domingo, 27 de novembro de 2016

TABU ET AL




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      O signo linguístico “tabu” evoca, necessariamente, um referente cuja representação mental deve ser imediatamente censurada, diluída, apagada, desistindo o indivíduo de prosseguir a sua linha de raciocínio, já que de tabu se trata. Sendo assim, estaria acabado o escrito e o resto da folha permaneceria imaculadamente branca, pura, misteriosa, mágica, divinizada. No entanto, o título em epígrafe refere outras coisas, e, portanto, vamos arriscar reflectir um pouco mais sobre o assunto.

            Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa (Porto Editora), de 2006, pode ler-se que tabu é – 1 Religião – um “sistema de interditos religiosos aplicados a determinadas entidades (seres, objectos, etc.) e atitudes consideradas sagradas ou impuras; 2 interdição social ou cultural implícita de abordar determinados assuntos ou adoptar determinado comportamento; 3 [ fig.] aquilo que não é discutido ou mencionado por pudor ou educação (...) (Do mal. Taáb, “sagrado; proibido”, pelo ing. taboo,  “id.”)”. Já o médico alemão Friedrich W. Doucet (1972), refere o signo polinésio tapu, isto é, “proibido”. Feito o esclarecimento, resta dizer que a palavra é oriunda do malaio, mas radica no javanês, tendo sido os ingleses, alegadamente, a adocicar o seu sentido fónico essencial (accent).

            Voltemos a Doucet: este cientista afirma que, na Polinésia, os autóctones cultivavam uma representação religiosa primitiva, relacionada com certos objectos e pessoas intocáveis, devido ao poder e força psíquicos de cariz mágico (mana), ou seja, o poder mágico ou demoníaco dos espíritos naturais. Recordamos, a propósito, a espécie de poder mana de que gozavam os padres, professores e médicos no regime do Estado Novo – grosso modo, ao longo das décadas de 1930, 40, 50, 60 e parte de 70, em Portugal... E os políticos?! Sim, também! Embora enquadrados num clima muito mais potenciador de ambivalência, que foi abrindo caminho à resistência e à revolta.

            Mas, para os polinésios, também as parturientes e as menstruadas constituíam tabu sexual, o que levou Freud a estabelecer um paralelismo entre aquelas e os sintomas da neurose compulsiva. Assim, apontou como fundamentos a origem dos rituais e normas  que revestem o proibido; a dinâmica e o perigo de contágio do proibido; a valorização deste por imperativos intrínsecos; o desprazer inerente à proibição. Isto significa ainda que o tabu impede a inconsciente transgressão dos limites, mas deixa nos indivíduos uma sensação de ambivalência, de forte desejo recalcado de prevaricar. Por isso é que Adão levou Eva a morder a maçã – Freud, na publicação “Totem e Tabu”, fala no poder mágico do contágio que o tabu exerce.

            Já Jung, um empirista da psicologia analítica, na obra “Relações entre o Inconsciente e o Consciente”, vê o tabu como algo capaz de defender o psiquismo do indivíduo, reforçando a consciência e o ego, pelo que importa banir todos os obstáculos que tolham o desenvolvimento de personalidades fortes, equilibradas e diferenciadas, logo, prestigiadas, e alerta para o risco de fazer perigar a sua vida em sociedade, pela “perda prematura de prestígio, através da invasão operada pelo psiquismo colectivo”, de natureza transgeracional. O prestígio, aqui, deve ser interpretado como uma espécie de encanto mágico e carismático de determinadas personalidades, que a massificação compromete; por isso importa a manutençao do segredo incondicional, do tabu, para a protecção das qualidades individuais.

            Por último, encerraremos a presente reflexão com uma breve alusão à existência, na sociedade lusitana actual, de alguns tabus a saber: o silêncio de certos políticos, o sigilo nos negócios, os dogmas religiosos, as praxes estudantis, entre outros. Em todos eles impera o segredo incondicional, a garantir o prestígio dos seus detentores, no fortalecimento e diferenciação das suas personalidades e respectivos estatutos e papéis, de forma a possibilitar a afirmação da defesa dos seus interesses incontornáveis, através do exercício incontestado do poder que lhes convém manter inalterado. Mas é por isso mesmo que há quem os admire e siga.

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