para contrariar a culpabilidade que esta gera, os progenitores são induzidos em comportamentos disfuncionais de carácter obesessivo, de sufocação, omissão ou abandono, seja afectivo, intelectual ou material. Eles que já se ocupavam dos netos... mas, caso existam irmãos mais velhos ainda em casa, a grande diferença de idades nunca será boa conselheira. Na situação familiar do mais novo, tão delicada quanto actual, congratulemo-nos, no entanto, com as excepções à regra.

1 comentário:

  1. Filhos que chegam tarde, quando os outros já são crescidos, são tratados de modo diferente para o bem e para o mal. O seu texto põe bem o "dedo na ferida"... Gosto sempre de o ler.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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