Três
semanas sem ter podido ver Francisca, constituíam uma dolorosa eternidade para
Duarte. A ausência da companheira transmitia-lhe um sentimento de vazio, de
aparente suspensão do tempo, de vulnerabilidade, insuficiência, indefinição e
perda de identidade. Finalmente, a jovem tinha ligado para o telemóvel do
arquitecto, formulando um convite, de resto há muito esperado, para um almoço a
dois, no dia e restaurante a decidir.
Na manhã aprazada, ocorreu o
encontro, em obediência a expectativas diversas, de acordo com a sensibilidade
dual dos amantes. Como ainda era cedo para o repasto, depois de se terem
saudado, rumaram ao café “Signo”, onde tiveram ocasião de conversar sobre uma
infinidade de assuntos.
Enquanto falavam, Duarte
contemplava, absolutamente extasiado, o rosto de Francisca, as mãos, a textura
suavíssima das coxas que uma bonita e leve mini-saia generosamente expunha, e
experimentava aquela sensação única de quem acaba de regressar a casa, após um
longo e sofrido exílio. Duarte pretendeu traduzir por palavras as impressões
singulares que lhe arrebatavam a alma, mas limitou-se a fazer o registo
indefectível dos sentimentos que naquele momento o faziam esvoaçar, inerme...
inerte, bloqueado pelo doce torpor que a presença da rapariga sempre conseguia
operar nele.
Ela apresentara-se como era seu
timbre, bela, sensual, insinuante, trajando um conjunto preto de saia e casaco
elegantíssimo, sobre uma “T-shirt” verde, como o mar do seu olhar; no pescoço
ostentava uma cruz em oiro maciço, que na ourivesaria tinha custado um preço
agradavelmente pago pelo arquitecto, mas que no conjunto da sua figura, nenhuma
riqueza poderia jamais resgatar. A negritude dos seus cabelos revoltos
emprestava um relevo incomensurável aos traços genuína e singularmente únicos
do seu rosto de Deusa cósmica, universal. O oásis de frescura do seu sorriso
conseguia matar qualquer temor de abandono, qualquer prostração: ele era o Sol
da própria vida, projectando zénites de pujança natural na unidade plena do seu
corpo, na íntegra densidade das formas, naquela aparente paz de serem dois numa
só alma de luz, e só luz imaterial, fragrante, intemporal.
Para Duarte, mais importante do que
o almoço tinha sido o reencontro, o entrever, o “regresso a casa”, a
possibilidade de, pelo menos por momentos, ter conseguido reaver a alma que
definitivamente entregara a Francisca.
Também sabemos que o sol está sempre
lá, todos os dias, mas se não o vemos, arrefecemos na penumbra da tristeza, da
melancolia. Por isso mesmo, Duarte continua a pedir ao vento que afaste as
nuvens que ofuscam o brilho natural que Francisca consegue irradiar e que faz
dela o lar onde apetece, para sempre, morar.
NOTA: in O Souto dos Nobres, M.
B. S. (1999)
Uma narrativa muito interessante. Vai continuar?
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.