domingo, 13 de março de 2016

ROTEIRO LEGISLATIVO E PRÁXIS CURRICULAR - O PAPEL DO PROFESSOR




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        Há já 10 anos, foi publicado, em Diário da República, de 16 de Junho de 2006, o Despacho n.º 12.591/2006 (2.ª série), no seguimento da catadupa legislativa que tem visado balizar a nova forma de encarar o ensino Básico obrigatório, mormente o do 1.º Ciclo, no que diz respeito, principalmente, à promoção das actividades de enriquecimento curricular, “seleccionadas de acordo com os objectivos definidos no projecto educativo do agrupamento de escolas e que devem constar do respectivo plano anual de actividades”, conforme se lê no ponto 8 do aludido Despacho.

         O Apoio ao Estudo e o Ensino do Inglês para os alunos dos 3.º e 4.º anos de escolaridade, constituem actividades obrigatórias, a implementar já no ano lectivo de 2006/2007, para além do ensino de outras línguas estrangeiras, da Actividade física e desportiva, do Ensino da música, de Outras expressões artísticas e de Outras actividades que incidam nos domínios identificados.

     Todas estas actividades têm tempos e intervalos definidos (consultar o Despacho) e poderão contar com o apoio “promotor” das Autarquias locais, das Associações de pais e de encarregados de educação, de Instituições de solidariedade social e de Agrupamentos de escolas.

         Neste diploma legal encontram-se também definidas, entre outras coisas, a programação das actividades, o seu acompanhamento, avaliação e as várias reuniões. No capítulo II, artigo 3.º é tratado o acesso ao financiamento, principalmente para a leccionação do Inglês e, no capítulo III define-se o perfil dos professores daquela língua estrangeira, da actividade física e desportiva e do ensino da música, bem como de outras actividades de enriquecimento curricular.

            Já no ano de 2001, através do Decreto-lei n.º 6/2001, procedia-se a uma reorganização do currículo do ensino básico, consagrando “três novas áreas curriculares não disciplinares, bem como “a obrigatoriedade do ensino experimental das ciências, o aprofundamento da aprendizagem das línguas modernas, o desenvolvimento da educação artística e da educação para a cidadania e o reforço do núcleo central do currículo nos domínios da língua materna e da matemática”.

          O ponto 4 do artigo 2.º, do decreto em apreço, aponta para o projecto curricular de turma, aprovado e avaliado pelo professor titular de turma, em articulação com o conselho de docentes, sendo  elaborado a partir das estratégias de concretização e desenvolvimento do currículo nacional e do projecto curricular de escola.

            Fundamental ainda, para que seja possível proceder a uma avaliação das aprendizagens e competências dos alunos dos três ciclos do ensino obrigatório, de forma legalmente enquadrada, continua a ser o Despacho Normativo n.º 1/2005 de 5 de Janeiro que, sobre esta matéria, viria a revogar os anteriores diplomas.

         No entanto, para a análise da temática vertente, importa que lancemos, desde já, um olhar rápido à situação da Educação e do Ensino, no período imediatamente anterior à revolução ocorrida no dia 25 de Abril de 1974: nessa altura o currículo era rígido, imposto, ideológico, numa sociedade onde o poder se encontrava centralizado na capital e daí ditava o que bem queria e lhe interessava, manobrando um sistema educativo frequentado apenas por quem queria e podia prosseguir estudos.

            De seguida atentemos ao fenómeno despoletado pela massificação do ensino, já depois da instauração da democracia, e ao alargamento da frequência obrigatória, primeiro para os 12 anos de idade e, depois, para os quinze, a determinar o insucesso em doses industriais, também por falta de bom senso e adequação das políticas educativas.

         No que diz respeito à legislação, apontemos a Constituição da República Portuguesa de 1976, que alicerça a jovem democracia de então e fala em igualdade de oportunidades e acesso, tornando cada vez mais premente a necessidade de uma Lei de Bases que equacionasse e balizasse toda a estrutura do Sistema Educativo Português. Esta surgiu, enfim, através da Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro.

        Também a Reforma Educativa, estudada e apresentada pela respectiva Comissão (1987/1988), aventa novos protagonismos para os professores e para as escolas; fala em projecto educativo de escola, em descentralização, em autonomia, em participação; em diversificação curricular; em actividades de complemento curricular e outros conceitos novos e promissores.

            A Lei de Bases, no seu artigo 47.º, pontos 2 e 4, faz alusão a planos curriculares de adequação (Formação Pessoal e Social), a conteúdos flexíveis, integrando componentes regionais.

            João Formosinho (Universidade do Minho), em 1989, contrapõe à democracia representativa centralizada, que até aí orientava toda a orgânica da escola portuguesa, a democracia participativa descentralizada, que prepara o caminho e torna possível a gestão flexível – sensata – dizemos nós, do currículo, enquanto percurso, caminho, algo que nos conduza ou possa conduzir a bom porto, concebendo-o como um projecto aberto e plasticinado, susceptível de ser construído e reconstruído e adequado aos diferentes contextos educativos aos quais se dirige.



