quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

DIAS DE INVERNO




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Serenos são os dias sonolentos
a tolher os ímpetos da vontade
na corrente gelada e sem vaidade
da vida quebrantada pelos ventos

Sem valor soletramos os cinzentos
fins-de-tarde que morrem sem idade
lendo nas entrelinhas da verdade
mensagens de tão mordazes momentos

Pelas noites a lembrar soturnidade
a lua moribunda não tem luz
por isso só nos resta da saudade

da prata que se foi e não seduz
a crença de ser a mobilidade
o jogo que na vida nos conduz

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

QUANDO PASSARES À MINHA PORTA



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Quando passares à minha porta
como as nuvens no Inverno
não chores as tuas mágoas
nem cumpras indecisões
não culpes o Sol oculto
num descanso intermitente
nem leves contigo o vento
se soprar descompassado
não chovas delírios líquidos
nas floreiras pendentes
adivinhando as promessas
de uma nova Primavera
nem dispas todas as árvores
onde os pássaros de fugida
se albergam insensatos
na inaudível voz da sombra
do rosto de um tempo agreste

Não páres junto à calçada
de pedras enegrecidas
adormecida no vácuo
dos dias imperecíveis
nem faças jus ao Estio
na sua demanda Outonal
para germinar o trigo
na túmida conjugação
das searas solitárias...
Se passares à minha porta!

terça-feira, 22 de janeiro de 2019


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dentro de ti
jaz minha alma
no tumulto incandescente do olhar
Só dentro de ti
mora o poema
alinhado em versos soltos
                     junto ao mar

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

VALORES EM QUEDA LIVRE



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     Temos, nos últimos tempos, pensado muito nesta coisa de valores, de princípios, de normas, de educação e, curiosamente, quanto mais atenção damos ao assunto, e a tudo o mais que com ele se relaciona, tanto mais decepcionados ficamos com o comportamento das pessoas e das instituições, sejam elas quais forem, isto é, tanto faz que as mesmas se liguem ao sector público como ao privado, quer tenham que ver com estruturas de base como com as de topo, enfim, nada as abona em nada.

    Alguns exemplos apenas, para que esta nossa introdução possa ter algum fundamento, alguma razão de ser, um qualquer resquício de plausibilidade, não vão os leitores começar a pensar que estamos a falar por falar... Pois bem! Vejam só se temos ou não razão!

    Sempre que recebemos alguma convocatória para uma reunião de trabalho; sempre comparecemos a um seminário, forum ou congresso; sempre que nos deslocámos aqui ou acolá depois de previamente termos combinado com outra pessoa um qualquer encontro, jantar, ou cinema, etc., fazemos gala de cumprir escrupulosamente a(s) hora(s) decididas, aprazadas, estipuladas. Pois não é que esperámos e desesperámos, sem que se verifique, quanto mais não seja, um só desvio da regra geral, para que a norma do desprezo pelo cumprimento dos horários, pelo respeito que é devido pela palavra dada, viesse, com toda a redundância, confirmar o desvio do desregramento, do desconchavo em que vai, nos nossos dias, navegando, à deriva, esta sociedade tão estapafurdiamente mal urdida?

    No meio de tudo isto, no entanto, acaba por ter a sua graça a cara com que somos olhados pelos outros, precisamente aqueles que começam a chegar à sala das reuniões, dos congressos, dos encontros, por vezes, meia hora depois, ou mais, do horário em que aqueles deveriam ter tido o seu início. “ Dormiste cá, foi?”, costumámos ouvir da boca de quem, obviamente, já nos conhece e se dá ao luxo de, ainda por cima, debochar com a situação. Na realidade, e agora falando apenas das reuniões que ao longo destas três décadas de trabalho temos integrado (existem excepções, garantimos), mal compreendemos, portanto, entre muitas outras razões ou motivos, por que diabo são estes encontros de trabalho (?) marcados, por exemplo, nos períodos de interrupção lectiva, para as nove horas da manhã, se as pessoas começam apenas a chegar já depois das nove e trinta terem sido ultrapassadas nos respectivos relógios? Por que é que não se marcam as reuniões para as dez horas ou para as dez e trinta minutos? Ah, não, caros leitores, não é que nos interesse ficar mais tempo na cama, não senhor – levantámo-nos sempre por volta das sete horas da manhã, independentemente do dia assinalado pelo calendário – porque, desta maneira (pensamos nós), haveria tempo, quiçá, para que a torrente desenfreada da conversa gratuita pudesse ser posta em dia, entre as nove e as horas aventadas para o início das referidas reuniões.


