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Há já 10 anos, foi
publicado, em Diário da República, de 16 de Junho de 2006, o Despacho n.º
12.591/2006 (2.ª série), no seguimento da catadupa legislativa que tem visado
balizar a nova forma de encarar o ensino Básico obrigatório, mormente o do 1.º
Ciclo, no que diz respeito, principalmente, à promoção das actividades de
enriquecimento curricular, “seleccionadas de
acordo com os objectivos definidos no projecto educativo do agrupamento de
escolas e que devem constar do respectivo plano anual de actividades”, conforme se lê no ponto 8 do aludido
Despacho.
O
Apoio ao Estudo e o Ensino do Inglês para os alunos dos 3.º e 4.º anos de
escolaridade, constituem actividades obrigatórias, a implementar já no ano
lectivo de 2006/2007, para além do ensino de outras línguas estrangeiras, da
Actividade física e desportiva, do Ensino da música, de Outras expressões
artísticas e de Outras actividades que incidam nos domínios identificados.
Todas
estas actividades têm tempos e intervalos definidos (consultar o Despacho) e
poderão contar com o apoio “promotor” das Autarquias locais, das Associações de
pais e de encarregados de educação, de Instituições de solidariedade social e
de Agrupamentos de escolas.
Neste
diploma legal encontram-se também definidas, entre outras coisas, a programação
das actividades, o seu acompanhamento, avaliação e as várias reuniões. No
capítulo II, artigo 3.º é tratado o acesso ao financiamento, principalmente
para a leccionação do Inglês e, no capítulo III define-se o perfil dos
professores daquela língua estrangeira, da actividade física e desportiva e do
ensino da música, bem como de outras actividades de enriquecimento curricular.
Já
no ano de 2001, através do Decreto-lei n.º 6/2001, procedia-se a uma
reorganização do currículo do ensino básico, consagrando “três novas áreas
curriculares não disciplinares, bem como “a obrigatoriedade do ensino
experimental das ciências, o aprofundamento da aprendizagem das línguas modernas,
o desenvolvimento da educação artística e da educação para a cidadania e o
reforço do núcleo central do currículo nos domínios da língua materna e da
matemática”.
O
ponto 4 do artigo 2.º, do decreto em apreço, aponta para o projecto curricular
de turma, aprovado e avaliado pelo professor titular de turma, em articulação
com o conselho de docentes, sendo
elaborado a partir das estratégias de concretização e desenvolvimento do
currículo nacional e do projecto curricular de escola.
Fundamental
ainda, para que seja possível proceder a uma avaliação das aprendizagens e
competências dos alunos dos três ciclos do ensino obrigatório, de forma
legalmente enquadrada, continua a ser o Despacho Normativo n.º 1/2005 de 5 de
Janeiro que, sobre esta matéria, viria a revogar os anteriores diplomas.
No
entanto, para a análise da temática vertente, importa que lancemos, desde já,
um olhar rápido à situação da Educação e do Ensino, no período imediatamente
anterior à revolução ocorrida no dia 25 de Abril de 1974: nessa altura o
currículo era rígido, imposto, ideológico, numa sociedade onde o poder se
encontrava centralizado na capital e daí ditava o que bem queria e lhe
interessava, manobrando um sistema educativo frequentado apenas por quem queria
e podia prosseguir estudos.
De
seguida atentemos ao fenómeno despoletado pela massificação do ensino, já
depois da instauração da democracia, e ao alargamento da frequência
obrigatória, primeiro para os 12 anos de idade e, depois, para os quinze, a
determinar o insucesso em doses industriais, também por falta de bom senso e
adequação das políticas educativas.
No
que diz respeito à legislação, apontemos a Constituição da República Portuguesa
de 1976, que alicerça a jovem democracia de então e fala em igualdade de
oportunidades e acesso, tornando cada vez mais premente a necessidade de uma
Lei de Bases que equacionasse e balizasse toda a estrutura do Sistema Educativo
Português. Esta surgiu, enfim, através da Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro.
