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Salazar procurou, por norma, tirar
partido do analfabetismo e ignorância, que, aliás, fomentava, da maioria do
povo português, visando colher determinados dividendos políticos.
A estratégia adoptada pelo mentor do
Estado Novo estribou-se sempre em princípios, afinal, extraordinariamente
simples, mas eficazes, que julgamos poder traduzir nos dois seguintes ditados
populares: “Se quem não sabe é como quem não vê”, logo, “Quem não vê não peca”.
Garantia-se, desta maneira, o
comportamento condicionadamente “impecável” de todo um povo, dado que na quase
total ausência de formação, informação, conhecimentos e competências, opinião e massa crítica, não
obstante o riquíssimo legado cultural que, de geração em geração, ia passando,
não era possível a criação e desenvolvimento de espírito crítico, reivindicativo
e combativo, chegando e sobrando as energias das massas para fins estritos de
obediência e trabalho.
Para pensar, lá estava a elite
dirigente, ou seja, exactamente o inverso do que preconizavam os republicanos,
logo a seguir a 1910. De resto, Salazar, no ano de 1954, durante uma entrevista,
afirmou mesmo não acreditar no sufrágio universal, nem na igualdade, mas sim na
hierarquia.
Podemos agora referir, enquanto
fundamento do que atrás fica dito, que, logo a 17 de Maio de 1927, o Decreto
13.619 faria encolher a escolaridade obrigatória para quatro anos. Uma outra
amputação ainda na duração da frequência escolar, viria a reduzir esta, de
acordo com o Decreto 18.140, de 22 de Março de 1930, para três anos apenas,
ficando concluída no final do 1.º grau.
Um ano depois seriam chamados ao
ensino os regentes escolares, pessoas sem qualquer tipo de preparação, bastando
para o efeito a posse de “idoneidade comprovada”. E por aí fora, malhando o
regime umas vezes no cravo, outras na ferradura, através de um longo cortejo
legislativo que culminaria em Abril de 1974.
Desta maneira, e em conclusão, ficam
enunciadas algumas medidas paradigmáticas que sublinham a preocupação do Estado
Novo em desvalorizar o ensino e a educação das massas, em concomitância com a
desqualificação profissional dos professores, principalmente os da instrução
primária, sem descurar uma terceira e necessária vertente, que tinha a ver com
a “promoção da função doutrinadora nacionalista” (Sarmento, 1991).
Recorrendo ainda a este autor,
citaremos os cinco períodos em que o mesmo divide o sistema educativo até 1974,
em função dos eventos históricos propostos por João Formosinho: “Constituição
de 33 – período de formação (1927-36); fim da II Guerra Mundial – período de
mobilização (1936-47); candidatura de Humberto Delgado – período de
estabilização (1947-64); doença de Salazar – período de estagnação e declínio
(1964-70; evento não citado”, mas, sugerimos nós – indefinição Marcelista – “período de
continuidade (1970-74)”.
Posto isto, no pós-25 de Abril de
1974, não só a política educativa do poder governativo em Portugal, mas também
a forma, nem sempre subtil, como a educação política do poder sindical e
partidário, ainda hoje, é nossa convicção, tenta fazer o aproveitamento
grosseiro e demagógico do analfabetismo e ignorância persistentes, do
intermitente nível de frequência e baixo aproveitamento escolares, do abandono
e da tendência praticamente inexistente para a leitura de que enferma a nossa
população, da desconsideração dos docentes, vistos como meros condenados a trabalhos
forçados, que deverão cumprir uma carreira descaracterizada, mas de altíssimo
risco, desgaste rápido e remuneração simbólica, tal como no passado, tem
servido para colher certos dividendos políticos, sociais e economicistas, no
pior sentido.
Curiosamente, a nova Constituição
(1976) fala na igualdade de oportunidades de todos no acesso à educação; a Lei
de Bases do Sistema Educativo – n.º 46/86, de 14 de Outubro, estabelece uma
escolaridade básica obrigatória de nove anos, isto é, a escola de massas passa
a obrigar ao estudo muitos daqueles que gostariam de fazer tudo o mais, menos
ir à escola; Portugal integra a Comunidade Económica Europeia; vive-se a crise
do crescimento, uma vez mais, sem desenvolvimento palpável; surgem as novas
tecnologias; a televisão invade, em doses duras, os domicílios dos portugueses;
publica-se em 1990, o Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril, ou seja, o
Estatuto da carreira dos educadores de Infância e dos professores do Ensino
Básico e secundário, substituído por um outro em Janeiro de 2007, sem que o
primeiro tenha alguma vez sido regulamentado nos seus pontos essenciais. O
segundo, intragável, aniquilou a classe docente, conforme se alude no início da
presente página, dando continuidade ao nomadismo delirante das políticas
educativas; os professores, agora com mais formação, especializações,
mestrados, doutoramentos, dedicam-se mais à investigação, apostando no ensino
de qualidade, na mudança... em vão, dado que não lhes é reconhecida nem levada
em conta a salutar capacidade reflexiva e crítica que fomenta a iniciativa e a
criatividade em autonomia. Impõe-se-lhes que sejam meros bur(r)ocratas de
carga.
Embora os professores trabalhem
exaustivamente em todas as frentes, implementando uma educação/ensino ao
serviço de todos e de cada um, na construção de uma sociedade melhor, são alvo
do parodoxal anátema da culpabilização, de um escaldante estigma persecutório,
a partir da própria tutela. Criticar torna-se, assim, perigosamente fácil,
quando se joga com arbítrio, demagogia, ignorância, subjectivismo e
sincretismo, como parece acontecer com os poderes tutelares, governamentais,
partidários e sindicais, que, ao tratarem questões fulcrais, logo da máxima
importância para o país, de forma menos própria, esclarecida e até mal gerida,
vão incorrendo na deseducação das pessoas, tirando partido das contradições
resultantes da complexa massificação do ensino, por um lado, e, por outro, do
megafenómeno da propaganda mediática que constitui o magnetismo televisivo,
quer atrás quer à frente da objectiva.
Por que se amordaçam os docentes
sobre as matérias que só a eles dizem respeito? A classe docente integra,
grosso modo, 87% de mulheres... Pois é!
Com efeito, proliferam por aí um sem
número de criaturas, dos diversos sectores de opinião, mais ou menos iluminadas
por uma sui generis capacidade analítica, que se arrogam o petulante direito, a
inconveniente disponibilidade e a imprecisa preparação, desconhecimento ou
ignorância, de tudo observarem, criticarem ou sugerirem sobre educação, a par
das desconcertantes medidas que as várias equipas ministeriais ligadas à pasta
da educação vão fazendo cair no Diário da República, sem saberem bem porquê nem
porque não, ainda que pensem o contrário... ao longo dos últimos cem anos!