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Os
filhos só podem ser compreendidos e apoiados pelos pais, se forem efectiva e
objectivamente aceites e amados por estes e para lá destes, isto é, sem
fixações neurosadas e debilitantes. O primeiro vínculo sadio à mãe, conforme
tentámos dar a perceber no escrito anterior, prepara a criança para uma necessária
individuação, operada através de respostas emocionais e materiais, visando uma
primeira elaboração dos objectos internos e da capacidade de pensar, uma vez
contido e transformado o sofrimento depressivo em esperança e amor. Mas rumemos
à adolescência!
Desde logo, importa não perder de
vista a dualidade contextual interactiva interna e externa, que serve de pano
de fundo (ambiente) ao adolescente, e de cuja influência recíproca se pauta o
desenvolvimento do indivíduo em causa, para o bem e para o mal. De acordo com
Freud, a realidade interna configura o conflito de gerações, e, a externa está
ligada à substituição dos objectos de amor iniciais, por novos investimentos e
identificações fora da família. Este processo, por um lado, pode não ser
pacífico, devido à radicalidade da mudança, e, por outro, é susceptível de
gerar novas conflitualidades, ao sabor do jogo inconsciente das sensibilidades
redimensionadas, face à heteróclise dos adultos em presença.
No âmbito desta complexa transição,
Anna Freud (1958) sublinha a necessidade que o adolescente enfrenta de fazer o
luto pelos objectos abandonados, como forma de defender e reforçar o próprio
ego. Já Loewald (1962) refere que esses mesmos objectos não são de todo
apagados do psiquismo do sujeito, o que favorece a sua emancipação. Por sua
vez, Amaral Dias & Nunes Vicente (1984) apontam a fundamentalidade deste
tipo de luto que se manifesta através de vários outros a saber: segurança,
renovação do objecto edipiano, ideal do Eu, bissexualidade e grupo. Desta forma,
estes emprestariam uma nova dinâmica intrapsíquica ao indivíduo, reforçando a
sua capacidade egóica de autonomização (Fleming, 2004, pp. 44 e45).
No entanto, estas mudanças bruscas e
complexas são difíceis de enfrentar, até porque o adolescente irá sentir
internamente a irrupção de uma renovada energia emocional e afectiva, a impor
uma estranha clivagem face à família (pais), na procura da individuação e das
relações de objecto. Essa busca é promovida pelo próprio fenómeno adolescente,
determinando um arrefecimento emocional e afectivo face à família e à
dependência desta, trabalhando a individuação no sentido de um self
autonomizado. Nesta fase é primordial a firmeza e maturidade dos pais, para que
não se adulterem as representações objectais do adolescente, na sequência da
perda dos objectos infantis internos. A construção da autonomia deve prosseguir
para a formação da identidade, mas ambas dependem do ritmo e qualidade da
individuação e do desenvolvimento do ego (Blos, 1967; Mahler, 1963; Josselson,
1980, in Fleming, 2004, pp. 46, 47 e 48).
Erikson (1968) aponta a capacidade
do sujeito ultrapassar as várias crises da adolescência, como mais-valia do
reforço da identidade, ao integrar as “identificações infantis precoces” em
outras componentes psicopessoais e sociais, na procura de diferenciação e
distância dos pais, contestando a estrutura e a organização familiares; desta
forma consegue reconfigurar os objectos internos e externos, vivenciando novos
papéis e competências, aprendendo a decidir e a saber agir, num crescendo de
maturidade pessoal, mental e afectiva – recorde-se que é nesta altura que a
afectividade começa a ser matizada pela sexualidade. Não comprometam os pais
este processo, precarizando a qualidade dos vínculos essenciais pré-existentes,
até porque, segundo Bowlby (1969), a alternância entre aproximação e
afastamento à família, nesta fase da vida, não significa uma quebra definitiva
(Fleming, 2004, pp. 50, 53 e 55).
A autora investigada recorda a
seguir o contributo de Amaral Dias (1988), alicerçado em Bion, referindo as
“ansiedades claustrofóbicas” do adolescente: no cenário conflitual de gerações,
o sujeito projecta no continente grupal todas as angústias constituídas pelas
“partes idealizadas e persucutórias de si” (ambivalência parental) “contidas
por identificação projectiva, em outros iguais a si”, podendo introjectar
elementos que favoreçam a identidade* ou, pelo contrário, se o continente se
mantiver rígido, devolvendo apenas as partes persecutórias e não as
idealizadas, instaura a idealização omnipotente, impedindo o crescimento, a
autonomia e a independência psicológicas (Fleming, 2004, p. 56).
As alterações biológicas,
psicológicas e sociais despoletadas pelo processo adolescente, abalam toda a
realidade familiar, sendo, no entanto, extremamente saudável estar preparado
para saber e poder render cabalmente as gerações precedentes, o que não
implica o corte radical e definitivo com a família nuclear, desde que as
partes saibam agir de forma madura e equilibrada, aceitando os respectivos
papéis de diferenciação*, individuação*, autonomia e separação, sem
condicionalismos redutores, frustrantes e regressivos, nem precipitações
eivadas de egoísmo e abandono persecutório... E muito mais haveria ainda para
dizer sobre a matéria tratada...
Notas conceptuais*: identidade
– conforme Loevinger (1976), trata-se de “um sentido emocional sobre o self,
uma percepção de bem-estar e de coerência entre o passado, o presente e o
futuro (...)”, aliados à interiorização intelectiva desses constructos
(Fleming, 2004, p. 84);
Diferenciação –
segundo Sabatelli & Mazor (1985) é uma “propriedade do sistema familiar”
que explica a manutenção das distâncias psicológicas e as adaptações sistémicas
operadas (Fleming, 2004, p. 74);
Individuação – para
Sabatelli & Mazor (1985) é um “processo de renegociação da dependência
psicológica face aos outros”, condicionado pelo grau emocional (salutar ou
doentio) de ligação à família (Fleming, 2004, p. 74).
Referências bibliográficas:
Dias, C. A. & Fleming. M. 1998. A Psicanálise em Tempo de Mudança –
Contribuições teóricas a partir de Bion. Biblioteca das Ciências do Homem.
Edições Afrontamento. Porto.
Fleming, M. 2004. Adolescência e
Autonomia – O desenvolvimento psicológico e a relação com os pais.
Biblioteca das Ciências do Homem. Edições Afrontamento. Porto.