Também
a Reforma Educativa, estudada e apresentada pela respectiva Comissão
(1987/1988), aventa novos protagonismos para os professores e para as escolas;
fala em projecto educativo de escola, em descentralização, em autonomia, em
participação; em diversificação curricular; em actividades de complemento
curricular e outros conceitos novos e promissores.
A
Lei de Bases, no seu artigo 47.º, pontos 2 e 4, faz alusão a planos
curriculares de adequação (Formação Pessoal e Social), a conteúdos flexíveis,
integrando componentes regionais.
João
Formosinho (Universidade do Minho), em 1989, contrapõe à democracia
representativa centralizada, que até aí orientava toda a orgânica da escola
portuguesa, a democracia participativa descentralizada, que prepara o caminho e
torna possível a gestão flexível – sensata – dizemos nós, do currículo,
enquanto percurso, caminho, algo que nos conduza ou possa conduzir a bom porto,
concebendo-o como um projecto aberto e plasticinado, susceptível de ser
construído e reconstruído e adequado aos diferentes contextos educativos aos
quais se dirige.
Importantes
foram também os diplomas legais entretanto publicados (uns mais do que outros,
outros ainda perfeitamente ineficazes), mas, cabalmente demonstrativos de uma
certa mudança, na forma como se passou a encarar certas problemáticas ligadas à
Educação, em Portugal, quanto mais não fosse, ao nível das intenções lavradas
no papel... Estamos a pensar, fundamentalmente, no Regime Jurídico da Autonomia
das Escolas (Dec.-Lei n.º 172/91 de 10 de Maio e no Dec.-Lei n.º 43/89 de 3 de
Fevereiro), este último deveras marcante.
Mais
recentemente o Ministério da Educação fez publicar o Dec.-Lei n.º 115-A/98, de
4 de Maio e o Decreto Regulamentar n.º 12, de 29 de Agosto, ambos aparecidos
para estruturar os tão financeiramente desamparados Agrupamento de Escolas, aos
quais chamamos, com certa mágoa, (Escolas (A)mal(g)amadas).
(...)
Torna-se urgente o discernimento do professor, enquanto mediador entre a teoria
e a prática, entre o currículo formal e a intervenção directa (interactividade
nas escolas).
O
professor, enquanto profissional reflexivo, deve desenvolver conhecimentos,
atitudes e competências, abordando o currículo como investigador e
experimentador, edificando, construindo ele mesmo, em função das necessidades,
das diversidades e especificidades várias, racional e autonomamente,
reflectindo em equipa, criticamente.
Ao
desenvolvimento curricular deve estar sempre aliado o desenvolvimento
profissional e o desenvolvimento comunitário. Assim, o currículo deve
assumir-se como um projecto integrado, a construir nas escolas, a partir do
desenho inicial – o programa nacional, na linha de uma análise cuidada, seguida
de investigação e adequação.
O
projecto curricular é “uma proposta teórico-prática de investigação e desenvolvimento
curricular”, no dizer de Bonafé – 1991, através da qual se faz uma mediação
entre determinadas intenções educativas e sociais e os processos práticos de
socialização cultural dentro das salas de aula e das escolas. Neste sentido, o
projecto curricular surge como um instrumento de reflexão sobre a natureza da
função educativa e cultural que se realiza nas escolas, através da explicitação
e compromisso com um modelo elaborado a partir de considerações de ordem
sociológica, epistemológica, ética, psicológica e pedagógica e, ao mesmo tempo,
como um instrumento de transformação das práticas, mediante propostas de
intervenção metodológica que consubstanciem o próprio currículo.
(...)
Relativamente a uma ainda bem recente componente curricular, de seu nome
“Área-Escola”, podemos dizer tratar-se de uma área aberta, integradora de
saberes e experiências, interdisciplinar, que pode congregar professores e
alunos, iniciando estes nas metodologias de projecto, globalizadoras e que deve
tornar as aprendizagens significativas.