    Vistas bem as coisas, e tendo em conta os princípios democráticos que apontam para a vitória das maiorias, natural, lógico e intuitivo será pensar que aqui, neste particular, das duas uma: ou os valores estão efectivamente em queda livre, sem qualquer tipo de cotação no mercado dos capitais de eleição cívica e elevação moral, ou então, dado que a esmagadora maioria das pessoas pouco ou nada cumpre, mas, porque de maiorias se trata, têm toda a legitimidade para agirem e continuarem a proceder como muito bem lhes apetece, porque o(s) outro(s) estão em minoria, sem, portanto, nenhum tipo de representatividade numérica. E esta agora?

domingo, 13 de janeiro de 2019

QUE ESCOLA QUEREMOS, AFINAL?


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    Não é esta a primeira vez que fazemos referência à distância que separa aquilo que a criança apr(e)ende na escola, ou melhor, que nós julgamos que ela apr(e)ende e interioriza e, portanto, tudo quanto a deveria preparar e predispor a encarar, agir ou reagir de outra forma nas várias situações do dia-a-dia, no sentido de melhor se comportar, de acordo com os cânones civilizacionais (cívicos, éticos, estéticos e morais), quando em situação, e a maneira como efectivamente os alunos apr(e)endem e realmente interiorizam tudo quanto lhes é facultado vivenciar numa relação de ensino/aprendizagem tida como normal, isto é, se ignorarmos a massiva confusão em que cada vez mais a política educativa das últimas quatro décadas tem feito mergulhar o sistema educativo deste país.

    Por outras palavras: em qualquer situação de “contexto de sala de aula”, os meninos e meninas, os jovens e as jovens, por vezes, artificializam os seus comportamentos, mostram-se cordatos e educados, ou, pelo contrário, comportam-se indisciplinadamente prejudicando o ambiente lectivo, logo, ou não aprendem convenientemente ou aprendem apenas formalmente, pelo que as aprendizagens sem fazerem qualquer sentido substancial para eles, não pesam, consequente e congruentemente, na balança dos princípios e dos valores orientadores do currículo, nem tão pouco do alcance que aquele pretendem visar, esvaziando-se, neste enquadramento, de forma frustrante e inglória.

   Tenhamos sempre presente, portanto, este tipo de dinâmica, mais ou menos oculta, que dilacera as mais nobres e esforçadas atitudes curriculares dos professores e dificulta as avaliações mais sinceras e criteriosas, e que leva os docentes – a tal dinâmica – a acreditarem ter percorrido determinadas etapas, ao nível das competências gerais, cuja clarificação, na prática, está longe de ser alcançada, acabando por, no final da educação básica obrigatória, os pressupostos da Lei de Bases do Sistema Educativo, não virem a ser nunca plasmados positivamente no processo de desenvolvimento das crianças e dos jovens.

    Seguindo esta linha de raciocínio, cabe aqui e agora perguntar , a quem seja capaz de, eventualmente, responder, até que ponto foi conseguida, por parte dos alunos, de forma capaz e consolidada, a construção e a tomada de consciência da sua identidade pessoal e social? É que, se tal se concretizou, nas melhores condições, podemos então afirmar que os alunos se foram integrando de modo airoso e compensador, desenvolvendo as suas personalidades harmonicamente, as suas afectividades, os seus relacionamentos com os outros e foram percebendo, cada vez melhor, o tipo de papel que lhes cabe desempenhar na sociedade dos homens.