      Importantes foram também os diplomas legais entretanto publicados (uns mais do que outros, outros ainda perfeitamente ineficazes), mas, cabalmente demonstrativos de uma certa mudança, na forma como se passou a encarar certas problemáticas ligadas à Educação, em Portugal, quanto mais não fosse, ao nível das intenções lavradas no papel... Estamos a pensar, fundamentalmente, no Regime Jurídico da Autonomia das Escolas (Dec.-Lei n.º 172/91 de 10 de Maio e no Dec.-Lei n.º 43/89 de 3 de Fevereiro), este último deveras marcante.

        Mais recentemente o Ministério da Educação fez publicar o Dec.-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio e o Decreto Regulamentar n.º 12, de 29 de Agosto, ambos aparecidos para estruturar os tão financeiramente desamparados Agrupamento de Escolas, aos quais chamamos, com certa mágoa, (Escolas (A)mal(g)amadas).

            (...) Torna-se urgente o discernimento do professor, enquanto mediador entre a teoria e a prática, entre o currículo formal e a intervenção directa (interactividade nas escolas).

       O professor, enquanto profissional reflexivo, deve desenvolver conhecimentos, atitudes e competências, abordando o currículo como investigador e experimentador, edificando, construindo ele mesmo, em função das necessidades, das diversidades e especificidades várias, racional e autonomamente, reflectindo em equipa, criticamente.

            Ao desenvolvimento curricular deve estar sempre aliado o desenvolvimento profissional e o desenvolvimento comunitário. Assim, o currículo deve assumir-se como um projecto integrado, a construir nas escolas, a partir do desenho inicial – o programa nacional, na linha de uma análise cuidada, seguida de investigação e adequação.

            O projecto curricular é “uma proposta teórico-prática de investigação e desenvolvimento curricular”, no dizer de Bonafé – 1991, através da qual se faz uma mediação entre determinadas intenções educativas e sociais e os processos práticos de socialização cultural dentro das salas de aula e das escolas. Neste sentido, o projecto curricular surge como um instrumento de reflexão sobre a natureza da função educativa e cultural que se realiza nas escolas, através da explicitação e compromisso com um modelo elaborado a partir de considerações de ordem sociológica, epistemológica, ética, psicológica e pedagógica e, ao mesmo tempo, como um instrumento de transformação das práticas, mediante propostas de intervenção metodológica que consubstanciem o próprio currículo.

            (...) Relativamente a uma ainda bem recente componente curricular, de seu nome “Área-Escola”, podemos dizer tratar-se de uma área aberta, integradora de saberes e experiências, interdisciplinar, que pode congregar professores e alunos, iniciando estes nas metodologias de projecto, globalizadoras e que deve tornar as aprendizagens significativas.

            Logo a seguir surgiu a “Área de Projecto” que, na prática, mais não é do que a Área-Escola” que, de resto, viria a ser regulamentada ao pormenor mais ínfimo, contrariando a sua própria lógica intrínseca de abertura, liberdade, autonomia e integração. Pena é que nos continuem a negar as equipas multidisciplinares e até o simples professor de apoio nas salas de aula onde se aglomeram vários anos de escolaridade (1.º Ciclo do Ensino Básico).

            O Estudo Acompanhado (que sempre se praticou no Ciclo inicial obrigatório) é uma outra área curricular não disciplinar, a par da Educação Cívica, área que se confunde com a da Educação Pessoal e Social. Quanto à Educação Sexual... Esta pode muito bem ser transversal, sem ser disciplina, e ser ministrada com a sensatez que tal matéria implica.
            Permitam-nos que opinemos, tendo em conta o que fica exposto, para acrescentar que no caso concreto desta nova reforma curricular, a mesma terá surgido perfeitamente desgarrada da realidade, descontextualizada, dado pretender ser primeiro andar de acabamentos melhorados, por cima de um rés-do-chão em ruínas. Considerámos que na altura própria não foi efectuada a devida avaliação, de todo o sistema educativo e, a sê-lo, deveria ter ocorrido na pessoa de quem por dentro dele trabalha: pelos profissionais no terreno.

            (...)Fulcral também, sob o ponto de vista do desenvolvimento curricular, no âmbito da gestão cuidada e sensata do currículo, é a avaliação, enquanto instrumento formativo, processual que estimula e respeita os ritmos e as capacidades dos alunos.

            Ao nível profissional e autónomo dos agentes educativos, convém ter sempre em conta as decisões educativas de consenso, no quadro da aplicação racional do currículo, aos diferentes contextos sociais e comunitários, sustentado no Projecto Educativo d Escola, reforçando a autonomia da própria escola, através de uma gestão participada que estimule as relações entre a Escola e o Meio onde está implementada.

            “Os projectos curriculares são um espaço importante”, como refere Bonafé (1991), “quer de reflexão e discussão sobre os problemas educativos fundamentais (que cultura e que saber, para que escola, em que sociedade), quer de tomada de decisões pedagógico-didácticas para melhorar as práticas educativas.”