Logo
a seguir surgiu a “Área de Projecto” que, na prática, mais não é do que a
Área-Escola” que, de resto, viria a ser regulamentada ao pormenor mais ínfimo,
contrariando a sua própria lógica intrínseca de abertura, liberdade, autonomia
e integração. Pena é que nos continuem a negar as equipas multidisciplinares e
até o simples professor de apoio nas salas de aula onde se aglomeram vários
anos de escolaridade (1.º Ciclo do Ensino Básico).
O
Estudo Acompanhado (que sempre se praticou no Ciclo inicial obrigatório) é uma
outra área curricular não disciplinar, a par da Educação Cívica, área que se
confunde com a da Educação Pessoal e Social. Quanto à Educação Sexual... Esta
pode muito bem ser transversal, sem ser disciplina, e ser ministrada com a
sensatez que tal matéria implica.
Permitam-nos
que opinemos, tendo em conta o que fica exposto, para acrescentar que no caso
concreto desta nova reforma curricular, a mesma terá surgido perfeitamente
desgarrada da realidade, descontextualizada, dado pretender ser primeiro andar
de acabamentos melhorados, por cima de um rés-do-chão em ruínas. Considerámos
que na altura própria não foi efectuada a devida avaliação, de todo o sistema
educativo e, a sê-lo, deveria ter ocorrido na pessoa de quem por dentro dele
trabalha: pelos profissionais no terreno.
(...)Fulcral
também, sob o ponto de vista do desenvolvimento curricular, no âmbito da gestão
cuidada e sensata do currículo, é a avaliação, enquanto instrumento formativo,
processual que estimula e respeita os ritmos e as capacidades dos alunos.
Ao
nível profissional e autónomo dos agentes educativos, convém ter sempre em
conta as decisões educativas de consenso, no quadro da aplicação racional do
currículo, aos diferentes contextos sociais e comunitários, sustentado no
Projecto Educativo d Escola, reforçando a autonomia da própria escola, através
de uma gestão participada que estimule as relações entre a Escola e o Meio onde
está implementada.
“Os
projectos curriculares são um espaço importante”, como refere Bonafé (1991),
“quer de reflexão e discussão sobre os problemas educativos fundamentais (que
cultura e que saber, para que escola, em que sociedade), quer de tomada de
decisões pedagógico-didácticas para melhorar as práticas educativas.”
Já
L. Del Carmen e T. Zabala (1991) definem Projecto Curricular como um “conjunto
de decisões articuladas, partilhadas pela equipa docente de um centro
educativo, tendentes a dotar de maior coerência a sua actuação, concretizando
as orientações curriculares de âmbito nacional em propostas globais de
intervenção pedagógico-didáctica adequadas a um contexto específico.”
Alonso
(1993) entende o Currículo como “um
projecto integrado e global de cultura (aprendizagem a realizar) e de formação
(capacidades a desenvolver) que fundamenta, articula e orienta as decisões
sobre a intervenção pedagógica nas escolas, com o fim de permitir uma mediação
educativa de qualidade para todos os alunos.”
O
Projecto Curricular é “representação antecipadora (Barbier, 1993) de uma realidade
educativa susceptível de mudança (...)”
Vamos
agora tentar concluir esta breve abordagem, que procurámos fazer, da práxis
curricular, no seguimento do roteiro legislativo de que dispomos, fazendo
notar, entretanto, o quão aliciante e complexa a mesma se nos afigura, sem
deixar de ser ainda manifestamente problemática, no que diz respeito à sua
aplicação prática, dado que, se por um lado se aconselha uma gestão curricular
de forma racionalmente sustentada, em função das realidades diversificadas, diferenciadas,
por outro lado, essa mesma gestão flexível só pode sê-lo até determinados
limites, pois não há nada na vida que possa ser encarado em termos absolutos e,
no caso concreto do sistema educativo nacional, todos estamos infelizmente
conscientes dos males e contradições de que o mesmo enferma, o que muitas vezes
contraria, impede, bloqueia ou condiciona qualquer boa vontade, por mais
maleável que a mesma intente ser.
