Quando
julgamos que nada mais nos surpreenderia, eis que somos invadidos – via rodapé
televisivo (15/12/2016), leia-se –, por notícias preocupantes, bizarras, com
origem na actual governação (neste caso particular, o executivo vigente e o
Ministério da Educação) a traduzir, para já, a intenção de implementar, no
âmbito dos 5.º e 6.º anos de escolaridade, a discussão do aborto. A ser
verdade, tudo isto denota uma absurda ingerência na esfera parental, e uma absoluta incompetência, para além de
configurar uma confrangedora ignorância relativamente aos estádios psicológicos
do desenvolvimento infantil – estas crianças encontram-se numa fase
particularmente sensível, frágil, melindrosa, susceptível, não possuindo ainda
o seu psiquismo (mental e orgânico) a maturidade e defesas necessárias, de
forma a aceitar, perceber, interiorizar e digerir, serenamente, tão complexos e
traumatizantes assuntos.
Não podem, nem devem os senhores do poder, cronologicamente adultos, mas
alegada e gnosiologicamente impreparados, raciocinar sobre questões que
irão ser discutidas por crianças de tenra idade (entre os 9 anos e os 12),
desconhecendo a forma de funcionamento dos cérebros infantis. A teoria do
homúnculo já lá vai! O aborto só aos adultos diz respeito. Mas vamos a alguns
conceitos estruturantes da matéria em questão, depois de, neste blogue, termos
escrito já sobre “O Sexo Escolarizado”, “O Nexo do Sexo”, “Sexo
e Sexualidade – Notas Conexas”.
A educação da criança, desde o
berço, prende-se com a necessidade de educar a rigidez e fixação dos seus
instintos, dos impulsos primários, no sentido da socialização, da convivência
integrada e pacífica de homens e mulheres, no âmbito do social harmónico e
civilizado. De certa maneira, na linha de Klein e Piaget, também Henri
Wallon nos fala dos impulsos iniciais, logo temperados de emotividade
(estado emotivo) pela acção materna, ao qual se segue o estado sensório-motor,
a preceder o pensamento verbal e a abertura ao exterior gradativamente
alargado. Tudo a seu tempo, sendo imperioso que a educação (formação e
informação) se desenrole de acordo com a necessidade gradual de conhecimento da
criança. Nunca colocar o carro à frente dos bois!
É fundamental que a criança possa,
paulatinamente, ao seu ritmo, mormente no que respeita à sexualidade, ir
integrando afectivamente a informação e formação, de forma a que esta seja
validada sem a prevalência de traumas, isto é, em harmonia dialéctica entre os
objectos interiores inconscientes e os exteriores, principalmente em contexto
situacional da triangulação edipiana e da escolha objectal maturada. Quando nos
escritos atrás referidos, aludimos a uma eventual formação escolar transversal
a todas as disciplinas, quisemos significar, sublinhar, relevar a importância e
o alcance desta matéria, a vários níveis: higiene mental e genital; psicológica
e sociológica; biológica, anatómica e fisiológica. Não inconsequentemente
eleitoralista, nem desligada de um fio condutor equilibrado, sensato e adequado
ao nível etário/mental (nem sempre se equivalem) dos alunos.
Na prática, e no que a esta área do
conhecimento diz respeito, deve pretender-se estabelecer, conforme as idades,
um constructo paradigmático, devidamente enquadrado conceptualmente a partir da
factualidade observada, que aponte para uma síntese, envolvendo a finalidade
das várias vertentes da evolução sexual e afectiva da criança e do jovem, sem
extrapolações desajustadas, para que, no estado adulto, as coisas possam
funcionar de forma sadia e gratificante. Recorde-se que, só há pouco mais de
meio século foi descoberto que o papel regulador da vida afectiva se prendia
com a fisiologia dos centros diencéfalos (tálamo e hipotálamo).
Desta maneira, torna-se-á expectável
poder falar de realização existencial plena, sem traumas nem complexos, aliando
a natural convergência da finalidade biológica (acto sexual responsável,
provido de emoção genital devidamente integrada socialmente); da psicológica
(carreando a errância do desejo [imaginário simbólico inconsciente] para
uma escolha objectal [real] mais firme, duradoura ou até exclusiva); da
motricidade, a um tempo cenestésica e cinética (possibilitadora do acto
propriamente dito, quando, na dinâmica da envolvência, o desejo do indivíduo é
dirigido ao desejo do outro e se verifica, sem angústia nem culpabilidade, a
natural e tácita convergência dos afectos, na fusão dos corpos e das almas).
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