    Mais: que tipo de preparação aferiram, no sentido de participarem na vida cívica de forma livre, responsável, solidária e crítica? Se assim foi, podemos afirmar estar em presença e cidadãos livres, autênticos, espontâneos, independentes e, acima de tudo, humanamente democratas.

    Ainda: que capital de tolerância acumularam no sentido de respeitar e valorizar a diversidade das pessoas e dos grupos quanto às suas opções e especificidades, mesmo sabendo nós que todas as sociedades são culturalmente controladas pelas gerações mais velhas e pelos respectivos poderes instituídos? Sendo assim, tornam-se mais naturais, menos forçados os sentimentos e comportamentos que aqueles determinam, na empatia e na consideração pelo próximo, numa linha positivamente humanista de não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.

    Também: que importância conferem os alunos, no fim do Ensino Básico obrigatório, às diferentes formas de conhecimento, comunicação e expressão? Será que eles se preocupam em ler jornais, em escutar os noticiários, em ir ao teatro, ao cinema, em ler livros de autores e épocas diferentes, em visitar museus e exposições de pintura, ou, pelo contrário, continuam a esbanjar o tempo de forma vegetativa e parasita? O homem é, tem de demonstrá-lo, um ser cerebral, portanto, não pode deixar a escola como se nunca por lá tivesse passado.

    Ou então: os alunos dar-se-ão conta da realidade estética que deve reger a marcha da vida no nosso planeta? Que tipo de oportunidades, ao nível das artes em geral (música – solfejo, área de expressões... adoptemos aqui, também a Educação Física), foram dadas às crianças do Ensino Básico, com firmeza e seriedade? A vida não é só rigidez e monolitismo; a vida também deve experênciar o agradável sabor e a beleza tranquila do estético.

   Terá penetrado na mente dos nossos estudantes o bichinho da curiosidade intelectual, do gosto pelas aprendizagens cada vez mais elaboradas e surpreendentes, o prazer pelo trabalho e pelo estudo? É que o lazer inconsequente e prolongado é sempre mau conselheiro, tantas vezes redutor; cansa, satura; leva a vícios que empobrecem espiritualmente a pessoa e, não raro, degradam o corpo.

    Terá sido conseguida a implantação consolidada de uma consciência ecológica que estruture e conduza a personalidade dos alunos à valorização e preservação do património natural e cultural? Então, eles irão ser os primeiros a olhar com outros olhos a importância e o significado das florestas, dos parques e jardins das cidades e das vilas, da necessidade de lutar incansavelmente contra a poluição do ar, da água e dos solos, através das suas próprias atitudes eco-racionais, devendo manter também bem vivas as tradições culturais, sempre que humanas, positivas e fundamentais para o futuro dos povos.

    Muitas mais questões poderiam ser colocadas, dado que importa sobretudo que as crianças adquiram aquela fulcral capacidade de inter-relacionação de tudo quanto fica dito com os saberes ministrados no dia-a-dia lectivo, com sentido, substância e alcance relacional relativamente aos outros (empatia e altruísmo) e à estruturação ética e estética do mundo enquanto um todo em permanente construção e mudança, sempre apoiado pelos mais sérios princípios da paz, da democracia, da solidariedade e da tolerância.


    Mas, como dizíamos no início deste artigo, quando tudo nos parece que está a ir de vento em popa e, depois, na prática do quotidiano, as coisas não funcionam de acordo com os princípios enunciados, então, a escola, a tal de excelência e eleição, onde tudo parece correr sobre rodas, como que terá determinado, enquanto os alunos a frequentam, comportamentos estereotipados; como que terá condicionado reflexos, conforme viu Pavlov, e, uma vez cá fora, a criança desalinha-se, desarticula-se, desestrutura-se, dissocia-se, perde-se... ou, a sociedade, de tão descabelada que se apresenta, determina, ela mesma, o desconchavo comportamental de certas franjas populacionais, afinal impreparadas e problemáticas.


sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A FANTASIA DO ASSALTO À ESCOLA



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     Depois de trinta anos de trabalho docente, somados aos trinta e sete meses de serviço militar, dos quais vinte e sete foram cumpridos na então designada Região Militar de Angola, mais propriamente na explosiva região Norte, 100% operacional (Dembos), é dose... como dizem os nossos amigos brasileiros. Ah, não, não vamos carpir o esforço de todos estes anos ao serviço da República Portuguesa, de uma maneira ou de outra, quer se queira, quer não; vamos, antes, falar-lhes de Psicologia Infantil, da mais pura e dura, que a longa experiência por nós vivida, tanto com todo o tipo de homens, pertencentes às várias classes sociais, durante a guerra, como a nossa vivência com todo o tipo de crianças, também das mais diversas proveniências socioculturais e económicas, ao longo de três décadas de ensino, nos habilitaram a observar, com aquela curiosidade indispensável a uma percepção cabalmente inteligível, dotando-nos de competências minimamente suficientes, no sentido de criarmos defesas para uma correcta leitura interpretativa (hermenêutica), face à imaginação infantil, sempre desenfreada, animista, fantasiosa, mimética, lúdica, simbólica, fluída, sem deixar de ser cruel e, até, em certas circunstâncias, deveras perigosa.

     Vamos, então, aos factos: decorria o ano de 1983, quando aconteceu termos sido colocados numa escolinha isolada no meio de um monte onde proliferavam imensos pinheiros; leccionávamos um quarto ano de escolaridade de crianças como todas as outras; lá em casa, o patriarca tinha acabado de mandar construir um fogão de sala imponente, que o frio era muito. Lenha não faltava, mas a dificuldade residia sempre na ocasião de iniciar a necessária combustão que rapidamente despertaria o braseiro e desencadearia o tão desejada temperatura ambiente. Lembrámo-nos então do terreno circundante da escola onde, durante a semana, trabalhávamos e, como se encontrasse juncado de pinhas caídas dos pinheiros em redor, tivemos a ideia de falar com a Senhora Zulmira, a servente escolar, hoje com o epíteto de auxiliar da acção educativa ou assistente operacional, enfim...

     -- Dona Zulmira – chamei eu –, aquelas pinhas, ali fora, faziam-me cá um jeitão, que a senhora nem imagina... para acender a minha lareira nova!
       -- Que não seja por isso, senhor professor – respondeu-me a mulher, cheia de energia e boa vontade – até calha bem, que amanhã é sábado e eu encho-lhe, logo de manhã, dois ou três sacos delas. O senhor, lá para o meio da tarde... pois, pois, é mais certo lá para o meio da tarde; passe aqui pela escola, que os sacos ficam guardados na arrecadação, ao lado dos sanitários.

    Assim fizemos. Por volta das cinco da tarde, estacionámos o nosso pequeno utilitário junto à porta principal da escola e transportámos os três pequenos sacos de pinhas para o automóvel. Tudo estava calmo, não vimos ninguém, e iniciamos a viagem de volta, satisfeitos, não só com a maneira como tudo se tinha passado, mas também porque sabíamos que íamos fazer uma agradável e útil surpresa ao pai.

     Aqui não interessam, propriamente, as cenas dos episódios seguintes, mormente em nossa casa mas, isso sim, é de toda a importância tudo aquilo que se viria a verificar, na segunda feira seguinte, na nossa sala de aula, com o quarto ano de escolaridade.

      -- Senhor professor, a escola, no sábado, foi assaltada!!
    -- Não me digam uma coisa dessas! Olhem, vocês vão contar tudo o que sabem sobre esse tal assalto, através de uma pequena composição e de um desenho ilustrativo da mesma.
    
    Ficaram delirantes e começaram imediatamente a escrever composições, curiosamente coincidentes, e desenhos, mais ou menos parecidos. Na altura concluí que tivessem já, entre eles, ventilado o assunto, fruto de um qualquer boato lançado ao ar por alguém que, eventualmente, terá presenciado ao vivo o simples desenrolar da história das pinhas. O melhor, no entanto, ainda os leitores não sabem.