Apoiemos,
no entanto, a teoria e a prática do projecto curricular numa concepção construtivista
do desenvolvimento humano, fomentando o desenvolvimento global do aluno,
equilibradamente, não apenas cognitivamente, articulado de forma continuada e
integrada, fazendo com que a estrutura curricular possibilite às crianças
escolarizadas uma formação consistente e significativa.
A
abordagem globalizadora do projecto curricular organiza os conteúdos em
sequência da aprendizagem (actividades integradoras) ligadas a contextos e
vivências das crianças, de forma interdisciplinar, integrando a complexidade do
real.
O
currículo é uma construção social, um comprometimento com a comunidade,
recriando práticas e interiorizando valores, num desenrolar permanente de
atitudes atentas e introspectivas, de posturas activas e analíticas, de acções
articuladas e pensadas, tendo sempre em vista o possível e o impossível, o
viável e o inviável, indissociavelmente assentes na dignidade profissional dos
docentes e no respeito inalienável devido aos alunos enquanto seres em
formação/desenvolvimento, para a vida em sociedade, nas múltiplas
inter-relações cívicas e familiares que o futuro gradualmente lhes for
trazendo, com as quais se terão de ver confrontados, devendo sempre
protagonizá-las de forma positivamente sucedida, no papel de actores de um
mundo em mudança que persegue a paz, a qualidade de vida e a felicidade.
Por
último, e no que toca à avaliação de um trabalho deste tipo, “tendo em conta os
critérios de abertura, flexibilidade e dinamicidade de um projecto de
desenvolvimento curricular, torna-se necessária uma constante
acção/reflexão/acção que permita verificar a adequação das decisões tomadas às
necessidades detectadas”, como se pode ler nas páginas 108 e 109 da obra “A
Construção do Currículo na Escola” (1994).
“Toda
a prática educativa implica a sua avaliação. Neste sentido, os docentes
avaliarão, quer o projecto, quer o processo de ensino-aprendizagem, na sua
globalidade. Avaliar-se-á este processo enquanto construção progressiva, onde
os objectivos se estabelecem mais sob a forma de processos pessoais a
desenvolver do que de resultados precisos de aprendizagem que se antecipam.
Neste sentido, os conteúdos instrumentais face aos objectivos educacionais
estabelecidos. Serão também objecto de avaliação, a actuação do professor, a
participação da comunidade, a adequação das actividades, recursos e materiais
utilizados, a temporização do projecto, os conteúdos seleccionados e a sua
sequencialização, a orientação metodológica, etc..”
Todo este processo de avaliação
contínua facilitará a tomada de decisões e a introdução de alterações nas
programações seguintes.
“Nesta
perspectiva, a avaliação assume um carácter globalizante, formativo, integrado
e contínuo, funcionando como fio condutor do projecto e de todo o processo de
ensino-aprendizagem, abrangendo o domínio dos conhecimentos, das capacidades e
atitudes. Assim, a avaliação é favorecedora de progressão pessoal e da
autonomia dos alunos, na medida em que se encontram directamente implicados no
processo, e permite ao professor controlar, reformular, adequar e melhorar a
sua prática pedagógica.”
“O
professor poderá utilizar diferentes instrumentos de avaliação, nomeadamente a
observação directa, as produções dos alunos e o grau de envolvimento nas
actividades de ensino-aprendizagem, no sentido de se orientar nas dificuldades
e valorizar os seus progressos e, simultaneamente, recolher informação diversa
para a realização de novos projectos significativos, que constituam novos
desafios para os alunos e para toda a comunidade educativa.”