            Já L. Del Carmen e T. Zabala (1991) definem Projecto Curricular como um “conjunto de decisões articuladas, partilhadas pela equipa docente de um centro educativo, tendentes a dotar de maior coerência a sua actuação, concretizando as orientações curriculares de âmbito nacional em propostas globais de intervenção pedagógico-didáctica adequadas a um contexto específico.”

            Alonso (1993) entende o  Currículo como “um projecto integrado e global de cultura (aprendizagem a realizar) e de formação (capacidades a desenvolver) que fundamenta, articula e orienta as decisões sobre a intervenção pedagógica nas escolas, com o fim de permitir uma mediação educativa de qualidade para todos os alunos.”

            O Projecto Curricular é “representação antecipadora (Barbier, 1993) de uma realidade educativa susceptível de mudança (...)”



            Vamos agora tentar concluir esta breve abordagem, que procurámos fazer, da práxis curricular, no seguimento do roteiro legislativo de que dispomos, fazendo notar, entretanto, o quão aliciante e complexa a mesma se nos afigura, sem deixar de ser ainda manifestamente problemática, no que diz respeito à sua aplicação prática, dado que, se por um lado se aconselha uma gestão curricular de forma racionalmente sustentada, em função das realidades diversificadas, diferenciadas, por outro lado, essa mesma gestão flexível só pode sê-lo até determinados limites, pois não há nada na vida que possa ser encarado em termos absolutos e, no caso concreto do sistema educativo nacional, todos estamos infelizmente conscientes dos males e contradições de que o mesmo enferma, o que muitas vezes contraria, impede, bloqueia ou condiciona qualquer boa vontade, por mais maleável que a mesma intente ser.

            Apoiemos, no entanto, a teoria e a prática do projecto curricular numa concepção construtivista do desenvolvimento humano, fomentando o desenvolvimento global do aluno, equilibradamente, não apenas cognitivamente, articulado de forma continuada e integrada, fazendo com que a estrutura curricular possibilite às crianças escolarizadas uma formação consistente e significativa.

            A abordagem globalizadora do projecto curricular organiza os conteúdos em sequência da aprendizagem (actividades integradoras) ligadas a contextos e vivências das crianças, de forma interdisciplinar, integrando a complexidade do real.

            O currículo é uma construção social, um comprometimento com a comunidade, recriando práticas e interiorizando valores, num desenrolar permanente de atitudes atentas e introspectivas, de posturas activas e analíticas, de acções articuladas e pensadas, tendo sempre em vista o possível e o impossível, o viável e o inviável, indissociavelmente assentes na dignidade profissional dos docentes e no respeito inalienável devido aos alunos enquanto seres em formação/desenvolvimento, para a vida em sociedade, nas múltiplas inter-relações cívicas e familiares que o futuro gradualmente lhes for trazendo, com as quais se terão de ver confrontados, devendo sempre protagonizá-las de forma positivamente sucedida, no papel de actores de um mundo em mudança que persegue a paz, a qualidade de vida e a felicidade.

            Por último, e no que toca à avaliação de um trabalho deste tipo, “tendo em conta os critérios de abertura, flexibilidade e dinamicidade de um projecto de desenvolvimento curricular, torna-se necessária uma constante acção/reflexão/acção que permita verificar a adequação das decisões tomadas às necessidades detectadas”, como se pode ler nas páginas 108 e 109 da obra “A Construção do Currículo na Escola” (1994).

            “Toda a prática educativa implica a sua avaliação. Neste sentido, os docentes avaliarão, quer o projecto, quer o processo de ensino-aprendizagem, na sua globalidade. Avaliar-se-á este processo enquanto construção progressiva, onde os objectivos se estabelecem mais sob a forma de processos pessoais a desenvolver do que de resultados precisos de aprendizagem que se antecipam. Neste sentido, os conteúdos instrumentais face aos objectivos educacionais estabelecidos. Serão também objecto de avaliação, a actuação do professor, a participação da comunidade, a adequação das actividades, recursos e materiais utilizados, a temporização do projecto, os conteúdos seleccionados e a sua sequencialização, a orientação metodológica, etc..”
Todo este processo de avaliação contínua facilitará a tomada de decisões e a introdução de alterações nas programações seguintes.

            “Nesta perspectiva, a avaliação assume um carácter globalizante, formativo, integrado e contínuo, funcionando como fio condutor do projecto e de todo o processo de ensino-aprendizagem, abrangendo o domínio dos conhecimentos, das capacidades e atitudes. Assim, a avaliação é favorecedora de progressão pessoal e da autonomia dos alunos, na medida em que se encontram directamente implicados no processo, e permite ao professor controlar, reformular, adequar e melhorar a sua prática pedagógica.”


            “O professor poderá utilizar diferentes instrumentos de avaliação, nomeadamente a observação directa, as produções dos alunos e o grau de envolvimento nas actividades de ensino-aprendizagem, no sentido de se orientar nas dificuldades e valorizar os seus progressos e, simultaneamente, recolher informação diversa para a realização de novos projectos significativos, que constituam novos desafios para os alunos e para toda a comunidade educativa.” 

1 comentário:

  1. Nas leis e na teoria as coisas não vão mal. E na prática?
    Um abraço, amigo.

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