     Tanto as composições como os desenhos falavam e mostravam um camião enorme, parado à porta da escola; do camião tinham saído seis homens encarapuçados e de armas aperradas, tinham rebentado com granadas a porta da escola e tinham carregado tudo o que era de valor. Depois arrancaram a grande velocidade sem terem deixado qualquer rasto.

     No intervalo da manhã rimo-nos todos com o que se tinha passado, mas não pudemos deixar de comentar a perigosidade de nos deixarmos levar pelos contos e ditos da criançada ou até de adultos sem maturidade, equilíbrio e carácter.

       Obs.: A propósito da presente "estória", espreitem, neste blogue, o texto intitulado - "Da Mentira, Na Infância".





quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

SER DE PERTENÇA


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Não transgridas a tua própria ausência
e segue antes o caminho que foi teu
voltando a ser a luz que se contempla
na clara bonomia de todas as dúvidas
que renascem em cada novo dia
por serem pertença e reencontro
sem deixarem de ser inserção e viagem

Não fujas de ti tão sem sentido
mesmo que percas o eco dos teus passos
porque no espelho afinal nunca te sentes 
já que o mesmo regista as tuas dúvidas circulares
reflectidas duais especulares replicadas
no limiar da angústia revisitada

Se nunca souberes o que te move
sendo tu mesma ou um alter ego ou um duplo demoníaco
agirás então ao acaso ou por submissão
e sentirás a dor dilacerante do vazio
a cavar soturnos abismos delirantes

Eu sei que já buscaste o verde e o azul à tua volta
mas não estavam nos lugares mais obscuros
porque os afectos são sempre uma simetria partilhada

domingo, 6 de janeiro de 2019

TEMPERAMENTOS


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        Somos todos dotados de temperamentos diversos, sem que estes deixem de ser, face aos outros, ou melhor, relativamente aos dos outros, díspares ou aproximados. Em termos gerais, a noção de temperamento prende-se com a maneira de ser e de estar (social e pessoal) de cada um, com a sua índole, com a sua dinâmica comportamental e a sua intensidade reaccional, avaliadas do ponto de vista da sua caracterologia psicológica.

    Todos estes sinais distintivos do(s) ser(es) humano(s), alicerçados constitucional e geneticamente acabam por definir cada um dos indivíduos, quer estes sejam mais ou menos instáveis, quer se nos apresentem através de uma certa riqueza de carácter, agradavelmente firme e segura. Em ambos os casos, é sempre a sua natureza emocional a pautar a diversidade das interacções verificadas.

   Ainda hoje os médicos, no final do curso, fazem o juramento de Hipócrates (460 a. C.-377 a. C.), devido ao simbolismo que o mesmo representa (na sua dualidade essencial relativizada) – quer o juramento, quer Hipócrates –, mas foi Cláudio Galeno (129-199), no segundo século d. C., que, ancorado no pioneirismo do conhecimento médico de Hipócrates, viria a balizar o temperamento de acordo com quatro tipos (“humor” conforme o corpo) diferenciados: o melancólico; o colérico; o sanguínio; o fleumático.

     Nos tempos mais recentes, o psiquiatra E. Kretschmer (1888-1964) defendeu a tese de dois tipos oponíveis, conforme o corpo de que a natureza os havia dotado, isto é o pícnico (espesso) – de estatura baixa e provido de abundante massa adiposa; e o leptossómico (corpo delgado) ou asténico – alto e franzino; entre ambos, Kretschmer arriscou o indivíduo atlético. Temos assim, e no dizer deste especialista, o pícnico, com tendências maníaco-depressivas (bipolares), por possuir uma personalidade ciclotímica (ânimo oscilante), sem deixar de ser afável, boa pessoa e muito dado, embora deveras vulnerável. Já o leptossómico se encontra no limiar da esquizofrenia, por ser esquizotímico (ânimo fragmentado), o que induz comportamentos tímidos, retraídos, fechados (autistas), mas excêntricos.

