domingo, 15 de janeiro de 2017

REGRESSO A CASA


               


               Três semanas sem ter podido ver Francisca, constituíam uma dolorosa eternidade para Duarte. A ausência da companheira transmitia-lhe um sentimento de vazio, de aparente suspensão do tempo, de vulnerabilidade, insuficiência, indefinição e perda de identidade. Finalmente, a jovem tinha ligado para o telemóvel do arquitecto, formulando um convite, de resto há muito esperado, para um almoço a dois, no dia e restaurante a decidir.


             Na manhã aprazada, ocorreu o encontro, em obediência a expectativas diversas, de acordo com a sensibilidade dual dos amantes. Como ainda era cedo para o repasto, depois de se terem saudado, rumaram ao café “Signo”, onde tiveram ocasião de conversar sobre uma infinidade de assuntos.

       Enquanto falavam, Duarte contemplava, absolutamente extasiado, o rosto de Francisca, as mãos, a textura suavíssima das coxas que uma bonita e leve mini-saia generosamente expunha, e experimentava aquela sensação única de quem acaba de regressar a casa, após um longo e sofrido exílio. Duarte pretendeu traduzir por palavras as impressões singulares que lhe arrebatavam a alma, mas limitou-se a fazer o registo indefectível dos sentimentos que naquele momento o faziam esvoaçar, inerme... inerte, bloqueado pelo doce torpor que a presença da rapariga sempre conseguia operar nele.


         Ela apresentara-se como era seu timbre, bela, sensual, insinuante, trajando um conjunto preto de saia e casaco elegantíssimo, sobre uma “T-shirt” verde, como o mar do seu olhar; no pescoço ostentava uma cruz em oiro maciço, que na ourivesaria tinha custado um preço agradavelmente pago pelo arquitecto, mas que no conjunto da sua figura, nenhuma riqueza poderia jamais resgatar. A negritude dos seus cabelos revoltos emprestava um relevo incomensurável aos traços genuína e singularmente únicos do seu rosto de Deusa cósmica, universal. O oásis de frescura do seu sorriso conseguia matar qualquer temor de abandono, qualquer prostração: ele era o Sol da própria vida, projectando zénites de pujança natural na unidade plena do seu corpo, na íntegra densidade das formas, naquela aparente paz de serem dois numa só alma de luz, e só luz imaterial, fragrante, intemporal.


             Para Duarte, mais importante do que o almoço tinha sido o reencontro, o entrever, o “regresso a casa”, a possibilidade de, pelo menos por momentos, ter conseguido reaver a alma que definitivamente entregara a Francisca.


          Também sabemos que o sol está sempre lá, todos os dias, mas se não o vemos, arrefecemos na penumbra da tristeza, da melancolia. Por isso mesmo, Duarte continua a pedir ao vento que afaste as nuvens que ofuscam o brilho natural que Francisca consegue irradiar e que faz dela o lar onde apetece, para sempre, morar.


NOTA: in O Souto dos Nobres, M. B. S. (1999)

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