     Mais tarde ainda, viria William Herbert Sheldon (1898-1977) acrescentar algo mais às teorias empíricas de Kretschmer, classificando, também, os indivíduos em somatótipos, mas aliando as suas potencialidades psicossomáticas, num quadro de correlação constitucional corporal tripartida, conforme os temperamentos: a ectomorfa – forma exterior (magros); a mesomorfa – forma intermédia (musculados); a endomorfa – forma interna (adiposos).


    Nos dias de hoje, afastados que estão os indivíduos da realidade das interacções concretas e palpáveis, arriscaríamos apontar, independentemente da configuração corpórea de cada um e das suas origens genéticas e constitucionais, o grupo sorumbático virtual (maioritário) dos dependentes inveterados das T.I.C., com tendência para engordar e tecer patologias precoces, e o grupo ecléctico vital (minoritário), ligado ao convívio, à prática do desporto, à cultura e às sãs interacções do quotidiano mais genuíno.

sábado, 5 de janeiro de 2019

AUXILIARES DE ACÇÃO MÉDICA




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    A moderna sociedade (ocidental) do Bem-estar assenta, ainda e fundamentalmente, em pressupostos conceptuais e materiais que foi possível conceber e implementar a partir de uma nova mentalidade e cultura democráticas, ocorridas depois do “arrumar da casa” tornada caos, dor e perplexidade, em virtude do descalabro da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Como sempre acontece nestas situações, são os mais indefesos e impreparados – as crianças e os velhos – a sofrer na pele os efeitos deste tipo de conflitos absurdos, aberrantes e redutores.

    Neste primeiro quartel do século XXI, tendo em conta a situação da população mais velha, nomeadamente aqui, em Portugal, torna-se pertinente interrogar os responsáveis ligados à Segurança Social sendo esta uma tão publicitada conquista democrática –, se se está a respeitar o estatuto do Velho, em toda a sua real dimensão, à qual se impõe a religiosa vertente da dignidade pessoal de quem merece o reconhecimento do seu historial passado e a mais-valia da experiência adquirida e do conhecimento acumulado.

    Hoje, volvidos que estão setenta e quatro anos desde o termo do segundo grande conflito armado mundial; agora, que se contam já quarenta e cinco anos desde que ocorreu a Revolução do 25 de Abril de 1974, que expectativas podem, afinal, alimentar as famílias que integram velhos, com os problemas inerentes ao avanço da idade, e o que é que tem sido feito, por quem de direito, para resolver (ou tão-só minorar) os problemas dos velhos?!

     Nos Lares da dita Terceira Idade, salvo raras e honrosas excepções, tudo deixa muito a desejar... No âmbito do Serviço Nacional de Saúde, as bichas são intermináveis e as marcações adormecem no tempo, ainda que ignoremos o preço escandaloso dos medicamentos... No apoio domiciliário, pelo menos, tem valido o empenho e a dedicação das Auxiliares de Acção Médica, há uns anos rebaptizadas com a designação (quanto a nós ultrajante) de Ajudantes de Acção Directa ou Assistentes Operacionais – conceitos demasiado vagos, cinzentos e perecíveis, tendentes a desprestigiar o estatuto genuíno e altruísta de tão grandes mulheres.

    De resto, tudo se tem consubstanciado na perda de todo o tipo de direitos laborais, para salários mesquinhos e sobrecarga horária, destas profissionais que, no seu desempenho de alto risco e desgaste rápido, se encontram a braços com dificuldades terríveis que não cabe aqui enumerar. Sim, encontramo-nos face a Um Drama já Velhinho, já que drama tem origem na palavra grega, também assim escrita, que significa, antes de mais, “acção”, mas que, na sua asserção mais ampla pode ser vista como o meio-termo entre a tragédia e a comédia que se representa no estafado e já velhinho palco da vida, onde interagem não só crianças e jovens, mas também adultos e velhos. Saibamos conviver para sermos capazes de viver.